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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

150 ANOS DO NASCIMENTO DE MARIANA LUZ

A Cigarra Itapecuruense

 


 Em 10 de dezembro de 2021 uma das pioneiras poetisas maranhenses, a itapecuruense, Mariana Luz, completa o seu sesquicentenário de nascimento. Nasceu em 10 de dezembro de 1871 e   faleceu  aos 89 anos em 14 de setembro de 1960.  Este ano de 2021 é o ano dela. As Academias de Letras Maranhenses – Academia Maranhense, Itapecuruense, Vargem-gradense   e Luminense, se uniram para para homenageá-la em seus 150 anos de nascimento.

 

Aos 13 anos de idade, em 25 de maio de 1885,  teve a primeira publicação dos seus trabalhos artesanais no jornal, A Pacotilha e aos 18 anos,  em 12 de janeiro de 1890, foi publicado no mesmo matutino a sua primeira crônica,  Variedades, que descrevia todo este entorno, com o cemitério, a igrejinha, as mangueiras  já que ela nasceu aqui perto no local onde atualmente é a agencia dos Correios.

 

Deixou uma grande produção literária, publicadas em todos os matutinos e periódicos do Maranhão no final do século XIX e o inicio do Século XX. Seus textos, a sua maioria, sonetos foram publicados também em outros,  Estados como: Rio de Janeiro, Pernambuco, Pará e Piaui. Nunca parou de escrever, até os momentos finais da sua existência,   tudo servia de inspiração  a renomada poeta.

 

Membros da AICLA visitam o túmulo da poetisa




Mariana Luz foi uma mulher  na vanguarda  do seu tempo.  Ela  não temia   quebrar as regras de uma sociedade preconceituosa para impor o seu   trabalho e talento. A exemplo de dedicar-se ao magistério por quase 80   anos, como a um sacerdócio; ajudar na educação de gerações e gerações de maranhenses; ser pioneira em trabalhos artísticos e artesanais; fundar escolas; ajudar na construção da igreja; fundar teatro; participar de grêmios literários; fazer parte dos principais acontecimentos históricos, culturais e sociais da sua cidade e se projetar como renomada poetisa,  angariando respeito em toda uma classe   literária, ao lado de gigantes da intelectualidade que criaram  o fenômeno da “Atenas Brasileira” no cenário estadual.

 

Sua história está vinculada na história da arte literária maranhense, no momento mais expressivo da memória da poesia maranhense, com um lastro de grande importância.

A poetisa itapecuruense

           A poetisa Mariana Gonçalves da Luz, foi uma das figuras mais expressivas na literatura maranhense, do final do século XIX e da primeira metade do século XX, com uma produção literária de primeira grandeza.  Era filha de João Francisco da Luz, e de Fortunata Gonçalves da Luz. Era neta de escrava. Foi professora, poetisa, teatróloga, musicista, oradora e escritora.

 

Ela  viveu na vanguarda  do seu tempo. Na época, já vislumbrava uma prefiguração da mulher dos tempos atuais,  não temendo quebrar as regras de uma sociedade preconceituosa para impor o seu   trabalho e talento, a exemplo de dedicar-se ao magistério por quase 80 anos; ajudar na educação de gerações e gerações de maranhenses; ser pioneira em trabalhos artísticos e artesanais; fundar escolas;  fundar teatro; participar de grêmios literários; fazer parte dos principais acontecimentos históricos, culturais e sociais do Maranhão   e se projetar como renomada poetisa, angariando   respeito em toda uma classe literária, ao lado de gigantes da intelectualidade que criaram o fenômeno da Atenas Brasileira  no cenário literário maranhense do século dezenove.

 

Mariana Luz  começou escrever poesia ainda pequenina. Aos 10 anos de idade foi descoberta  pelo pai que a proibiu de escrever por achar que não era uma atitude apropriada à mulher, então, continuou a produzir a sua arte literária com o pseudônimo de homem, “Hector Moret” e “Vinícius”.  Aos 11 anos já tinha uma escolinha de primeiras letras na casa de seus pais, começando ensinar os filhos de vizinhos e os parentes.

