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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A CRÔNICA TRINTA E SEIS



      Josemar Lima                                       Série de Crônicas – Ano III/nº 36/2016 

Nós, os nascidos ali pela metade do século XX, que vivemos nossas infâncias ainda na era dos tamancos, bola de meia, carrinho de lata de sardinha, baladeiras, alçapões para capturar pássaros bons de bico; que bebíamos água de pote e nos curávamos das doenças com remédios caseiros, tipo chás, purgantes, emplastros e as rezas das benzedeiras; que tomávamos remédios de farmácia em casos especiais - panvermina e tiro seguro, para vermes; emulsão de scott e Biotônico Fontoura, para fraqueza; Anaseptil, para perebas; Aralen e quinino, para sezão ou malária; e pílulas de vida do doutor Ross, para todas as outras doenças imagináveis.

Nós, os sobreviventes, chegamos ao curso ginasial juntamente com a Revolução de 1964 e com ela tivemos que conviver até chegar à universidade. Nós tínhamos muitas esperanças de que com a chegada do século XXI surgisse a luz. Luz essa que tirariam das sombras novos caminhos para a política, para a economia, para os avanços sociais, para o respeito ao meio ambiente, para o reconhecimento e respeito à cultura e para os avanços tecnológicos. 

Essas mensagens estavam nas músicas, nos filmes nas peças teatrais, dos jornais da contracultura e em todos os meios de comunicação de vanguarda que conseguiam driblar a implacável censura. 

As propagandas governamentais, entretanto, ecoavam mensagens de que vivíamos o melhor dos mundos e que devíamos amar o país ou deixá-lo para sempre. 

A minha geração, que em 1964 ainda não tinha chegado aos quinze anos, acompanhava o “Fogo Simbólico da Pátria”, que passou aí por Itapecuru Mirim nos anos 70, e também cantava ”Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” de autoria do compositor Geraldo Vandré. Nós, como cego em tiroteio, não tínhamos maturidade para entender e nem espaço para discutir nas escolas ou protestar nas ruas. 

Vemos, agora, que as feridas naquele tempo ainda sangram e que os curativos colocados pela lei da anistia não foram suficientes para estacar o sangue que delas continua a brotar. Por trás das ideologias havia uma guerra surda e fraticida que plantou sementes de ódio e intolerância que agora brotam por todo o país. 

Saímos da ditadura pela porta de emergência e caímos numa democracia de elites, onde a classe política dominante era a mesma, devidamente aparelhada para cortar as cabeças de quaisquer lideranças que viesse ameaçar o seu status quo. 

O certo, meus amigos e amigas, é que a tão esperada luz salvadora ainda não chegou e até os raios de esperança que surgiram nesses dezesseis anos do século XXI terminaram encobertos por uma nuvem de tremenda frustração. 

Vivemos novamente tempos bicudos e a nossa única esperança repousa sobre os meninos e as meninas que nasceram depois do ano 2000 ou um pouquinho antes. Uma geração que não canta “Vandré” mas que tem o mundo nas palmas das mãos. Que essa geração, diferente da nossa, aproveite o direito de votar que conquistamos, para renovar a política e os políticos e que lutem por uma educação de qualidade para as novas gerações. Nós conquistamos o direito de votar, mas continuamos a eleger membros da galera do mal, até quando pensávamos estar votando em super-heróis. 

Hoje, se acontecesse um milagre, e mudássemos todos os parlamentares do congresso o que aconteceria? Quase nada! Há uma cultura política de que o acesso a um cargo público implica, necessariamente, no enriquecimento de seu titular senão ele será tachado de bobo da corte ou idiota. 

Uma educação formativa, que estimule um mergulho crítico na realidade, como pregava Paulo Freire em sua “Pedagogia dos Oprimidos” é com certeza o único caminho para uma faxina ética no país. E parece que eles, a geração selfie, já começou a fazer! É só seguir o discurso de Ana Júlia Pires Ribeiro, uma estudante paranaense de dezesseis aninhos, que deixou enfurecidos mais de quarenta deputados da assembleia paranaense. O discurso de Ana Júlia, a Constituição da Esperança, toca no âmago de todos os nossos males e aponta os caminhos para superá-los democraticamente. 

