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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

SÃO RAIMUNDO DOS MULUNDUS


                                  

    

Por: Jucey Santana

Confesso que sempre me impressiono com tanta devoção a São Raimundo dos Mulundus e ouso mesmo a afirmar, que não perde em nada para o outro santo milagroso, São José de Ribamar. Conversei com vários romeiros que testemunharam as muitas graças alcançadas por intercessão do Santo Vaqueiro.   Um exemplo é de Irismar de Jesus Lima Pereira a organizadora da romaria. Segundo ela ao três anos foi acometida de um eczema crônico nas pernas (dermatite), e sua mãe, dona Maria das Dores (Quita), usou todos os recursos disponíveis para o tratamento como, remédios de farmácia, unguentos, remédios caseiros recorreu até a benzedores,  sem êxito. Então resolveu apelar à São Raimundo, prometendo que se ficasse boa a jovem iria a pé até o  Santuário em Vargem Grande. Depois de curada – pelo santo – e a promessa paga,  Irismar organizou a Romaria que este ano completou 30 anos, com mais de 1500 associados e outros tantos simpatizantes. Os devotos saem dia 29 de agosto, vencem os 59 quilômetros com uma pausa para descanso em Cigana outra no povoado Leite e depois de passar a noite andando chegam ao amanhecer em Paulica quando recuperam as forças para a chegada às 7 horas do dia 31, onde são recepcionados com  a tradicional missa dos Romeiros, as sete horas da manhã.

UM POUCO DA HISTÓRIA

            A  história inicia-se ainda no Século XVIII. Por volta de 1700 nascia na fazenda Primavera (antiga Nova Olinda), Raimundo Nonato Soares Ganguçu. Ele foi criado como afilhado “liberto” da abastada portuguesa proprietária da fazenda e desfrutando de certas regalias se tornou muito querido, respeitado entre os vaqueiros e moradores da vizinhança. Homem  de muita fé e cumpridor dos suas obrigações,  era devoto do Santo do seu nome. Das muitas histórias que ouvi transcrevo o depoimento do pesquisador  José Mercedes Braga   de 98 anos (28.4.1919),  natural de Nina Rodrigues: “desde criança que ouvia histórias dos velhos vaqueiros do meu avô, que diziam ter escutado dos mais antigos. Segundo eles, a madrinha de Raimundo, autorizou que este,  pegasse uma rês para comemorar o seu aniversário  com os amigos vaqueiros. Ele foi campear com um cavalo e um cachorro e passou três dias desaparecido. Quando o encontraram estava morto ao lado do cão e do cavalo, petrificados, pareciam vivos. Alguns achavam que havia sido de raio, muito comum na região”. Houve uma comoção geral  daquela gente simples e  piedosa do interior,  que sofria pelo vaqueiro amigo que perdeu a vida no cumprimento do seu dever. Os anos se passaram e o povo não o esqueceu.  Nasceu uma carnaubeira no local onde ele foi encontrado. Com o passar do tempo passaram a rezar pela sua alma, muito comum na época,  e pedir graças e a noticia começou a se espalhar que o vaqueiro se tornara milagreiro e que em sonho indicava a carnaubeira como fonte dos milagres. De acordo com a crendice popular, a carnaubeira passou a ser usada como tratamento, para  todos os males incuráveis:  sua cascas, palhas e até as raízes serviam para os chás milagrosos.

            No início do século XIX, foi construída no local da morte do vaqueiro, em Mulundus, uma pequena ermida de palha,  para realizações de novenário no  aniversario da morte do vaqueiro Raimundo, 31 de agosto, e a devoção se espalhou se transformando em centro de peregrinação. 

            Vale registrar  que toda a região era muito propícia a criação de gado que eram  comercializados no Arraial da Feira atual Itapecuru Mirim ou transportada para São Luis via rio Munim.

            As crianças desde muito cedo começavam a aprender o mister de vaqueiro, que era a função de maior status entre os escravos. A profissão de vaqueiro passava dos  pais para  os filhos.