          A obra de Mariana Luz, ficou muito tempo na obscuridade, por falta de condições financeiras da autora, para sua publicação. Recorreu aos conterrâneos, a governadores do Maranhão, (Godofredo Viana e Antônio Dino), e até a  Adhemar de Barros, então governador  São Paulo, em 1951, sem êxito. No final da década de 40, organizou artesanalmente um livro com o título de “Murmúrios” e se candidatou à Academia Maranhense de Letras sendo eleita no dia 24 de julho de 1948, como a segunda mulher a ter assento naquela secular instituição literária, como fundadora da cadeira 32, tendo por patrono o poeta caxiense Vespasiano Ramos.

           Em 10 de maio de 1949 tomou posse em meio a grande festa e repercussão nacional. Foi convidada para ser hóspede oficial do então governador do Estado Sebastião Archer. Infelizmente faleceu sem ter realizado o sonho de ter seus versos publicados em livro.  

A Poetisa

            Sofrimento, solidão e tristeza − são os temas muito explorados pela autora. Uma tristeza vaga, indefinida / Esta vida falaz e amargurada. / Angústia, o mal a que ninguém se exime. Em entrevista a poetisa confirma: Prefiro a Escola Antiga, porque me parece agradar mais ao coração. Está mais condizente com a minha alma sofredora.

  − Beleza, natureza retratada através das paisagens, jardins, crepúsculo, flores, por do sol, tarde, pássaros, folhas, sorrisos...

   Dor e Morte – temas bastante explorados em seus escritos, com mensagens cheias de reflexões sobre vida, morte, cadáveres e dor, como exemplo: Suprema Dor / Morte de Almira / Morta, Entre o Berço e o Túmulo / Gracinha Junto ao Féretro da Mãe, Este caixão teu derradeiro leito/ Eu sinto qual cadáver regelado.

    Escravidão – um texto escrito em comemoração ao Jubileu de Prata da libertação dos escravos em 1927, com o título “Salve, 13 de Maio”.. irradiam novos horizontes na sacrossanta asa da liberdade.

  − Homenagens – Escreveu homenagens, como: A Gomes de Sousa, Gonçalves Dias, Coelho Neto, Padre Possidônio, João Rodrigues, Américo César,  Getúlio Vargas,  Francisco Félix de Sousa, Hermes Rangel e muitos outros. Infelizmente grande parte do seu acervo literário foi perdido, por falta de acondicionamento ou corroído por cupins.

                                                   A Teatróloga

Mariana Luz tinha um grupo teatral que se apresentava em sua residência. Em 30 de julho de 1933, fundou a sua casa de espetáculos, o Teatro Santo Antônio, na Rua Cayana atual Avenida Brasil de Itapecuru Mirim. Encenava peças que traduziam costumes, humor e formação moral de gente campesina, satirizava a condição da mulher na sociedade,   mau desempenho dos políticos e outras. 

 

Suas peças fizeram muito sucesso na época, sendo requisitadas  como:  A Casa do Tio Pedro, Quem Tudo quer Tudo Perde, A Herança de Benvinda,  Casada Desabusada,  Por Causa do Ouro, Eu também sou Eleitora e Miss Semana entre outras. Ela participava de todas as etapas da encenação: produzia, dirigia, atuava, cantava, dançava e produzia o figurino.

Mariana Luz passou por muitas privações financeiras na velhice. Somente em 1941, na administração do prefeito  Felício Cassas, já com mais de 70 anos de idade, a educadora Mariana Luz conseguiu seu primeiro emprego de  professora municipal, lotada  na Escola Getúlio Vargas. 

Em 2014 foi lançado o livro, Mariana Luz:  vida,  obra e coisas de Itapecuru Mirim de autoria de Jucey Santana. 

 

Depois de muitos anos completamente esquecida, atualmente a importante poetisa está tendo o reconhecimento merecido. É patrona da cadeira nº 01 da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes,  da cadeira nº 08 da Academia Vargem-grandense de Letras e Artes, da cadeira nº 28 da Academia Luminense de Letras e vários pesquisadores e estudantes pesquisam  os seus escritos. 

 

Em 2019 a pesquisadora lançou o livro infantil, “A Cigarra Mariana Luz”, objetivando levar a autora aos pequenos leitores, com grande aceitação entre os estudantes e professores. 

