Homenagem
às mulheres promovida pela Academia Ludovicense de Letras
*Por
Antonio Aílton
Amada escritora Arlete Nogueira da Cruz,
Senhor presidente da Academia Ludovicense de Letras,
Sanatiel Pereira,
Senhora presidente em exercício da Academia Maranhense
de Letras, Laura Amélia Damous,
Acadêmicos, autoridades; senhoras e senhores aqui
presentes,
Prezadas escritoras,
“Os começos existem
para uma precipitação.” (Arlete Nogueira, A Parede, 1961/2021)
“Para
cada peixe tirado das águas para a fome dos homens, outro peixe menor ficava
para a nutrição da alma pura do rio”. (Arlete Nogueira, O Rio, 2012)
Agradeço a incomensurável
honra de me convidarem para esta tão feliz tarefa de exaltar a quem merece ser
exaltada e destacar um bem que se espalha por si mesmo, isto é, de fazer esta
“Louvação à Escritora Arlete Nogueira da Cruz”, sendo minhas palavras quase uma
excrescência, não fora este desejo de abrir ainda mais as portas da casa, para
que a luz mais nela esplenda.
A louvação é um
enaltecimento que se consagra ou se tributa sobretudo aos deuses, ou às deusas,
o que faço aqui em nome da Academia Ludovicense de Letras e, com respeito ao lugar
em que nos encontramos, também em nome da Academia Maranhense de Letras, a essa
DIVA da literatura maranhense. Diva, como se diz das mestras mais brilhantes,
na medida da sua importância literária, do seu nome e do seu timbre, que haverão
de permanecer enquanto se abrirem as suas palavras, a história da nossa
literatura e a eternidade que a poesia proporciona. Diva também na sua condição
de mulher representativa de tantas mulheres fortes, que construiu com
independência a sua própria história, muitas vezes com sacrifícios excruciantes,
e se concedeu estender-se como esteio de tantas outras pessoas que amparou e
ampara com cuidado; e, como tal, capaz de nutrir muitas outras almas de admiração
e inspiração.
No entanto, sabemos que
em se tratando de Arlete Nogueira da Cruz, tal distinção (“Diva”) talvez deva
ser utilizada com muita licença poética, uma vez que, conforme a conhecemos, e
para sermos coerentes com o modo como sempre se apresentou, ela nunca se
colocou em pedestais ou posições altissonantes. E nunca abraçou o discurso da “figura
sagrada entre os mortais”; mas, pelo contrário, sempre nos abraçou como a
pessoa simples, humana e amiga que é, enchendo de alegria amorosa e secular os
espaços que pisa e se coloca, com sabedoria.
Essa humanidade aberta e despretensiosa
coaduna a escritora e sua escritura; ela, que abraçou a tarefa de ser
verdadeira poeta, conjuntamente com o de estar ao lado de outro poeta a quem
ama, o seu esposo Nauro Machado, e sem que tenha jamais querido escapar ao
desafio do chamamento da poesia e da escrita, acolhendo uma tarefa certamente
ainda mais dolorosa e difícil para uma mulher, como a sua mãe a poeta Enói
Nogueira, também enfrentou em situação ainda mais adversa à expressão feminina.
Sobre isso, diz Arlete no, no livro Colheita (2017): “sem que eu, no entanto,
tenha podido escapar da teia à qual me enrosquei sob os mesmos desafios que ela
enfrentou, contentando-me com o pouco que foi tudo aquilo que continua sendo
nosso.”
É essa mulher terna,
simples, humana, que nascida em 8/05/1936, seguiu o curso de um conhecido rio,
o Itapecuru, e de uma ferrovia, a que cruzava sua cidade de origem, Cantanhede,
ali pela década de 1940, e dava para São Luís; e depois, para outros rios,
cujas terceiras margens a levaram ao curso de seus estudos, sua formação e de
sua profissão, tornando-se professora do curso de Filosofia da Universidade
Federal do Maranhão.
