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domingo, 20 de dezembro de 2015

CADÊ, MENINO, CADÊ?



Por: Nato Lopes

Minha pequena cidade
Com limites conhecidos
Pra minha felicidade
Pra encher os meus sentidos

A minha Itapecuru
Do meu tempo de menino
A cadeia velha, a Igreja
E o badalar do sino

Cadê o velho coreto
Onde a Bandinha tocava
Dobrados e a cidade
Bem alegre acordava.

Cadê o meu Padre Albino
Cadê as Santas Missões
Que vivi quando menino
Fiz promessas e orações

Cadê os meus amiguinhos
Ali, do largo de areia
Onde feri meus pezinhos
Jogando bola de meia.

Cadê a Afra Viana
Que foi o primeiro amor
Que uma vez por semana
Sempre mandava uma flor

Cadê o Luís Antônio
Que no inverno enchia
Onde eu e o Seu Tonho
Era certo a pescaria

Cadê o Manduca Cesteiro
Lá do início das Artes
E aquele senhor Santeiro
Pra ler Pedro Malazartes

A casa de Vovó Dona
O cozidão do Guabiru
Cadê a mãe Ana Júlia
Mãe de toda Itapecuru

Cadê Antônia Araújo
Que de noivo me chamava
A casa de Vovó Paula
Era onde eu morava

Cadê a Rampa da Manga
Rampa Velha e do Wady
Quitanda Dudu Macaca
E o comércio do Chafid

O cuscuz de arroz da Adelaide
A taboquinha da Tina
O gostoso da Romana
A cocada da Celina

Cadê o Tambor de Mina
O bloco do Pedro Lambão
O comício do Gueguéu
Cadê o trem na estação?

Nas tardes ali vendia
Manga-rosa e sapoti
Milho verde, do Oiteiro
Do Moreira, bacuri. 

Ali da beira do rio
As nossas vazantes, cadê?
Com verduras e legumes
Coisa bonita de ver!

A gente ia pescar
Rio acima na canoa
Não tem peixes? Melancia...
Não dava viagem à toa.

A vazante visitada
Era do Seu Serafim
Quem roubava as melancias?
Eu não sei. Creia em mim (?).

Se você quiser saber
Pergunta para Zezoca
Que era bom de pescaria
Tirar cascudo da loca

Cadê o motor de luz
Que roncava às 6 horas
E logo depois das 8
Piscava e ia embora

Depois de 8 da noite
A rua ficava escura
Dizem que almas penadas
Saíam da sepultura

Diziam ver porca, morcego
A correr atrás de gente
Eu mesmo vi galo gigante
Dançando na minha frente

Cadê o Cine Marília
Com o filme de Tarzan
E o filme Paixão de Cristo
A pedido de Ozanan

A maior das novidades
Era o pouso de um avião
E todo mundo corria
Pro campo de aviação

A mulher dos peitos grandes
Do mangal da cachoeira
Que espantava os meninos
Chamando pro “mama ou cheira”.

Não agia só assim
Aquela mulher zombeteira
Dizia “Ou mama ou cheira
Ou larga a manga da Cachoeira” 

Itapecuru tinha baile
De segunda, de primeira
Tinha lá o Sonho Azul
Tinha baile de terceira

Era pela cor da pele
De segunda, de primeira
Conduta sexual
Para o grupo de terceira

Cadê a Maria Fumaça
Vomitando cinza e brasa
E a Donana da Graça
“Se viaja, o trem atrasa”

Quitanda do Fortunato
Cadê, menino, cadê ?
Vendendo mamão, banana...
Já querendo apodrecer

Cadê Ernesto estivador
Negro disposto e valente
Todo mundo obedecia
Quando falava com a gente

No Campo de Aviação
Papagaio, maracanã
E a gente comendo murta
Ouvindo guriatã.

Para água cristalina
Havia outra opção
Não quisesse a Miquilina
Bem perto da aviação

Água pura pra beber
Logo te dava uma dica
Pega logo tua cabaça
E vai buscar água na Bica

Cadê, menino, da terra
Água a fluir transparente
Que nós sem água tratada
Era a salvação da gente.

Cadê, presente da terra
Água, nossa Miquelina
Água também pra beber
Meu menino, minha menina

Foi por essa Miquelina
Que o Dr. Josemar
Compôs uma linda música
Que cabe a ele falar

Cadê, menino, cadê?
Festa de São Benedito
Pode deixar que o leilão
Sou coroinha, eu grito

Cloves, Voz Paroquial
"Pretinho das Multidões”
Barracas, romeiros mil
Eram lindas procissões

Semana Santa era bom
Eu virava um anjo torto
Quinta-feira adoração
Cantando pro Senhor Morto 

Num silêncio a procissão
No entorno da Matriz
Quebrado pelas matracas
Participava feliz

Semana Santa lá em casa
Na ponta dos pés andava
Para não fazer zoada
Pois Cristo doente estava

A música que gostava
“No céu a divina Luz
Cantemos também na terra
Louvores à Santa Cruz”

Da tarde de quinta a sábado
Nossa casa não varria
Não penteava cabelos
Eu e meu irmão Zé Maria


Semana Santa era assim
Na vovó Paula, fartura
Bolo de puba, cuxá
Jerimum, muita verdura

Maxixe ao leite babaçu
Bobó de Abóbora feito
Bagre seco cozido, beiju
Nem na casa do Prefeito!