 

 Em 2019 Jucey lançou o livro de Mariana Luz, no Norte de Portugal, porém este que é o ano de 2021,  o que se viu foi a projeção de Mariana Luz, ao seu merecido lugar de destaque:  Em abril Jucey levou Mariana Luz, ao Salão Internacional do Livro, de Genebra, na Suíça. Este ano também foi lançado pela pesquisado Gabriela Santana, a obra “Mariana Luz, Murmúrios e Outros poemas”, sob a égide da Academia Maranhense de Letras. Outra grande alegria do itapecuruense, finalmente ver o nome da poetisa, conquistando o lugar merecido na Praça dos Poetas, na capital de Estado, uma grande luta da pesquisadora Jucey Santana. Mariana Luz, também está nas páginas do Almanaque “Trilhos da Alfabetização”, projeto da VALE, com foco a alfabetização,  distribuídos aos 24 municípios  onde passa a linha de trem da VALE. O Cartilha tem 2 páginas sobre  a poetisa. É Mariana chegando as escolas!

 

                                  Hino à Nossa Senhora das Dores

 

           Cantado até 1955, quando foi substituído pelo atual hino, encomendado por Padre Jose Albino Campos Filho.   (Amanhã estará completando 65 anos que o atual hino foi cantado pela primeira vez) 15.09.1956.

 

 Nossa Senhora das Dores,

Virgem Mãe imaculada,

Escutai as nossas preces

Ó Senhora Angustiada

 

Pelo sangue precioso

          Que Jesus derramou na Cruz

  Escutai as nossas preces

  O’ Virgem Mãe de Jesus

 

       Por vossas benditas mágoas

                                                           Vossas dores e agonia

                                                          Escutai as nossas preces

                                                          O’ Doce Virgem Maria.

 

 Sede sempre compassiva

 Para os pobres pecadores,

Escutai as nossas preces

  Nossa Senhora das Dores.

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

CARLOS DE LIMA, UM HOMEM INVULGAR

                  Ceres Costa Fernandes  (27.10.2021)

                    A Academia Ludovicense de Letras, prestou homenagem ao seu patrono da cadeira 33, Carlos Orlando Rodrigues de Lima, em 27 de outubro do ano em curso, pelo seu centenário de nascimento, no Auditório do Palacete Cristo Rei. A acadêmica, professora Ceres Costa Fernandes foi designada para fazer as homenagens ao patrono e a sua viúva Zelinda Lima. Abaixo o emocionado discurso da professora Ceres:

   Carlos de Lima

Caras confreiras e confrades, familiares de Carlos e Zelinda Lima, nossos homenageados, queridos amigos presentes, estamos aqui, em 27 de outubro de 2021, cumprindo, com alegria, o dever de homenagear Carlos Orlando Rodrigues de Lima, o patrono da Cadeira nº 33, da Academia Ludovicense de Letras, que vem de completar cem anos de nascimento em 2020,  ano em que pretendíamos homenageá-lo pela passagem do centenário, quando sobreveio a pandemia deste inimaginável vírus, o Covid 19. Estamos, pois, com um ano de atraso, mas sempre é tempo de louvar quem nos legou belos e importantes escritos e lúcidos exemplos de cidadania.

Carlos de Lima nasceu em São Luís – MA, em quatorze de março de 1920 e faleceu em nove de maio de 2011. Filho de pai comerciante e mãe dona de casa. Escritor, pesquisador, historiador, cronista, folclorista, ficcionista e, acima de tudo, grande figura humana. Em que pese ser polígrafo, foi autodidata, não cursou universidades, nem teve formação específica de historiador, note-se, como também não o tiveram a maioria dos grandes nomes na historiografia maranhense. Mas, esperem, não foi bem assim, Carlos de Lima foi técnico em Contabilidade e Administração e complementou sua formação acadêmica com cursos de aperfeiçoamento em áreas como Crítica Cinematográfica; História Cultural; Cenotécnica; Interpretação Teatral; Folclore; Museologia; Informação Turística; Arte Moderna; Iniciação às Artes Plásticas; Museografia; Metodologia do uso de Fontes Orais, dentre outros. Estudos que melhor lhe aproveitaram para a importante obra que produziu.