 A região que compreendia Itapecuru Mirim, Vargem Grande, Chapadinha, Brejo, Anajatuba, Manga do Iguará (Nina Rodrigues), Araioses, Cantanhede e outras  existia grandes fazendas de gados o que justifica as   centenas de vaqueiros  devotos do Santo espanhol,  que segundo a lenda, enquanto fazia suas orações a Virgem Maria esta enviava um anjo para guardar os rebanhos sob os seus cuidados, daí a ter um “representante” conterrâneo melhor ainda.
           
A PROMESSA

            Por volta dos anos 30  do século XIX, o tenente-coronel Antonio Bernardino Ferreira Coelho  adquiriu o Engenho Primavera que outrora pertencera a madrinha do vaqueiro Raimundo Nonato. Na constância do cargo de Deputado Provincial Antonio Bernardino transferiu a Vila  de Olho d’Agua para Vargem Grande pela em 1845.  No final dos anos cinquenta o deputado vendeu o Engenho Primavera ao coronel Francisco Solano Rodrigues. Ao comprar as  terras adquiriu também a escravatura dos antigos proprietários com todos seus costumes e crendices. No local se estabeleceu com a família depois do casamento com a senhora Luíza Roza Nina Rodrigues, onde tiveram sete filhos: Djalma, Joaquim, Raimundo, Themístocles, Antônio, Saul, e Maria da Glória. 

Muito religiosa Dona Luiza, quando chegou já encontrou a capelinha em Mulundus que fazia parte da propriedade da família. Passou a fazer a  manutenção  e  incentivar o culto a São Raimundo Nonato. Em 1862, enquanto gestava um dos seus filhos se sentiu muito doente então fez promessa, que se tivesse um bom parto, o filho receberia o nome do Santo, porque além de protetor dos vaqueiros é invocado como patrono e protetor das parturientes e das parteiras, porque durante o seu nascimento a sua mãe faleceu e ele foi extraído vivo.  

O pequeno Raimundo nasceu no dia 4 de dezembro de 1862, porém foi uma criança com a saúde frágil e mais uma vez Dona Luiza recorreu ao Santo pedindo proteção e saúde ao filho e em troca prometeu fazer vir da Espanha  uma imagem autêntica confeccionada na oficina sacra da  terra natal de São Raimundo. Quando o filho atingiu a juventude a imagem foi encomendada. A trajetória da imagem foi difícil. Ela  foi enviada à  Portugal de lá foi feito o translado de navio para a capital, São Luís, depois foi levada de  barco a vapor até Itapecuru –Mirim quando as autoridades locais e eclesiásticas a transportaram até a igreja de São Sebastião e depois à  Mulundus. A chegada da imagem ocorreu no penúltimo quartel do século XIX. 

O filho da promessa,  Raimundo Nina Rodrigues  o mais ilustre filho da terra, foi  médico legista, psiquiatra, professor e antropólogo. Faleceu em 1906.

Dona Luíza figurou como responsável pela festa durante muitos anos  sendo seguida por seu filho o capitão Saul Nina Rodrigues que mesmo residindo no Engenho São Roque em Anajatuba, gerindo os negócios da família mantinha negócios em Vargem Grande tendo continuado como Mordomo da festa. Dona Luiza faleceu  em 17.12.1911.  

O tenente- coronel Francisco Solano Rodrigues, foi juiz de direito, Comandante Superior da Guarda Nacional, da Vila de Vargem Grande,  deputado constituinte, Presidente da Câmara de Anajatuba e grande benfeitor de Vargem Grande, tendo cedido uma das suas casas para servir de cadeia pública  à Vila.

