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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A SAGA DOS JESUÍTAS NAS RIBEIRAS DO RIO ITAPECURU


            
                                                                                     SÉRIE CRÔNICAS – ANO III /nº 32/2016
Por: Josemar Lima

A ocupação das terras do Maranhão pelos colonizadores deu-se a partir do litoral e seguiu-se pelo Rio Itapecuru até a sua nascente. Com ela surgiram os pequenos aglomerados, nos quais nativos e exploradores passaram a ter uma convivência muitas vezes perigosa.
Há registros da presença de padres jesuítas da Companhia de Jesus na região do município de Itapecuru Mirim desde 1615, três anos após a fundação de São Luís.
O objetivo inicial dos jesuítas ia muito além da catequese e avançava para a organização de povoamentos, implantação das chamadas missões, organização administrativa vinculada diretamente à Igreja, precursora das vilas, após a intervenção pombalina, e até a exploração econômica das terras com atividades de agricultura e pecuária. Mais tarde, dedicaram-se às atividades educacionais, principalmente nos seminários implantados na região.
Os primeiros missionários a subirem o Rio Itapecuru foram os padres Manoel Gomes e Diogo Nunes. Eles participaram das chamadas missões volantes, continuadas pelo padre Luiz Figueiras e Lopo de Couto, todos portugueses, conforme registros constantes no livro “Rio Itapecuru – Águas Que Correm Entre Pedras” de autoria do Engenheiro Civil e Pesquisador Raimundo Medeiros.
Os jesuítas traziam com eles um imenso estoque de conhecimentos na área da ciência, das letras e das artes e uma cultura forjada muito longe da terra brasilis. Encontraram também aqui nos velhos caciques muitos saberes acumulados ao longo de milhares de anos de convivência com a terra, com as águas, com as florestas e com os animais da região. Traziam uma identidade própria de sua cultura e aqui se defrontavam com uma outra identidade que se nutria na cultura indígena.
Um dos primeiros e inevitáveis choques culturais entre os jesuítas e os índios, com desfecho catastrófico, deu-se aqui em Itapecuru Mirim, em um Engenho de Açúcar localizado às margens do rio, provavelmente ali na região do povoado Kelru. Esse engenho, denominado “Engenho do Itapecuru”, pertencia a Antônio Muniz Barreiros, primo de Antônio Muniz Barreiro Filho, governador do Maranhão no período de 1622 a 1626, um dos mais aguerridos combatentes na expulsão dos holandeses que, ainda em vida doou o engenho à Companhia de Jesus, com a obrigação de que essa assumisse a tutela e educação de seu filho Ambrósio Muniz Barreiros.
O massacre ao Engenho do Itapecuru deu-se após o açoite pelos jesuítas de uma escrava índia, punida por dar-se a qualquer um, como a personagem “Geni”, da canção de Chico Buarque. Sentida, a escrava fugiu para o convívio de seus parentes, os índios Tapuyas Uritis, onde queixou-se do castigo que havia sido imposto por uma conduta que na cultura indígena era normal, a prática natural do sexo. Na cultura dos missionários, não era; era sim, pecado mortal a prática do sexo antes do casamento.
O frei João Felippe Betendof, da Companhia de Jesus, assim descreveu o ataque dos índios ao Engenho do Itapecuru, onde os padres jesuítas Francisco Pires, Manoel Muniz e Gaspar Fernandes Foram trucidados impiedosamente:
“Os Tapuyas chegaram armados ao acampamento onde estavam quatorze homens brancos e alguns indígenas neófitos (batizados). Os padres acostumados a estas ações, não fizeram caso, parecendo-lhes que um tiro de espingarda os afugentaria. Os tapuyas foram se dispondo pelo terreno em volta das habitações, em preparo para o ataque. Os portugueses então disparam uma arma de fogo sem bala, com a intenção de afugentá-los.
Com o tiro, a casa coberta de palha pegou fogo e os portugueses fugiram para o mato, ficando apenas os três padres ajoelhados e de mãos postas frente aos seus agressores, que comandados pelo cacique Butiron, quebraram-lhes as cabeças, matando-os”.
O lamentável episódio da morte dos jesuítas no Engenho do Itapecuru fez com que a Companhia de Jesus interrompesse as atividades dos missionários em toda a Província.
As atividades dos jesuítas só foram retomadas em 1653, com a chegada ao Maranhão do padre Antônio Viera. O jesuíta, com visão mais humanizada em relação aos índios, preparou uma missão e mandou reatar as relações com os índios e catequizar outras aldeias. Logo a Companhia de Jesus enfrentou problemas políticos com o governo do Maranhão, defensor dos interesses dos colonos na captura de indígenas para trabalharem com escravos nas fazendas, enquanto os padres tentavam o aldeamento dos índios e criação das chamadas “Aldeias de Paz”.
O jesuíta tentou, por sua vez, explorar mais profundamente o Rio Itapecuru para descobrimento e catequese dos índios Ubyrajaras, conhecidos também por “Barbados”. Mas, apesar de ter planejado todos os detalhes, a missão acabou sendo frustrada.
Teria sido a primeira estada do Padre Viera ao Itapecuru para constituir as “Aldeias de Paz. Somente anos depois da primeira tentativa frustrada de Vieira, os jesuítas conseguiram realizar a jornada. Foram implantadas as aldeias de paz de São Gonçalo e São Miguel. O padre João Vilar conseguiu a proeza de colocar os índios “Barbados” e “Guanarés” na Aldeia de Paz São Miguel, localizada nas proximidades da atual cidade de Rosário/Ma, mas as relações continuavam tensas e os índios se negavam a receber a catequese e algumas jornadas estabelecidas pelos missionários. Terminaram fugindo do aldeamento. Era o prenúncio de uma nova catástrofe...
E ela veio em meados de 1719! O chefe dos “Guanarés” mandou a São Luís um grupo composto por oito índios pedir missionários para trabalhos de catequese na aldeia e até ofereceram segurança contra os índios “Barbados” que infestavam toda a região e ameaçavam os jesuítas. Os “Guanarés” expressaram preferência pelo padre João de Vilar como missionário principal, alegando confiança no religioso que os havia aldeado na Aldeia de Paz São Miguel.   
Apesar de saber do perigo e na esperança de seduzir a fé dos nativos desertores, o padre João de Vilar aceitou o convite.
Os missionários foram recebidos com festas e demonstrações de alegria. Terminadas as festividades os índios retiraram-se para a floresta deixando os padres a vontade na aldeia, pois já era noite.
Quando todos já dormiam, ouviram-se gritos que vinham da floresta e, surpresos, viram surgir uma multidão de índios armados de arco e flechas, para um ataque que tinham cuidadosamente preparado juntamente como os índios “Barbados” contra o padre que os aprisionaram na Aldeia de Paz São Miguel.