Do seu currículo, ainda consta ter sido Segundo Tenente R-2  do 24 BC.  Durante a 2ª Grande Guerra, apresentou-se como Voluntário da Pátria. Como assim? O tranquilo e pacifista Carlos de Lima quis ir para o coração da luta? Sim. Patriota convicto, ele nos conta, em Memória de velhos, “cheguei a pagar do meu bolso uma radiografia para o exame médico, a fim de fazer um estágio em Recife, para depois embarcar para o teatro das operações, na Europa. Não cheguei a ir a Recife. Não sei se por azar meu ou por sorte dos alemães, a 2ª Guerra acabou antes que eu viajasse.” Além de militar em tempo de guerra, foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e ocupante da Cadeira nº 7 da Academia Maranhense de Letras.

  Filho único de família de classe média, muito jovem precisou parar de estudar e trabalhar para ajudar na subsistência familiar, desde que o pai alternava altos e baixos em seus empreendimentos comerciais.  Apaixonado pelo Maranhão e sua cultura, em especial pela sua cidade, São Luís, mesmo empenhado na luta pela  sobrevivência, aplicou-se longos anos ao estudo da cultura e história maranhenses no pouco tempo que lhe sobrava.

Na juventude, desfiou inúmeros e variados trabalhos, que ele não recusava nenhum, de cobrador da Sociedade de Defesa dos Filhos dos Lázaros e Defesa contra a Lepra, aos quinze anos, a funcionário da Alfândega, quando começou a estudar para o rigoroso concurso de bancário do Banco do Brasil, no qual foi o primeiro colocado, na que seria a sua profissão definitiva. Longos anos de prestigioso trabalho, até a aposentadoria.  Aposentado, enfim, realizou seu grande sonho, dedicar-se apenas a escrever e pesquisar  sobre o Maranhão, com grande paixão,  como tudo o que realizava.  

            Procurou  cercar-se de historiadores e poetas,  como Jerônimo Viveiros, Mário Meireles, Odylo Costa, filho, e de artistas acadêmicos e populares, bebia da fonte erudita com os acadêmicos e da água límpida do folclore com os artistas  da cultura popular. Possuidor de talento multifacetado,  interessado em todas as manifestações de arte, foi fundador do Teatro Experimental do Maranhão (TEMA) e trabalhou como ator nas peças A ratoeira, Gimba, presidente dos valentes, O processo de Jesus, A revolução dos beatos e Por causa de Inês. Fez algumas participações em filmes e televisão locais, a exemplo de A faca e o rio, Uirá, um índio à procura de Deus e Carlota Joaquina, princesa do Brasil.

         Carlos de Lima foi um grande folião, como ele mesmo revela ”Brinquei carnaval durante quarenta e cinco  anos, dos quinze aos sessenta”. Foi um dos fundadores do bloco Coringas, um dos mais famosos blocos tradicionais do carnaval do Maranhão. Nessa época, anos 30 e 40 do século passado, havia uma competição acirrada entre os blocos nascentes, que hoje são os chamados blocos tradicionais, principalmente entre o Coringas e o Vira-Latas. Havia torcidas ferrenhas. Acresce que a competição era lírica, travava-se através de músicas, nada de insultos ou agressões físicas, uma delícia de guerra poética, a usar como  armas versos e canções.

         O Vira-Latas tinha um hino:

                                   Saímos para mostrar a nossa bandeira,

                                  Há muitos anos que nós temos união.

                                  Salve a mocidade Vira-Lata, como não?

                                  Quem fala de nós tem paixão.

 

                Carlos de Lima, em resposta, faz a letra e a música do hino do Coringas:

 

                                 Coringas é o dono do baralho,

                                 Essa é a verdade que eu sei,

                                 E a Dama, a Dama que é muito boa

                                 deixa o Rei que tem coroa

                                 pelo Coringa que é rei.

                                 Coringa agora que é folião

                                 dá carta e joga de mão.

           Esta música, junto com outras de sua lavra e de outros compositores de blocos, estão reunidas no CD Carnaval dos Bons Tempos, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado do governo Roseana Sarney.