Ali na Dona Sirene
Tinha muito sapoti
E lá no quintal do Padre
Matei muito bem-te-vi

Cadê, menino, o teatro
De Dona Lili Bandeira?
Eu era um dos artistas
Adorava a brincadeira

“Somos três serenatistas
Companheiros do luar,
Somos três belos artistas,
Que muito sabemos amar.

1.A minha flauta suspira
2.Meu violão chora,
3. Meu tamborim delira
Nessa abençoada hora...”

Inda me lembro das músicas
Da Mestre Lili Bandeira
Que ensinava com alegria
E era boa conselheira

“Trá, lá, lá, parece peta
Trá, lá, lá, não pode ser
Trá, lá, lá, mas é verdade
Trá, lá, lá, posso dizer.

No quintal do Abdala
Tem um grande pé de cana
Que, em vez de dar garapa,
Dá é doce de banana.

No quintal do Padre Albino
Tem um peru com dor de dente
Que chegou a me dizer
Que dói o dente da frente...”.

Cadê o nosso carnaval
Bloco de Pedro Lambão
A baliza era a Francisca
Dançava com o coração

Homem vestir de mulher
Era aquela alegria
Com Vavá e Abdala
Que caíam na folia

Cadê o tambor de mina
Que alegrava o carnaval
As brincantes atuavam
Era tudo ao natural

“Eu sou menino da Leria
Hoje eu vim foi leriar
Sou menino e vim brincar
Sou menino e vim brincar”

Cadê os 11 amigos
Time que meu pai formou
Que perdeu de 11 a zero
Na partida que jogou?

Meu time era o Luzilândia
Que foi fundado por mim
Teve dois bons jogadores
O Pires e o Inacim

Cadê o mangal escuro
No campo de aviação
Onde iam buscar manga
Pra vender na estação?

Cadê, menino, cadê?
Pontos históricos da cidade
A gente hoje não mais vê
Pra dizer à mocidade

O que aqui aconteceu
Na guerra da Balaiada
Muita gente já esqueceu
Não se sabe quase nada

O Professor João Silveira
Em sua casa me mostrou
Todos os pontos históricos
Que ele catalogou

O Prof. João Silveira
Logo ao Jamil mostrou
Coisa de fazer inveja
Que o mesmo relacionou

Meu Professor Ferraz
Que era ibegeano,
Fez uma monografia
Pra lançar naquele ano.

Do Itapecuru a História
E também a Geografia
Era um banco de dados
Ostentava com alegria 

Isso não aconteceu
Ferraz ficou muito triste
“Interesse por cultura
Nem no governo existe”

Cadê Mestre Luiz Bandeira
Com a sua engenharia
Fez coisas de admirar
Coisas de grande valia

Construiu uma patinha
Que ao andar as asas batia
Engenharia de Mestre
Fazia nossa alegria

Luiz Bandeira fez carrossel
Que tinha rodas dentadas
Ficavam ocultas na base
Como num conto de fadas

E quando a roda girava
Também girava o carrossel
E a meninada brincava
Era a “Torre de Babel”

Todos queriam entender
Também queriam pegar
Aquele novo invento
Era mesmo de encantar

O Professor Luiz Bandeira
Fazia aquilo com amor
E foi no Itapecuru
O nosso Grande Inventor

Cadê a casa de vovó Dona
O cozidão do Guabiru
A casa de vovó Paula
Onde comia angu?

Cadê, menino, cadê?
A casa do Padre Albino,
Lá era café com bolo
“Nos meus tempos de menino”.

Quando eu ia com o Padre
Em alguma desobriga
Trazia galinha e leitão
Pra encher nossa barriga

Quando morria alguém
Em um desses povoados
Morria galo e leitão
E na lata “cozinhados”

Tinha jogo de baralho
Rolava solta a cachaça
Alguém contava estória
E todos achavam graça

Não era só diversão
Pois se rezava também
Cantavam as excelências
E o povo dizia “Amém!”

E por falar em morte
Vou parar que não sou louco
Pois se ainda tiver sorte
Quero viver mais um pouco

Pra dizer como um amigo
“Maria, gosto de tu,
E aqui não vou ficar
Eu vou pra Itapecuru

Um comentário:

  1. Parabéns ao poeta maranhense de Itapecuru Mirim, Raimundo Nonato Lopes por este belo poema memorialista: "CADÊ, MENINO, CADÊ?' - Grata à confreira Jucey Santana, por partilhar conosco tão bela disparada poética de inspiração e transpiração do nosso confrade. Feliz Natal para todos!

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