      TRANSFERÊNCIA DA FESTA PARA VARGEM GRANDE

Vale citar mais uma vez a conversa com o veterano José Braga, em sua grande mesa sempre as voltas com seus escritos: “Fui a primeira vez em Mulundus aos 16 anos, corria o ano de 1935. Nunca tinha visto tanta gente reunida. O que mais me impressionou foi a quantidade de foguetes e os cavaleiros desfilando com os cavalos muito bem arreados, com as mulheres nas garupas, já que na época não existia carros. Os cavalos eram uma beleza, verdadeiros desfiles de bonitas montarias com o rabo quase arrastando no chão e as crinas aparadas e penteadas.  Tudo lindo!”  Segundo ele lá fervilhava.  Eram carros de bois, desfiles de cavalos, ambulantes apregoando suas mercadorias, batizados, casamentos, pagamentos de promessas, procissão e os bailes com as orquestras de fora, divididos por categorias: Baile de primeira classe para brancos e ricos e de  segunda para os demais. Na época da festa Mulundus fervilhava.  Para a festa os romeiros improvisavam barracas de palhas e alegavam a falta de segurança motivando muitas escaramuças entre forasteiros e romeiros, resultando em mortes e feridos.

Desde o início do Século XX, começaram as campanhas pela imprensa,  pelos moradores e principalmente pelos comerciantes para a transferência da festa para a sede de Vila de Vargem Grande. O povoado de Mulundus, era desprovido de estrutura adequada para a celebração da festa que havia se tornado muito grande.

Porém os tradicionalistas resistiam, por achar que a festa deveria permanecer no local onde iniciou. Foram anos de negociações para solucionar o impasse. Somente em 1953, na gestão do arcebispo Dom José Medeiros Delgado,  houve a transferência da festa para Vargem Grande, passando a ter uma maior projeção. Os conservadores, no entanto, inconformados continuaram celebrar São Raimundo Nonato em Mulundus, que em consenso a igreja fixou a data do evento no povoado para o mês de outubro e assim respeitando a religiosidade popular. A festa reúne fiés de todo o Maranhão  também de outros Estados, em pagamentos de promessas.

O Santo Espanhol, São Raimundo Nonato foi um doutor da igreja, um grande Bispo e mártir da fé católica. Roga por nós, São Raimundo!


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

SE A LUA SAÍSSE MAIS TARDE



  

Mauro Rego

Queria que hoje
A lua saísse mais tarde,
Depois que a cidade se acalmasse,
Depois que as casas se fechassem,
Depois que todos dormissem
E a paz reinasse sobre os campos!

Queria que hoje
A lua saísse mais tarde
Para que, livre de todas as distrações,
Eu pudesse contemplá-la surgindo atrás dos morros
Espargindo sua luz sobre o campo
Espalhando cores sobre o espelho das águas!

Eu navegaria na calma desse campo imenso
Procurando encontrar os fantasmas,
Querendo conviver com os espíritos!
E tu, canoeiro de outras águas,
Navegarias comigo em busca do impossível,
Em busca do cabrunco que tu nunca viste,
Ouvindo os tambores de um passado distante
Que tu não conheces!

E tu silenciarias, canoeiro de longe,
Para que eu pudesse ouvir a voz das coisas,
Gemidos de almas penadas,
O grito de Raimundo Gadeiro,
As caixas do Divino subindo os morros
E o rufar surdo dos tambores de crioula
As caixas do Divino subindo os morros
E o rufar surdo dos tambores de crioula
E de São Benedito!

E se os seres sobrenaturais quisessem navegar conosco,
Invisíveis como tu, canoeiro encantado,
Eu te entregaria a vara de angico
Para que tu levasses o viajante
Até a enseada verde
Onde ele saltaria para sua morada escura!

Sentirias comigo as bênçãos do infinito,
Afastarias as maldições errantes
E conhecerias, como eu, os mistérios do campo...
As estrelas esmaeceriam
Sob o brilho da lua que chegou mais tarde,
Até que os galos cantassem
Desfazendo os mistérios,
Mandando que tu também partisses,
Canoeiro de outras águas!

