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sábado, 20 de fevereiro de 2016

COSME, O ANTI-HERÓI.

Por: Daniel Ribeiro                                                                                                                                   *Conto
- Nascido para os lados do Ceará, - contava vovó Noca.  É isso criançada o que sei da origem do Negro Cosme. Pedro e Bia se entreolharam após a contação da estória que seu Joaquim Caçareiro viu-se aperreado para destrinchar, - mas pensávamos que ele era maranhense, Bia.
Pedro e Bia brincavam na praça do mercado quando encontraram uma pedra antiga com as inicias de Cosme Bento das Chagas, com a data da execução do líder da maior Insurreição de escravos do Brasil-Império. Então, ao deparar-se com aquele legado inestimável, Bia sempre mais esperta que seu amigo, correu em direção à antiga quitanda localizada no prédio do mercado municipal, ali onde meia dúzia de homens de aparência idosa jogavam dominó todas as tardes, e seu proprietário preparava mais uma rede de pesca. Seu Joaquim Caçareiro foi enfático com a menina, todas as pessoas que contavam a história do Negro Cosme, era sempre pela ótica do opressor nunca dos oprimidos que lutaram pela libertação, por isso, - o que vou narrar para vocês contrariam os livros de história.
Um negro forte, alto, robusto e de boa aparência chegou da província do Ceará, subiu o Rio Parnaíba em direção a Comarca de Brejo. A princípio parecia conhecer bem essas brenhas, pelos quais andavam aqueles que sorrateiramente queriam viver longe dos olhares das autoridades. Desde cedo, fora acolhido por seus irmãos, pois, quem fosse preto descendente d’Àfrica fazia parte dessa irmandade natural dos escravos, filhos de escravos, quilombolas filhos do continente mãe de todos os povos. O certo é que logo, consolidou-se como uma espécie de líder quase espiritual de um batalhão de homens que arregimentava, por onde passava com seus ideais de liberdade contagiante, a quem o escutasse.
 Para os braços-de-ferro da província do Maranhão era uma ameaça um Negro ter tamanha audácia de formar um exército contra as forças provincianas.  Os brancos começavam a inquieta-se com as notícias das fazendas rendidas, e os rumores da libertação dos escravos para o lado da Lagoa Amarela, tão logo chegaram aos ouvidos dos barões, que os insurgentes subiam em direção ao Rio Preto na confluência do Munim com o Iguará.
            Alguns o consideravam de uma visão progressista, como pode um homem preto por essas bandas fundar uma escola no tempo em que o Brasil Imperial priorizava o ensino apenas para os aristocratas, contrariando todas as leis gerais no Quilombo Lagoa Amarela, uma escola havia sido levantada no meio do cerrado, longe de tudo, em meio a guerra. A liberdade sonhada por Cosme estava além do viés estabelecido pelo limite do sistema escravocrata, dá o direito aos seus pares de ter acesso à educação era, sobretudo, garantir o livre-arbítrio da alma.
            Cosme, era dotado de uma capacidade que o distinguia dos outros pretos, sabia ler e escrever, assim, foi confirmado nas cartas de liberdade dada a vários escravos na localidade Oiteiro, possuía inclusive um secretário, um português que fora caixeiro lavrava com sua caligrafia os decretos, do Tutor e Imperador da Liberdade como se auto intitulava.  Durante tal período por vezes seu esquadrão que chegara a três mil homens passou a ser confundido com a revolta dos brancos a Balaiada, todavia, as causas eram outras, lutava-se contra o império e contra os escravocratas não havia como unificar uma luta que não primasse pelo alvedrio.
- Vó Noca, citava também, uma tal República dos Negros. - Joaquim Caçareiro.

Sonhada pelo líder da Insurreição, ela não soubera explicar porque sua leitura era pouca. O que sabemos é que essa batalha se estendera pelos municípios de Caxias, Codó e Itapecuru, agora imaginemos que esses municípios eram enormes, tendo em vista, que nos dias atuais foram desmembrados e deram origem a várias outras cidades. O interior da província tinha sido tomado por uma revolta sem precedentes de homens da raça do preto Cosme, líder que dera a própria vida em defesa de seus irmãos cativos, revolucionário para os homens de cor, facínora e bandido para os que escreveram a história defendendo os seus interesses.
Os ventos de liberdade que sopravam do Haiti percorreram a América e inspiraram os negros do Maranhão, se na ex-colônia francesa Toussaint L´Ouverture comandava os negros para maior revolução de escravos do Novo Mundo, na Ribeira do Itapecuru pisara Dom Cosme Bento das Chagas com seu imponente exército de insurgentes, que em sua maioria era composto de  negros forros, escravos e quilombolas; ecoava às margens do Rio Itapecuru o grito de liberdade, tantas vezes, silenciado pelos senhores de escravos que outrora dominavam essas terras, restando o  legado do maior território quilombola do estado do Maranhão.
Os gritos de viva a liberdade, ainda confundem-se com o eco de injustiça que permeia o palco da Insurreição, dada a falta de memória do herói de nossa gente, tantas vezes, executado quando apenas é retratado do ponto de vista do opressor que não enxerga em Cosme o arauto da história do Maranhão e do povo Negro.
Pedro e Bia extasiados com tamanha importância de Dom Cosme, nunca mais deixariam morrer a memória de um herói, esculpido como o bandido, facínora e feiticeiro, o anti-herói seria lembrado como o Imperador da Liberdade. A desconstrução da imagem negativa criada pelos senhores do poder, tinha agora em seus novos seguidores, a missão de levar aos quatros cantos da cidade de Itapecuru e do Maranhão, que este solo foi lavrado com o sangue dos homens e mulheres que deram a vida em nome dos ideais de liberdade, fraternidade e igualdade. 

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