Mas o nosso assunto é outro – A Crônica Trinta e Seis! 

Em 2008 escrevi dois artigos que versavam sobre assuntos vinculados a Itapecuru Mirim – “O Começo de Tudo”, onde tratava sobre a descoberta de fósseis do “Candidodon Itapecuruensis”; e “O Fim de Um Ciclo”, no qual abordava a crise da agricultura familiar e a falta de alternativas tecnológicas sustentáveis para a produção de culturas alimentares pelos agricultores da roça no toco. Falei sobre esses artigos com o jornalista Gonçalo Amador Nonato, em um de nossos primeiros encontros, se me lembro bem na sede do Núcleo de Projetos Especiais – NEPE, aqui em São Luís, onde eu iniciava minhas atividades como Consultor Nacional do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura IICA. 

Ele, sempre muito solícito, pediu que eu encaminhasse o material para publicação no Jornal de Itapecuru. E assim começou essa minha relação com o referido periódico. Sempre que o encontrava por aqui ou por lá ele me cobrava um texto para publicação que eu sempre ia adiando.
Com a criação da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA, onde passei a ser membro fundador, ocupando a Cadeira 29, patroneada pelo ilustre conterrâneo Salomão Fiquene, nossos encontros tornaram-se mais frequentes e as cobranças do amigo e confrade também. Gonçalo Amador Nonato é também membro da AICLA e o Jornal de Itapecuru, um parceiro estratégico. 

Não resisti à tentação! Em janeiro de 2014 iniciei a publicação mensal da Série Crônicas, tendo como objetivo abordar temas e eventos vinculados aos vastos e ricos Patrimônio Humano, Patrimônio Histórico, Patrimônio Cultural e Patrimônio Ambiental do nosso município. Nunca pensei encontrar tanta riqueza nessa mina quase inexplorada. Usei muitos mapas indicativos, entre eles os livros de autoria do jornalista, escritor e pesquisador Benedito Bogea Buzar. 

Quantas histórias e personagens que me eram completamente desconhecidos se apresentaram nessa trajetória de quase quatrocentos anos: os índios (escravizados, massacrados, que também devam o troco, mas não resistiram); os europeus (colonizadores e invasores); os negros (escravizados, torturados, mas sempre lutando pela liberdade); os povos do mundo árabe (principalmente sírios e libaneses, exímios empreendedores mercantis); os ciganos (marcados pela sua cultura nômade); os representantes da elite e os das camadas mais simples da população; os itapecuruenses (ricos e pobres que conseguiram mostrar toda a sua inteligência e capacidade para o mundo, para o Brasil e para o Maranhão). 

Foram tantas as emoções verdadeiras nesses encontros improváveis! Garanto que passei a amar muito mais minha cidade e esse município tão importante para a história maranhense! Só se ama o que se conhece, dizia o filósofo! 

Chego hoje a trinta e seis crônicas, ainda muito longe do conterrâneo jornalista Zuzu Coelho Nahuz, nosso cronista maior que, nos diversos jornais onde foi redator, sempre encontrava um cantinho para escrever suas crônicas sobre personagens, eventos e fatos acontecidos em nossa cidade. Foram mais de oitenta crônicas produzidas e que brevemente serão publicadas num esforço conjunto da AICLA e da Academia Maranhense de Letras -AML. 

Animado pela repercussão e respostas que tenho obtido das postagens no Facebook, pelas manifestações dos leitores do Jornal de Itapecuru, transmitidas a mim pelo amigo Gonçalo Amador Nonato e, ainda, pelo incentivo dos confrades da AICLA, mesmo com a dificuldade de não viver o cotidiano da cidade e poder explorá-lo nas crônicas, vou continuar e, quem sabe, chegar mais perto da proeza de Zuzu Hahuz. 



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