Queria que hoje
A lua saísse mais tarde
Para ofuscar as luzes caminheiras
Que espantam os viajantes da noite;
Para que eu cavalgasse o cavalo encantado
Que passa pela Rua do Fio
E se perde na distância
Retinindo seus arreios de moedas antigas
Se a lua saísse mais tarde!



segunda-feira, 28 de agosto de 2017

35 ANOS DA UEMA




       

Benedito Buzar

Recebo do reitor da Universidade Estadual do Maranhão, Gustavo Pereira da Costa, a comunicação de ser um dos homenageados com a Medalha Gomes de Sousa do Mérito Universitário, conferida pelo Conselho Universitário, nas comemorações dos 35 anos de fundação da Instituição.

Dias depois, outro comunicado do mesmo reitor, dando conta da minha indicação para falar em nome dos homenageados, na solenidade comemorativa da significativa efeméride, a 2 de agosto de 2017.

A honra de ser duplamente distinguido proporcionou-me alegria e felicidade, pois através da retórica teria a oportunidade de evocar e lembrar a trajetória da Instituição, que ao longo de 35 anos cumpriu o objetivo de fomentar o saber e de formar profissionais dos mais diversos campos do conhecimento humano e científico.

Para cumprir a incumbência a mim foi delegada, fiz um recuo no tempo e trouxe a lume, ainda que de forma sumária, a gloriosa história da Universidade Estadual do Maranhão, desde os seus primórdios, da qual participei como docente e com atuação, modéstia a parte, exemplar.
Sustentado na minha bem conservada memória de jornalista e de pesquisador, sempre pronta a me ajudar nesses momentos, transmiti preciosas informações sobre iniciativas e atos praticados por autoridades governamentais, que resultaram, depois de um processo de maturação, na fundação da Universidade Estadual do Maranhão.
Na condição de testemunha viva daquele processo histórico, afirmei que tudo começou nos meados da década de 1960, no governo José Sarney, que levado por circunstâncias conjunturais, decide criar as Faculdades de Engenharia, Administração e Agronomia, em São Luís, e a Escola Superior de Educação, em Caxias, para a preparação de quadros técnicos que o Maranhão carecia, com vistas a modernizar suas estruturas administrativas e promover o desenvolvimento econômico e social.

O sucessor de Sarney, professor Pedro Neiva, empenhado  na consolidação desse projeto educacional, cria as Faculdade de Veterinária, em São Luís,  e de Educação, em Imperatriz, que, aglutinadas em torno das existentes, formaram uma autarquia denominada Federação das Escolas Superiores do Maranhão.

Como substituto de Pedro Neiva, o governador Nunes Freire, também deu o seu contributo, levando as Faculdades instaladas em São Luís, que funcionavam isoladamente, para um campus próprio, com o nome de Cidade Universitária Paulo VI, onde alunos, professores e servidores comungaram vivências e trocaram experiências necessárias à formação do espírito universitário.

Para coroamento de tudo isso, o governador João Castelo, sucessor de Nunes Freire, realiza o sonho maior de todos nós: o envio à Assembleia Legislativa de um projeto de lei, criando a Universidade Estadual do Maranhão, sancionado pelo mesmo em 30 de dezembro de 1981.

Ao longo dessa árdua caminhada de  vitoriosas conquistas e exitosas iniciativas, no campo acadêmico, técnico e científico, mas, também, de tempos difíceis e de lutas adversas, a Instituição só não chegou a desativar o ensino, a pesquisa e a extensão, porque os corpos docente, discente e administrativo se levantaram e reagiram contra o impensado gesto de alguns gestores que criaram dezenas de cursos de graduação, muitos dos quais dispensáveis, mas, com o fito exclusivo de atender interesses eleitoreiros.
Felizmente, aquela maldita fase passou e se perdeu na poeira do tempo, graças aos compromissados assumidos pelos professores José Augusto Oliveira e Gustavo Pereira da Costa, o anterior e o atual reitor, que á frente da UEMA souberam com competência, seriedade e honestidade, darem a volta por cima, respaldados na máxima do grande escritor paraibano, José Américo, ao dizer que “voltar é renascer e no caminho da volta ninguém se perde.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Amor, estranho Amor em Kelru.



