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segunda-feira, 25 de abril de 2016

TÚNEL DO TEMPO


Por Benedito Buzar
 
            No começo de 1950, portanto, há 66 anos, vim de Itapecuru, onde nasci, para São Luís, com a finalidade de dar continuidade aos meus estudos, tendo em vista ser a minha cidade desprovida do então curso secundário.
Internado no Colégio dos Irmãos Maristas, que começava a funcionar na Quinta do Barão, tinha direito de sair às ruas aos domingos. Em outro dia da semana, só em companhia de meus pais ou de alguém por eles autorizado.
            Quando me via livre e fora do internato, aproveitava o restrito tempo disponível para conhecer São Luís, àquela época, ainda acanhada espacialmente, mas fascinante pelos seus sobrados históricos e suas ruas estreitas e sinuosas, que serviam de passarela a quem quisesse nelas andar, a qualquer hora do dia ou da noite, sem sofrer perigos ou ser molestado.
            De tudo que um menino de 12 anos viu na cidade, empolgou-se pelo seu centro urbano, onde três cenários ficaram indelevelmente fixados na sua memória: a Rua Grande, a Praça João Lisboa e a Praia Grande.
Quanto à Rua Grande, a principal e mais movimentada da cidade, também conhecida por Oswaldo Cruz, foi amor à primeira vista. Para quem chegava do interior, nada mais curioso do que as lojas instaladas ao longo de sua extensão, que se iniciava na Praça João Lisboa e terminava ao cruzar com a Rua Cândido Mendes.
            Lojas de um lado e de outro, com modestas vitrines, que despertavam o consumidor para aquisição de produtos nacionais e estrangeiros, estes, em grande quantidade, pois, à época, a industrialização no Brasil ainda era um sonho de verão. Pela minha retina, revejo alguns estabelecimentos comerciais do porte da Rianil, Casa dos Tecidos, A Pernambucana, Sadick Nahuz (tecidos), Casas Garimpo, Ótica Lux, Garantia do Povo, A Diamantina ( joalherias), A Principal, Belém, Chaves( sapatarias), Valentim Maia, Casa Olímpia, Casa Paris, Tabuleiro da Baiana, Casa White ( armarinho, perfumaria, bijuteria), Movelaria das Noivas( móveis), Loja Singer (máquinas de costura), Haroldo Cavalcanti ( concessionária de automóveis importados), Farmácias Garrido e Pedrosa.
            Depois da Rua Grande, deixei-me encantar pela Praça João Lisboa, o mais importante pulso de vida da cidade e por onde transitavam as pessoas de todas as classes sociais e os veículos de transporte urbano e circulavam as notícias e as futricas. A estátua de João Lisboa, pela sua imponência, logo me seduziu pelo fato de ser uma novidade e de não ter intimidade com monumentos daquela envergadura.
Mas a Praça João Lisboa não era apenas isso. Nela e ao redor dela, gravitavam casas comerciais, firmas prestadoras de serviços e escritórios de profissionais liberais das mais diversas categorias.
            Várias farmácias ali se concentravam, destacando-se a Fiquene e a Sanitária, pelo estoque e variedade de produtos farmacêuticos. As livrarias, Moderna, Universal e Colegial, primavam pela qualidade e quantidade de livros de gêneros literários e revistas nacionais e estrangeiras.
            Pontificavam, também, naquele cenário, que servia de moldura à igreja de Nossa Senhora do Carmo, o Moto Bar e o Ferro de Engomar. O primeiro, com uma freqüência diária de numerosas pessoas, atraídas pelos sorvetes de frutas regionais, lanches, pastéis, refrescos, refrigerantes e cervejas. Não esqueço que ali ingeri a primeira coca-cola, cujo sabor não me agradou.  O segundo, o Ferro de Engomar, loja situada em ponto estratégico, notabilizada pela oferta de produtos que nenhuma outra concorrente apresentava ao consumidor. Tinha de tudo e para todos os gostos e necessidades domésticas.
            Ali, também, dezenas de profissionais liberais, especialmente médicos, dentistas e advogados instalavam seus consultórios e escritórios, e por  transitavam os bondes, que ligavam o centro da cidade aos bairros de São Pantaleão, Remédios, Estrada de Ferro, Areal (hoje, Monte Castelo), João Paulo e Anil.
            A tradicional Praia Grande marcou-me profundamente pelo conhecimento de uma parte da cidade, que funcionava como um dos pontos de referência da economia maranhense. Criei certa intimidade com ela pela frequência com que a visitava, não por vontade própria, mas por acompanhar o meu pai, que ali realizava seus negócios, comprando produtos para abastecer a loja da nossa família, em Itapecuru.
            Gostava de acompanhá-lo naquelas incursões à Praia Grande, onde assistia ao espetáculo inusitado de homens que vendiam e compravam mercadorias e se misturavam, num frenético burburinho, aos barqueiros, carroceiros e estivadores.
Naquele espaço movimentado, estavam instaladas as grandes firmas atacadistas do Maranhão: Lima Faria, Moreira Sobrinho, Cunha Santos, Talib Naufel, Lages e Companhia, Chames Aboud, Salim Duailibe, Bento Mendes e outras. As que chamavam mais a minha atenção, tinham na frente de seus estabelecimentos um letreiro com este anúncio: “Vendem-se estivas e miudezas”.


Um comentário:

  1. Um ótimo texto. Em 1960 ainda encontrei muitas destes estabelecimentos. Eu era fascinada pela Casa Paris com seus produtos de Beleza. A Real Joias, a Casa das Rendas, a Singer, as Casas Pernambucanas, a Mercearia Lusitana e outras. Durante quase um ano, em 1961, assistia a missa na Igreja do Carmo, às seis horas da manhã, antes do comércio abrir. Depois ia para a Casa Xavier, aonde eu trabalhava. Algumas vezes, após o trabalho, às dezessete horas, ficava com as colegas, no pátio da igreja, acompanhando o movimento na Praça João Lisboa, aguardando a hora de ir para o Colégio São Luís. As aulas começavam às dezenove horas. Saudosos tempos da juventude!

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