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sábado, 13 de fevereiro de 2016

A DISCOTECA 404 E A MORTALHA


João Carlos Pimentel Cantanhede

Raimundinha e Izabel estavam conversando quando, de repente, começaram a ouvir uma música contagiante. Era o som da Discoteca 404, na Rua Benedito Bráulio Mendes, que começava a tocar os primeiros embalos naquela noite de sexta-feira. 
Izabel vira para Raimundinha e fala: – Vamos lá?!
– Eu não! Depois mamãe descobre, vai ser taca na certa! – respondeu Raimundinha com jeito de quem queria ir, mas estava com medo.
– Deixa de ser besta, nós vamos lá rapidinho que ela nem vai descobrir!
Com muito jeito, Izabel acabou convencendo Raimundinha.
– Mamãe nós vamos ali, mas não demoramos!
– Vão, mas nem pensem em me enganar!  Se eu souber que vocês foram pra discoteca, já sabem, vão dormir na rua, porque eu não vou abrir a porta meia noite pra ninguém! E amanhã a taca estará garantida.
– Não é nada disso, senhora, nós vamos só conversar um pouco com Bazinha. – respondeu Izabel tentando enganar Tinoca.  
A discoteca funcionava de quinta a domingo. Era a diversão dos jovens e uma perturbação para os mais velhos. Seu Isidoro que morava na Rua Urbano Santos, de fundos para essa casa de festas, a chamava de “Inferno verde”.
Tinoca, nem se fala, detestava a discoteca porque Izabel e Raimundinha viviam querendo ir lá toda semana. Naquela noite, ela pensou:
“Eu vou pregar uma peça nessas meninas! ”
Anos antes, Tinoca ficou muito doente e fez uma promessa para São Benedito. Com a obtenção da graça, ela pagou a promessa usando uma mortalha branca no festejo desse Santo, na Matriz de Nossa Senhora das Dores. Essa mortalha ela guardava dentro de um baú para lhe servir de última vestimenta.
Passado algum tempo depois que as meninas saíram, Tinoca abriu o seu velho baú, pegou a mortalha, vestiu e ficou estirada em cima da cama, fingindo estar morta.
Enquanto isso, na discoteca, Raimundinha e Izabel se requebravam ao som de “Take me home” de Cher. Ambas vestidas com blusas brancas para receberem o efeito das luzes do globo que girava no teto. Todo mundo ia de branco e dançava como se fosse John Travolta e Karen Lynn Gorney no filme Saturday Night Fever.
Raimundinha puxou Izabel pelo braço e falou que era hora de voltarem para casa. Quando chegaram, foi dito e feito, a porta da rua estava fechada. Elas pularam o muro e conseguiram abrir uma janela nos fundos da casa. Tiraram as sandálias e foram andando nas pontas dos pés para não acordarem Tinoca.
Tudo transcorria bem, Izabel foi para o seu quarto. Raimundinha como dormia com a sua mãe, tinha que ser mais cuidadosa. Só que ao abrir a porta do quarto, viu Tinoca vestida na mortalha. Levou um susto e correu para chamar Izabel.
  – Mamãe morreu!
– Deixa de conversa, menina!
– É verdade! Ela tá vestida com a mortalha lá na cama.
Izabel foi devagarinho, se aproximou de Tinoca e percebeu a farsa da sua mãe. Chamou Raimundinha e disse:
– Ela tá só fingindo, sua boba! – Izabel disse isso e foi dormir.

Pobre Raimundinha, como dormia na mesma cama que Tinoca, só deu “pra radiola” dela. Tinoca despertou, tirou a mortalha e começou uma “ladainha” sem fim. De vez em quando, ela parava de falar e: – Poc! Poc! Poc!  – cascudo na cabeça de Raimundinha, que nada podia fazer, além de pegar cocorote e ouvir sermão no pé do ouvido. 


4 comentários:

  1. Uma crônica do cotidiano itapecuruense. Era bem assim à minha época. Os cocorotes corriam soltos.
    Parabéns ao autor!

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  2. Uma crônica do cotidiano itapecuruense. Era bem assim à minha época. Os cocorotes corriam soltos.
    Parabéns ao autor!

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  3. Obrigado, Benedita. Seus comentários servem de incentivo para meus singelos textos.
    abraços, João Carlos

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  4. Izabel com suas ideias e Raimundinha pagando "o pato"... rsrs

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