Pages

terça-feira, 3 de maio de 2016

O Cisne do Itapecuru..


Por: Josemar Lima                                                                                        série crônicas – ano III/nº 29/2016

Fui a busca de um itapecuruense que foi fundador e o primeiro presidente do Banco do Brasil e encontrei muito mais do que procurava. Trata-se de JOÃO DUARTE LISBOA SERRA, nascido em Itapecuru Mirim, em 31 de maio de 1818. Teve como genitores Francisco João Serra e Leonor Duarte Serra, uma das famílias ricas residentes na então recém-criada Vila do Itapecuru-mirim e citado no livro “O Dia a Dia da História do Itapecuru Mirim” de autoria do jornalista conterrâneo Benedito Bogéa Buzar.

Antes de chegar à presidência do Banco do Brasil esse jovem itapecuruense teve uma trajetória de vida marcante, passando pela Universidade de Coimbra, bacharelando-se em matemática, ciências naturais e filosofia; foi deputado pelo Maranhão na Assembleia Nacional, passou pelo governo da Bahia, foi conselheiro do império e conselheiro da Fazenda Nacional.

Fez seus estudos primários em São Luís, capital do estado do Maranhão. Muito aplaudido pela sua brilhante inteligência, doce caráter e ótimo procedimento, segue para Portugal em 1834, com apenas dezesseis anos, e na Universidade de Coimbra cultivou a poesia com ardor e, pelas suas primeiras e felizes composições publicadas na Revista Acadêmica da Universidade de Coimbra, em 1839, prenunciava-se um poeta de alto merecimento e grande futuro, como observa o escritor Joaquim Manoel de Macedo em seus comentários sobre a vida acadêmica de Lisboa Serra, como era conhecido pela crônica literária de Coimbra.

O seu primeiro e belo canto denomina-se “Subindo pelo Vouga”, ambientado na paisagem portuguesa, muito elogiado pela crítica literária lusitana e que vem reproduzido no Phanteon Maranhense, tomo 2º, pp. 177/179, de autoria do jornalista, escritor e pesquisador, também itapecuruense, Antônio Henriques Leal.

Subindo o Vouga, publicado em 1839, igualada em beleza ao romantismo da canção “O Pastor do Rochedo”, de Schubert, abre em grande estilo a obra do jovem poeta itapecuruense. Seus primeiros versos seguem rumo à paisagem da natureza, musa que lhe inspira doce enlevo:
“Sumiu-se o Sol! É quase amortecida
 A muda desmaiada natureza!
E em dormente langor, em paz serena
Parece molemente reclinar-se
Nos torvos braços da calada noite,
Que de Sombras em leito majestoso
Aa vai acalentando”
...
Conclui seus estudos em Coimbra em 1841 e escreve “Um Adeus aos Meus Amigos”, poesia de sua partida da Universidade de Coimbra.

De volta ao seu Maranhão, visita a sepultura de sua queridíssima irmã, Leonor Francisca Lisboa Serra, não se sabe ao certo se em São Luís ou Itapecuru Mirim, e derrama de sua alma mais um emocionante poema “No Cemitério dos Cristãos”, uma canção com melodia melancólica, profunda, longo gemido cheio do mais terno sentimento, publicado nos jornais e revistas de São Luís em 1842 e, também, reproduzido no já referido Phanteon Maranhense, tomo 2º, pp. 180/186.

 Antes, anotou palavras que   inspiram uma prece sentida:

“Em qualquer recanto do Globo em que me asile, no labiríntico tumultuar das cortes, ou no plácido remanso da natureza, no centro da risonha prosperidade, ou a braços com a feia adversidade, oh!  Nunca este dia deixará de ser por mim consagrado à mais viva, à mais pungente saudade, nem os meus suspiros, convertidos em ardentes preces, deixarão de subir ao trono do Senhor”. 

 O tema central da elegia “No Cemitério dos Cristãos”, de Lisboa Serra, é a saudade e as meditações acerca da vida em outra dimensão maior.  Assim é o início do canto elegíaco:
“Asilo da solidão!... Morada escusa dos mortos!
Quão sublime falas ao coração do Vate,
Que te busca de saudosas memórias repassando
(Oh! Quão saudosas!)
E no pó das campas vem meditar saudades
Que revela silêncio dos túmulos!
...
Em Coimbra, conheceu e foi colega de turma de Gonçalves Dias. Tornaram-se amigos fiéis e, quando da morte de sua irmã, em 1841, o futuro autor de “Canção do Exílio” escreveu e dedicou ao amigo o primeiro canto de um de seus poemas.

Tudo indicava que o “Cisne do Itapecuru”, antonomásia possivelmente criada pelo estimado amigo, seguiria o culto às musas, também poeta inspirado que já provara ser.  Mas não foi assim: Por quê? Sua prodigiosa inteligência, mesmo com tenra idade, apenas vinte e quatro anos, o direcionou para novos desafios.

Ainda em 1842, Lisboa Serra deixa o Maranhão e vai para o Rio de Janeiro, capital do império, onde casa-se com uma jovem fluminense que conhecera ainda em Coimbra.

