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terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O CRIME DA BARONESA NA VERSÃO DE JOSUÉ MONTELLO

  

Benedito Buzar

Neste ano, em que a Academia Maranhense de Letras comemora de modo ressoante o centenário de nascimento do escritor Josué Montello (21 de agosto de 1917), nada mais significativo do que lembrá-lo, trazendo a lume passagens de sua vida, registradas em seus livros de memória, cuja leitura enternece pela leveza da escrita, tornadas públicas em seus Diários da Manhã, da Tarde, do Entardecer e da Noite Iluminada.

Como li todos os Diários de Josué, recentemente lancei mão do Diário do Entardecer para deleitar-me e ajuizar-me de como ele, na condição de romancista e memoralista, via e sentia as coisas de seu tempo, que giravam em seu redor, especialmente com respeito ao Maranhão, abordados e descritos com extrema lucidez e riqueza de detalhes.

Nas páginas 480 e 483, por exemplo, dou de cara com um episódio, ocorrido em São Luis, tendo como protagonista principal uma mulher da alta sociedade maranhense e casada com um homem que exercia grande influência política, até porque como vice-governador da Província, encontrava-se no exercício do poder.

O referido episódio, pela repercussão na sociedade, mereceu do romancista maranhense uma narrativa toda especial, a ponto de ser incluída no antológico livro “Os tambores de São Luis”, no qual a saga da escravidão no Maranhão é mostrada em toda magnitude.

A obra de Montello traz informações sobre o crime praticado pela Baronesa de Grajaú, Ana Rosa Viana Ribeiro, mulher de índole perversa, que tratava seus escravos com extrema desumanidade e que matou dois escravos adolescentes, no seu sobrado da Rua de São João.

O ato criminoso levou o jovem advogado Celso Magalhães, de 26 anos, recém-chegado de Recife, onde se formara, e nomeado promotor em São Luis, a processar a Baronesa, a despeito de sua posição social e política. Mais ainda: “prendeu-a no quarto da guarnição local, e a levou a júri”.

Por causa dessa atuação desassombrada e do estrito cumprimento do dever, o jovem promotor pagou um preço alto: após o julgamento, com a absolvição da Baronesa, dado à influência política do marido, Celso Magalhães foi exonerado do cargo que ocupava pelo Barão de Grajaú, Carlos Fernandes Ribeiro, ato que obrigou o advogado a mudar-se para o Rio de Janeiro, onde faleceu pouco depois.

Quem ajudou Josué Montello a se inteirar desse crime hediondo, que abalou o Império, foi o conterrâneo José Sarney, que tomando conhecimento do interesse do romancista pelo caso da Baronesa de Grajaú, teve com ele uma oportuna conversa: “Você está interessado neste processo? E é para o romance dos negros no Maranhão? Então, espere um momento”, disse Sarney, que, com uma volumosa papelada em mãos, adiantou: “Sabe o que é isto? É o processo da Baronesa. Um dia, ao entrar no Tribunal de Justiça, vi uma fogueira no pátio. Estavam queimando processos antigos que atravancavam as prateleiras do arquivo. Curioso, segurei este. Vi logo do que se tratava e o trouxe comigo”.  E arrematou: “Agora, sei que estão em boas mãos”


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