        Por ocasião de sua posse, em fevereiro de 2008, na Cadeira nº 7 da Academia Maranhense de Letras, Carlos de Lima disse, no seu discurso de empossando, fazendo chiste com a sua idade avançada, bem ao seu modo descontraído de falar, que não estava ocupando a vaga deixada por seu antecessor, já que ele mesmo era uma vaga. Tinha, à época da posse, oitenta e oito anos e faleceu aos  noventa e um, em plena produtividade literária.

           Viveu mais três anos. Nunca um curto tempo foi tão grato às lides acadêmicas. Mestre da convivência, cordial e bem-humorado, constantemente presente e com disposição jovial para sugerir e colaborar com os trabalhos.   Sobressaiu-se na ocupação da cadeira patroneada por Celso Magalhães, que ele, em momento algum, postulou. Só aceitou assumir a candidatura, após forte bombardeio dos argumentos de seus futuros pares. Bastava-lhe o ofício anônimo e diuturno de escrever. Autor de numerosos livros, dezoito ao todo, e possuidor de alentado conhecimento do Maranhão histórico e popular, preferia o recolhimento e não buscava glórias nem as luzes das passarelas.

       Carlos de Lima foi perfeito nas duas vertentes buscadas na vivência acadêmica: a convivência cordial e a qualidade da produção intelectual. Nestes três anos, lançou o segundo e terceiro volumes da trilogia sobre historiografia maranhense:  História do Maranhão, a monarquia, 2008 – sobre esta obra nos acrescenta Maria de Lourdes Lauande Lacroix, “Sem se acorrentar aos ditames de Chronos, no entanto, ele por vezes passeia na linha do tempo, num ir e vir a épocas mais distantes ou bem recentes, sempre no afã de melhor aclarar e demonstrar as relações de causa e efeito, fornecendo-nos uma visão muito peculiar dos acontecimentos históricos”, e a  História do Maranhão, a República, 2010. Publicou a novela Memórias de um garoto de programa  e a biografia de Dr.  Djalma Marques, 2008. Produtivo e incansável, movido por uma curiosidade quase juvenil, investigava usos e costumes de um Maranhão pitoresco, de onde saíam crônicas saborosas, algumas publicadas na coluna Bisbilhotices, aos domingos, em O Estado do Maranhão, e muitas outras ainda inéditas.

     Da sua vasta produção literária, destacamos ainda Bumba-meu-boi do Maranhão, 1969; Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara, 1972; Morte e vida da cidade de Alcântara, 1997; Caminhos de São Luís, 2002; Lendas do Maranhão, 2006, Historia do Maranhão, a colônia, 2006.  Carlos de Lima deixou cinco livros prontos, sendo um deles o denominado Arquivo morto, que contém as suas memórias. Pediu que a família não o publicasse. Mas temos sobre elas grande curiosidade.  

     Falar de Carlos de Lima, dileto amigo, com tantos talentos de pesquisador, historiador, cronista, folclorista, ficcionista, e, além do mais, grande figura humana, não é tarefa difícil.  Difícil, senão impossível, é dissociar a imagem de Carlos da de sua outra metade Zelinda Lima, igualmente folclorista, pesquisadora, artesã e uma das maiores conhecedoras da cultura popular maranhense. Seria como falar de Dante Alighieri sem falar de Beatriz ou de Petrarca passando ao largo de Madona Laura. Na comparação, a vantagem é pró-Zelinda: elas foram musas de seus poetas ao longo das suas vidas, mas ficaram no patamar do sonho, da idealização, do amor platônico, enquanto Carlos e Zelinda provaram o seu amor na mais difícil das provas, a convivência cotidiana. Eles usufruíram setenta e um anos de relacionamento, somados sessenta e quatro de casados e sete de namoro, e deram à vida seis filhos.

        Disse Zelinda, por ocasião da morte do esposo: “Era um marido maravilhoso [...] tivemos uma família perfeita.” De outro lado, o próprio Carlos é quem diz, no seu depoimento na obra Memória de velhos, vol. VI (2006): “Em todas as minhas iniciativas, se tive algum sucesso, devo-o inteiramente à minha mulher, visto que foi ela quem me incentivou a fazer concurso para o Banco, a fazer teatro, a estudar cultura popular. Devo-lhe tudo e mais alguma coisa.”