Em uma de minhas viagens a Kelru, povoado localizado às margens do rio Itapecuru, fiquei sabendo de uma história, que segundo os moradores locais, teria ocorrido, por lá, em meados do século XIX, quando vivia João Belfort, último descendente direto do nobre irlandês Lourenço Belfort.
João Belfort era casado com a bela Gertrudes Gomes de Sousa, herdeira da fazenda Boa Vista dos Gomes de Sousa. Este casal, apesar de ter estudado nos melhores colégios da Capital Maranhense e na renomada Universidade de Coimbra, em Portugal, preferiu voltar e viver nas terras de seus antepassados.
Em alguns aspectos, o enlace matrimonial deles não fugia a um costume daquela época, que era o casamento entre parentes, onde geralmente o homem era bem mais velho que a mulher.
João Belfort já passava dos quarenta anos, sendo viúvo de primeiras núpcias e primo de segundo grau de seu cônjuge; era formado em Direito, mas não chegou a seguir carreira, preferia a labuta da lavoura e criação de gado, como seus antepassados. Homem rude tratava sua escravaria com extrema dureza, porém mantinha certas intimidades com uma de suas escravas de dentro, a bela e sedutora Augusta Mina, que almejava ser uma sinhazinha como a sua senhora Gertrudes.
Augusta era irmã da bela e meiga Patrícia Mina, escrava de companhia de Gertrudes. Estas duas escravas eram filhas de Agostinho Mina e Florença Mina, casal libertos por Gertrudes, que além de alforria-los confiou a eles a importante missão de cuidar da tricentenária Capela de São Patrício. Fatos que contribuíram para a dedicação de Patrícia por sua sinhá.
Quando recebeu a sua alforria Agostinho Mina em retribuição a sua sinhazinha lhe deu de presente uma égua prenha, que logo deu a luz ao poldro Fulupo, que despertava grande admiração por onde passava, mas era muito arisco e não permitia que ninguém se aproximasse dele, com exceção de Patrícia e sua sinhá, Gertrudes. O animal foi crescendo e não permitia montaria, todos tentavam, mas nada do bicho ceder; até que Agostinho Mina teve a ideia de levar Patrícia e Gertrudes para testar a montaria no mesmo, este ato deu certo, mas acabou despertando nas duas moças fascínio pelo animal.
O velho João Belfort, sabedor das peripécias de Fulupo, demonstrou certa indiferença por sua companheira passar horas afio nos campos tentando domar um cavalo. Pois, dispensava o resto do seu libido com a fogosa Augusta Mina, às escondidas, pelas ribanceiras do Itapecuru. Concomitantemente, Gertrudes se afeiçoava ainda mais com Fulupo passando a ter desejos carnais com ele, porém se resguardava, contudo, resolveu se abrir com a confidente Patrícia Mina, esta demonstrou espanto com os desejos da sinhá, mas resolveu ajudá-la e apoiá-la caso ela quisesse desfrutar de alguma intimidade com o viril animal.
Em certa ocasião as duas foram visitar uma curandeira, que era conhecida como a guardiã do cemitério dos Belfort e Gomes de Sousa, nas proximidades do povoado Pirinã. No caminho confabulavam sobre a tal atração sexual da jovem fidalga por Fulupo e como poderia haver conjunção carnal, entre o casal fora do comum. Durante a visita, enquanto Gertrudes conversava com a curandeira, a velha senhora trouxe de seus aposentos uma bela toalha tecida em sua própria casa com o bom algodão da região.
Patrícia Mina teve uma ideia que resolveu propor para a sua sinhá no caminho de volta. Quando as duas pararam no cemitério a bela escrava relatou que era só a sua sinhá se agachar por baixo do Fulupo. Para impedir que ele tentasse penetra-la, Gertrudes deveria enrolar a toalha recebida como presente no órgão sexual do bicho.