O casamento, o contato diário com o mundo econômico e financeiro, pois agora já desempenhava com louvor a função de Inspetor da Tesouraria da Província do Rio de Janeiro, parecem ter apagado no promissor poeta a flama da poesia?

Creio, leitores, que foi exatamente isso! Eu, quando estudante em Itapecuru Mirim, aventurei-me até a escrever sonetos decassílabos e venci festivais de poesia, mas quando vim para São Luís e, no INCRA, debrucei-me sobre uma máquina de calcular impostos de terras, e eram mil e oitocentas operações feitas para a geração de cada guia do Imposto Territorial Rural, também fui progressivamente perdendo o veio das belas palavras. Só redigia telex? É a vida!

Voltemos a Lisboa Serra!

“Domine Exaudi Orationem Meam”, título em latim que em tradução livre significa (Ó Deus, Ouve a Minha Oração) foi literalmente o seu último canto. É uma enternecida prece, partida de um coração de pai estremecido à lembrança cruel de deixar seus filhos órfãos, escrita pouco antes de morrer, publicada no jornal “Correio Mercantil” e depois na Selecta Brasiliense. Também é registrada no Phanteon Maranhense. Lisboa Serra desceu à sepultura em 16 de abril de 1855, aos 37 anos de idade, vitimado por uma nefrite albuminosa, uma grave doença renal; legando à pátria a memória de um homem honrado, de esclarecida inteligência e do mais generoso coração.

A respeito da vida acadêmica de Lisboa Serra, o dicionarista e bibliográfico Sacramento Blake registra as seguintes informações: “Foi um dos fundadores da Sociedade Estatística, sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e cultor fervoroso das letras, principalmente da poesia, desde os tempos acadêmicos, época em que foi colaborador da Crônica Literária de Coimbra”. É patrono da Cadeira 26 da Academia de Letras do Banco do Brasil.

Como quer que fosse o jovem e promissor poeta sufocou em sua alma as inspirações de seu gênio, e tudo se voltou para o positivismo da administração e para as aspirações políticas. Nessas também mostrou toda a sua precoce genialidade!

Na função Inspetor da Tesouraria da Província do Rio de Janeiro o jovem itapecuruense destacou-se pela honradez e irresistível predomínio de uma inteligência brilhante. O governo foi então atribuindo-lhe funções mais importantes e em todas desempenhou-as sobejamente, superando todas as expectativas nele depositadas. O governo o chamou para exercer a função de Tesoureiro da Fazenda Nacional. Exerceu por um curto espaço de tempo a Presidência da Bahia quando foi convocado para coordenar a criação do Banco Nacional.

Foi nomeado o primeiro Presidente do Banco do Brasil, conforme ato datado de 05 de setembro de 1853, permanecendo até 1855, quando teve que se licenciar para tratamento de saúde. Entre 1847 e 1853 foi deputado pelo Maranhão na Assembleia Nacional, com destacada atuação, principalmente da defesa intransigente dos segmentos mais fragilizados da sociedade.

Mesmo originário de uma família que integrava a elite maranhense, defendeu na Assembleia Nacional em celebres discursos a liberdade dos negros, e exigia: “que o governo manifestasse uma vontade firme e enérgica no emprego das medidas necessárias para lançar longe de nós essa nuvem negra e medonha que nos vem das terras africanas. Ela encerra uma questão de vida ou morte para o futuro do império”.

Estranho à sórdida e mentida política de personalidades – apanágio da mediocridade – ele bebia os princípios desta ciência na filosofia e no evangelho: para ele o fim da política era o bem-estar moral e material da sociedade por meio da ordem, da liberdade e da igualdade. Detestava essa liberdade frenética e delirante que substitui o governo pela anarquia, a moralidade pela depravação, a religião pela impiedade, a virtude pelo crime.

Esta era a sua convicção política, íntima, profunda, convicção que ressalta em todos os seus escritos, em todos os seus discursos; era o escopo, a que sempre se dirigiu firme e resoluto, sem embargo de ver a seu lado estes ou aqueles homens, porque ele reconhecia que em política “as ideias são tudo, e os homens pouco”.

Estes dois últimos parágrafos foram extraídos da Crônica Biográfica, intitulada “Uma Lágrima à Memória do Conselheiro João Duarte Lisboa Serra, escrita por R.A. Valle de Carvalho, publicada originalmente pelo Jornal Observador de Lisboa, nº 42, de 14 de maio de 1855.

É mais um itapecuruense que integra essa geração de ouro, atualmente compondo a nossa imortal “Legião do Além” que, graças a Deus, continua a amar essa terra e a nos enriquecer com seus ensinamentos e exemplos de vida. Que esses exemplos se estendam sobre a nossa velha e amada Itapecuru Mirim!

Procurava, no início, talvez um carrancudo financista que chegou à condição de primeiro presidente do Banco do Brasil, mas encontrei um afável jovem, uma inteligência privilegiada, um poeta talentoso, um parlamentar brilhante e um administrador com capacidades múltiplas. Procurava uma águia e encontrei a beleza e leveza de um cisne – O Cisne do Itapecuru!

     JOSEMAR SOUSA LIMA é economista, com especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da Academia        Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA.


Nenhum comentário:

Postar um comentário