Foi o segundo grande massacre de missionários jesuítas da Companhia de Jesus que se consumou em território itapecuruense, sendo o padre João de Vilar o primeiro a sucumbir. Seu corpo foi encontrado três dias após o morticínio e sepultado na igreja de da Missão de Paz São Miguel, que pelo mesmo houvera sido construída. No relato do massacre feito pelo padre Serafim Leite, constante no livro “Companhia de Jesus no Brasil”, há uma referência de que os “Guanarés” aprisionaram alguns neófitos (índios batizados) na Aldeia de Itapecuru, cujos destinos jamais se soube. Esse relato sugere que Itapecuru foi também um aldeamento tipo missão implantado pelos jesuítas, já em 1719, muito antes de tornar-se povoação, freguesia ou vila. É um fato histórico!
Eram os “Guanarés” e, principalmente os “Barbados” temidos pela crueldade e inquietação para dar cabo aos missionários. Essa sanha possivelmente originou-se das relações belicosas dos primeiros contatos e tentativas de aldeamento em missões, como também uma resposta aos constantes ataques dos portugueses para aprisioná-los e escravizá-los em trabalhos na agricultura e pecuária.
Ainda houve um terceiro massacre executado pelos “Barbados” a uma comitiva do missionário jesuíta padre Gabriel Malagrida, nascido na Itália em 1689, chegando a São Luís em 1721. Era um padre de muita coragem e se aventurava na missão evangelizadora nas tribos ribeirinhas mais temidas, inclusive junto aos “Barbados”.
A emboscada ao padre Gabriel Malagrida sugere um verdadeiro roteiro de um filme épico. Vou tentar resumir: Para a ação evangelizadora que iria fazer junto aos “Barbados” tratou de selecionar e levar consigo vinte catecúmenos (índios prontos para o batismo) da tribo dos “Caicazes” e ai foi o seu maior erro.
Os índios receberam a delegação com a maior alegria, levaram-no carregado até a palhoça preparada para seu descanso e imediatamente saíram para uma reunião do conselho onde o mais velho deles relatou-lhes as injustiças e injurias que tinhas sofridos dos índios Caicazes, seus inimigos figadais e decidiram vingar-se.
À noite, quando todos os ajudantes do padre já descansavam, os “Barbados” armados de flechas e clavas, aos gritos, invadem a cabana e matam todos os vinte índios “Caicazes”. O padre Malagrida, aterrorizado, sai em busca de água, inclina-se sobre cada um deles e batiza-os. O padre Serafim Leite, já citado, faz um longo de aterrorizante relato sobre o que aconteceu em seguida.