É também no curso vital
de uma profícua atividade cultural e literária que se torna Diretora do
Departamento de Cultura do Estado e Diretora do mais importante palco da
dramaturgia no Maranhão, o Teatro Arthur Azevedo, entre tantos outros cargos
importantes na gestão pública. Ela chegou assim, por sua competência, conquista
e sensibilidade, às diretrizes do meio cultural e literário do Maranhão, dando
não apenas o apoio necessário a diversas aparições no mundo literário, tais
como a publicação, em 1972, da hoje histórica Antologia dos Antroponautas, mas
ela mesma sendo o centro e articulação da ambiência de um enredo composto por
alguns dos mais emblemáticos poetas e artistas do Maranhão, conforme nos revela
em Sal e Sol (2011):
“Início dos anos 60 ainda, os mais
chegados a mim eram justamente, José Chagas, Antônio Almeida, Nauro Machado,
Henrique Moreira Lima, Bandeira Tribuzi, Luís de Mello, José Maria Nascimento,
Paulo Morais. Nas tardes de sábado, impreterivelmente, eu já podia esperar, lá
vinham eles: Antônio Almeida, José Chagas com seu inconfundível saxofone, e
Paulo Moraes, disposto a cantar e dançar.[...] “De minha casa, o grupo saía
para um barzinho que ficava ali perto, na Rua São Pantaleão, e uma vez
insistiram tanto comigo que acabei indo com eles, dia em que fiquei a tomar um
guaraná com Bandeira Tribuzi, que conseguiram também arrastar até lá, Tribuzi
não bebia cerveja e morava perto de mim, numa porta e janela, na Rua da
Inveja.” (Sal e sol, 2011).
Essa
mesma Arlete, anos depois, continua encantando e acolhendo em seus braços, sua
casa e suas falas instigantes, jovens poetas de outras gerações, até por vezes
dando-lhes necessárias orientações sobre o universo literário-cultural, e que
reconhecem sua incomensurável oferta.
Também
recebemos de seu coração uma obra imaginativa e emotiva pautada nesses mesmos
princípios de simplicidade, ternura, abertura, despretensão e empatia, tanto no
que diz respeito às experiências ali invocadas quanto à linguagem que se
entrega a qualquer leitor, como acontece seja com sua prosa, seja com sua
poesia ou com seus ensaios. É o caso, por exemplo, dos Contos Inocentes
(2000), da poética novela O rio (2012), dos romances A
Parede (1961/2021) e Compasso Binário (1972/2022), e aquela
em que tais prerrogativas nos impactam ainda com maior alarde: A Litania
da Velha – obra escrita em versos longos e pungentes, apresentando uma
idosa senhora devastada pelo tempo e pelo abandono, percorre as ruas da velha
cidade de São Luís do Maranhão.
Nestas
obras, de um lado, temos um painel de heroínas e heróis comuns: pessoas frágeis
e cotidianas, jovens estudantes liceístas, proletários, despossuídos, trabalhadoras,
andarilhas e andarilhos, a lembrar o que diz aquele autor tão caro a Arlete,
Walter Benjamin, em Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo
(1994), segundo o qual o papel do herói está disponível, nas ruas da
modernidade, não para deuses ou semideuses, mas para as pessoas comuns, pessoas
como nós, e não mais radicalmente “heróis”, mas lutadores e lutadoras, no mais
das vezes incógnitos.
De outro lado, tais
personagens são detentores de um percurso para a iluminação, ou portadores
dessa iluminação, como a lembrar também, não apenas Platão com seu mito da
caverna (caso do quarto/caverna da personagem Cínzia, envolta em sombras,
versus Luiza, portadora da luz, em A Parede), como também a retomada do percurso
para a iluminação, como em Nietzsche. Personagens que apontam para suas imagens
/e seus duplos, como em Compasso binário, e que, ao fim e ao cabo, trazem uma
epifania, uma descoberta, uma alegoria ao ínclito leitor.
Tanto
mais poderíamos nos aprofundar nessas qualidades de Arlete, da Diva enquanto artista
senhora do seu fazer, de sua imaginação criadora que, com palavra e ternura, nos
lega criaturas e linguagens a quem podemos amar como a nós mesmos. Isto porque estas
também são parte da vida e de uma eternidade construída por essa mulher de enorme
coração e generosidade, doada ao seu marido, ao seu filho Frederico Machado, às
suas netas, e a nós, que temos o privilégio do seu largo abraço.
Salve,
Arlete, mulher que representa tantas outras mulheres daqui e de alhures, com
sua potência, e que nos engrandece, por tê-la nossa. Que o longo tempo nos
deixe viver, para que mais possamos aprender de tua poesia.
O nosso coração te louva!
Muito
obrigado.
São Luís, 31 de
março de 2025.
*Antonio
Ailton Santos Silva, escritor poeta e professor, membro efetivo da Academia
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