A sinhazinha sentiu no seu ímpeto um desejo incrível por tal ato sexual, mas ao mesmo tempo tinha receios, entretanto, resolveu se entregar a tamanha atração. As duas procuraram um local apropriado na mata da região e assim ocorreu a primeira conjunção carnal entre Gertrudes e Fulupo. À noite já em seus aposentos a jovem fidalga não parava de imaginar no que havia ocorrido; e por isso, com o passar dos dias as visitas à região do Pirinã, pelas confidentes tornar-se-iam mais frequentes, fato que despertou a curiosidade de Augusta Mina e a fez seguir as duas.
Andando sorrateiramente pelas matas da região a astuta Augusta Mina, viu o que jamais podia imaginar, Gertrudes se entregando aos seus desejos mais promíscuos com o cavalo Fulupo. Era a oportunidade perfeita para ela se livrar de sua senhora e galgar ascensão social, ao contar tal segredo ao seu amante João Belfort. Logo, voltou para a sede da fazenda correndo para relatar o que havia presenciado, de longe avistou o seu senhor sentado em sua cadeira na varanda da casa grande e não perdeu tempo foi logo indagando o velho sobre a sua senhora:
- Este relatou que não sabia.
- Augusta, retrucou e disse que: - você deveria saber senhorzinho, porque eu sei e não é coisa boa não!
João então, disse: - pois, fale e não me amole com conversa fiada, ora...
Augusta, então chamou o velho para a beira do rio e relatou tudo o que havia presenciado. João Belfort, de imediato desconfiou de tamanha audácia de sua companheira, mas foi provocado por Augusta a seguir sua esposa e tirar suas duvidas. E assim fez, resolvendo esperar nova visita de Gertrudes à região do Pirinã.
João Belfort passou dias e dias pensando na cena que poderia presenciar e no escândalo que poderia ser caso esta história fosse de conhecimento de todos, por isso mudou de ideia e resolveu chamar Patrícia Mina para uma conversa. Ao indagar a moça sobre os atos libidinosos de sua companheira com o cavalo, ouviu que tais fatos eram verídicos.
Analisando toda a situação, o velho fidalgo disse a Patrícia, que não tinha coragem para desmascarar Gertrudes, mas pediu a ela para que durante um novo encontro conjugal deveria retirar a toalha que segurava o ímpeto de Fulupo, afim de que o mesmo penetrasse a sua amante, causando uma hemorragia nela, o que poderia levá-la a uma morte prolongada e dolorosa. Assim, teria a sua vingança. Patrícia Mina advertiu que não faria tamanha maldade com sua sinhá, mas o velho Belfort, argumentou que caso não o fizesse, iria colocar o velho Agostinho Mina no pelourinho e chicoteá-lo até a morte.
Por pior que poderia ser, o plano de João Belfort saiu como planejado, enquanto Gertrudes sofria em seus aposentos de uma forte hemorragia, ele mandou colocar o cavalo Fulupo numa solta distante da sede da fazenda e preparar um mausoléu a poucos metros da casa grande, que supostamente seria uma nova capela. Após dias de sofrimento a bela fidalga Gertrudes Gomes de Sousa Belfort veio a óbito.
João mandou buscar o cavalo da solta e com as suas próprias mãos perfurou a garganta do animal com o seu punhal. Para completar a sua vingança, decidiu enterrar o casal incomum, na mesma cova, amarrados pela toalha companheira de suas caricias. E ordenou para todas as pessoas da localidade que jamais deveriam abrir o mausoléu, até que a capela que o cobria viesse a baixo.
Tempos depois, vendo que seu plano de ascender socialmente havia falhado, Augusta Mina resolveu contar o que sabia para os moradores da região, o que causou grande constrangimento para João Belfort, por conta da repercussão negativa de toda a história para a sociedade patriarcal e altamente conservadora da época. E assim surgiu o estopim para a permanência do último Belfort da Ribeira do Itapecuru.
Atualmente, quem visitar a antiga Fazenda Kelru encontrará um belo casarão e ao lado deste uma imensa árvore, conhecida como faveira abraçando uma parede que supostamente seria do antigo mausoléu, que guarda os restos mortais daquele casal, Gertrudes e Fulupo; além de uma bela capela, morada do quadro em homenagem a São Patrício.   

Itapecuru Mirim, 23 de julho de 2017.
Tiago de Oliveira.