O padre foi amarrado a uma árvore e todos os seus paramentos arrancados do corpo e distribuídos entre os silvícolas que dançavam em sua volta.
Quando o índio encarregado da execução ia deferir o golpe fatal uma velha índia da tribo mandou parar aos berros dizendo que o executor dos primeiros jesuítas tinha sido amaldiçoado e morrido de uma morte horrível e que a desgraça cairia sobre a tribo de o padre fosse por eles assassinado. O cacique a ouviu e mandou colocar o padre gravemente ferido em uma canoa e soltá-la no Rio Itapecuru, à deriva.
A canoa desceu vagarosamente levada pela correnteza e, mais abaixo, foi vista por um índio Caicaiz que milagrosamente acordara após um longo desmaio e refugiou-se nas matas próximas ao rio.
O padre sobreviveu mais o índio que o salvou não teve a mesma sorte. O padre Malagrida retornou a São Luís em 1725 e, com catequese e uso de armas, conseguiu a fixação dos índios em Aldeias de Paz. Em São Luís mandou construir um grande edifício para as missões religiosas, onde atualmente está instalado o Hospital Geral e, em 1742, na povoação onde seria a cidade de Caxias/Ma, fundou as primeiras escolas. Uma dessas escolas possivelmente foi instalada na povoação de Itapecuru Mirim, no local conhecido como Quinta Velha, onde hoje se encontra edificado o prédio da Associação do Banco do Brasil.
Os trabalhos missionários da Companhia de Jesus sofreram interrupção brusca no Maranhão no ano de 1760, quando o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas do estado do Maranhão e Grão-Pará.
O padre Malagrida salvou-se aqui, mas foi alcançado pela Santa Inquisição, condenado sob a acusação de visionário relapso, herege e imoral, num processo tumultuado e sem defesa, comandado pelo Marquês de Pombal. Amargou anos de calabouço, veio a ser executado em Portugal, na madrugada de 21 de setembro de 1761. Foi enforcado e seu cadáver reduzido a cinzas.
Fica uma pergunta: Teriam os índios “Barbados” e “Guanarés” motivos outros para rebelarem-se da única forma que sabiam dos padres jesuítas? Afinal de contas todos os relatos constantes aqui são da lavra de missionários, sem direito ao contraditório e à ampla defesa. 




Um comentário:

  1. Um significativo relato da nossa História Colonial. Parabéns ao confrade Josemar Sousa Lima !

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