      O casal compartilhava o gosto pelas mesmas coisas. Tinham paixão pelas artes e pela cultura popular. Mais uma vez, no mesmo depoimento, Carlos reitera que foi Zelinda que o introduziu naquele mundo. Curiosos, saíam os dois pelas ruas com gravador e máquina fotográfica, investigando e registrando com paixão cada pedaço de São Luís e suas festas, e continua ele “Aí, comecei a transcrever para o papel  as observações que fazia e assim acentuou-se o meu gosto pela cultura popular [...] Passei a acompanhar tudo. Procurei estudar e atrevi-me, então, a tecer minhas próprias considerações.”

       E deve ter sido desse modo, em momentos assim somados ao contato com artistas populares, pintores, escultores, compositores, artesãos – a própria Zelinda é artesã,  que Carlos de Lima concebeu e escreveu Os caminhos de São Luís – ruas logradouros e prédios históricos, livro saboroso, em cujo prefácio o autor declara; “Muitos terão passado nestas ruas considerando-as vias de tráfego apenas, sem nunca atentar para o que há além daquilo que ordinariamente percebemos. Nosso propósito é tentar resgatar o mistério dessas pedras, o guardado por trás destas fachadas, aderido aos muros, casa, fastos e pessoas, tudo o que faz encantadora e apaixonante São Luís do Maranhão e que Odylo chamava a alma da cidade.”

        E toda a sua vasta obra vai ao encontro desse propósito, a preocupação constante com o que há por detrás dos  fatos, buscando o humano, a alma das coisas, sem deixar de lado os comentários espirituosos que tornam leve e saborosa  a leitura do que poderiam ser maçantes cartapácios históricos

                Sua filha, Deborah Baesse, dá-nos um perfil exato deste homem incomum:

Carlos de Lima era um homem avesso a ação desprovida de sentido. Com  uma curiosidade nata, tentava sempre desvendar o que  estava por trás dos fatos: a etimologia das palavras, a intencionalidade dos atos e a lógica dos acontecimentos. A superficialidade não era para ele uma escolha. Sempre mergulhava fundo em qualquer tema que abordava e, com o mesmo entusiasmo do menino nascido e criado no Caminho Grande, atual Canto da Fabril, passava horas revirando dicionários, enciclopédias e livros em busca do sentido das coisas e da vida.

 

         O interesse pelo folclore os levou a viajar para municípios do Maranhão em busca da documentação e descoberta de manifestações folclóricas; assim foram ao município de Rosário, para assistir a Dança do Lelê, e a  São Simão,  documentar o Pela-Porco, dentre muitos outras incursões nesse sentido.

        Seu bom humor manifestava-se até mesmo em assunto que é tabu para pessoas mais idosas, a morte. Quando dos seus 90 anos, a academia Maranhense de Letras rendeu-lhe uma homenagem. Parabenizado pelos confrades que lhe auguravam cem anos de vida, ele respondia, “Psiu, não vamos limitar o Criador.” E quando lhe desejavam saúde e paz, ele respondia: “Saúde, eu aceito. A paz, não. Vou ter muita paz depois de morto.”

     Parodiando outro Carlos, o Drummond, eu diria: Vai, Carlos, ser bom e cordial no céu.   

 


Ceres Costa Fernandes é Licenciada em Letras pela UFMA, Mestra em Letras – pela Pontifícia UniversidadeCatólica – PUC, RJ, Professora aposentada do Curso de Letras da UFMA; Membro efetivo da Academia Maranhense de Letras; membro efetivo da Academia Ludo- vicense de Letras. Cronista, contista e ensaísta. Da sua vasta produção literária destacamos: Café Literário 2010 – 2014- Memória- São Luís. Edições AML. 2015; O narrador plural na obra de José Saramago. São Luís. Edufma. 2015 3 ed.; Surrealismo & loucura e outros ensaios. São Luís: Editora Uema, 2008; O narrador plural na obra de José Saramago.São Luís: Lithograf, 2003, 2 ed.; O narrador plural na obra de José Saramago. São Luís: Edufma,1990; Apontamentos de literatura medieval literatura e religião. São Luís:Edições AML, 2000.; Último pecado capital & outras histórias- seleta. São Luís: Edigraf, 2001.