Por:
Jucey Santana
Confesso que sempre me impressiono com tanta
devoção a São Raimundo dos Mulundus e ouso mesmo a afirmar, que não perde em
nada para o outro santo milagroso, São José de Ribamar. Conversei com vários
romeiros que testemunharam as muitas graças alcançadas por intercessão do Santo Vaqueiro. Um exemplo é de Irismar de Jesus Lima
Pereira a organizadora da romaria. Segundo ela ao três anos foi acometida de um
eczema crônico nas pernas (dermatite), e sua mãe, dona Maria das Dores (Quita),
usou todos os recursos disponíveis para o tratamento como, remédios de
farmácia, unguentos, remédios caseiros recorreu até a benzedores, sem êxito. Então resolveu apelar à São
Raimundo, prometendo que se ficasse boa a jovem iria a pé até o Santuário em Vargem Grande. Depois de curada
– pelo santo – e a promessa paga,
Irismar organizou a Romaria que este ano completou 30 anos, com mais de
1500 associados e outros tantos simpatizantes. Os devotos saem dia 29 de
agosto, vencem os 59 quilômetros com uma pausa para descanso em Cigana outra no
povoado Leite e depois de passar a noite andando chegam ao amanhecer em Paulica
quando recuperam as forças para a chegada às 7 horas do dia 31, onde são
recepcionados com a tradicional missa
dos Romeiros, as sete horas da manhã.
UM POUCO DA HISTÓRIA
A história inicia-se ainda no
Século XVIII. Por volta de 1700 nascia na fazenda Primavera (antiga Nova
Olinda), Raimundo Nonato Soares Ganguçu. Ele foi criado como afilhado “liberto”
da abastada portuguesa proprietária da fazenda e desfrutando de certas regalias
se tornou muito querido, respeitado entre os vaqueiros e moradores da
vizinhança. Homem de muita fé e
cumpridor dos suas obrigações, era
devoto do Santo do seu nome. Das muitas histórias que ouvi transcrevo o
depoimento do pesquisador José Mercedes
Braga de 98 anos (28.4.1919), natural de Nina Rodrigues: “desde criança que ouvia histórias dos velhos
vaqueiros do meu avô, que diziam ter escutado dos mais antigos. Segundo
eles, a madrinha de Raimundo, autorizou que este, pegasse uma rês para comemorar o seu
aniversário com os amigos vaqueiros. Ele
foi campear com um cavalo e um cachorro e passou três dias desaparecido. Quando
o encontraram estava morto ao lado do cão e do cavalo, petrificados, pareciam
vivos. Alguns achavam que havia sido de raio, muito comum na região”. Houve
uma comoção geral daquela gente simples
e piedosa do interior, que sofria pelo vaqueiro amigo que perdeu a
vida no cumprimento do seu dever. Os anos se passaram e o povo não o esqueceu. Nasceu uma carnaubeira no local onde ele foi
encontrado. Com o passar do tempo passaram a rezar pela sua alma, muito comum
na época, e pedir graças e a noticia
começou a se espalhar que o vaqueiro se tornara milagreiro e que em sonho
indicava a carnaubeira como fonte dos milagres. De acordo com a crendice
popular, a carnaubeira passou a ser usada como tratamento, para todos os males incuráveis: sua cascas, palhas e até as raízes serviam
para os chás milagrosos.
No
início do século XIX, foi construída no local da morte do vaqueiro, em
Mulundus, uma pequena ermida de palha,
para realizações de novenário no
aniversario da morte do vaqueiro Raimundo, 31 de agosto, e a devoção se
espalhou se transformando em centro de peregrinação.
Vale registrar que toda a região era muito propícia a
criação de gado que eram comercializados
no Arraial da Feira atual Itapecuru Mirim ou transportada para São Luis via rio
Munim.
As crianças desde muito cedo
começavam a aprender o mister de vaqueiro, que era a função de maior status
entre os escravos. A profissão de vaqueiro passava dos pais para
os filhos.
A região que
compreendia Itapecuru Mirim, Vargem Grande, Chapadinha, Brejo, Anajatuba, Manga
do Iguará (Nina Rodrigues), Araioses, Cantanhede e outras existia grandes fazendas de gados o que
justifica as centenas de vaqueiros devotos do Santo espanhol, que segundo a lenda, enquanto fazia suas
orações a Virgem Maria esta enviava um anjo para guardar os rebanhos sob os
seus cuidados, daí a ter um “representante” conterrâneo melhor ainda.
A PROMESSA
Por volta dos anos 30 do século XIX, o tenente-coronel Antonio
Bernardino Ferreira Coelho adquiriu o
Engenho Primavera que outrora pertencera a madrinha do vaqueiro Raimundo
Nonato. Na constância do cargo de Deputado Provincial Antonio Bernardino
transferiu a Vila de Olho d’Agua para
Vargem Grande pela em 1845. No final dos
anos cinquenta o deputado vendeu o Engenho Primavera ao coronel Francisco Solano
Rodrigues. Ao comprar as terras adquiriu
também a escravatura dos antigos proprietários com todos seus costumes e
crendices. No local se estabeleceu com a família depois do casamento com a
senhora Luíza Roza Nina Rodrigues, onde tiveram sete filhos: Djalma, Joaquim,
Raimundo, Themístocles, Antônio, Saul, e Maria da Glória.
Muito religiosa Dona Luiza,
quando chegou já encontrou a capelinha em Mulundus que fazia parte da
propriedade da família. Passou a fazer a
manutenção e incentivar o culto a São Raimundo Nonato. Em
1862, enquanto gestava um dos seus filhos se sentiu muito doente então fez
promessa, que se tivesse um bom parto, o filho receberia o nome do Santo,
porque além de protetor dos vaqueiros é invocado como patrono e protetor das
parturientes e das parteiras, porque durante o seu nascimento a sua mãe faleceu
e ele foi extraído vivo.
O pequeno Raimundo nasceu no dia 4 de dezembro de
1862, porém foi uma criança com a saúde frágil e mais uma vez Dona Luiza
recorreu ao Santo pedindo proteção e saúde ao filho e em troca prometeu fazer
vir da Espanha uma imagem autêntica
confeccionada na oficina sacra da terra
natal de São Raimundo. Quando o filho atingiu a juventude a imagem foi
encomendada. A trajetória da imagem foi difícil. Ela foi enviada à
Portugal de lá foi feito o translado de navio para a capital, São Luís,
depois foi levada de barco a vapor até
Itapecuru –Mirim quando as autoridades locais e eclesiásticas a transportaram
até a igreja de São Sebastião e depois à
Mulundus. A chegada da imagem ocorreu no penúltimo quartel do século
XIX.
O filho da promessa, Raimundo Nina Rodrigues o mais ilustre filho da terra, foi médico legista, psiquiatra, professor e antropólogo. Faleceu em 1906.
Dona Luíza figurou como responsável pela festa
durante muitos anos sendo seguida por
seu filho o capitão Saul Nina Rodrigues que mesmo residindo no Engenho São
Roque em Anajatuba, gerindo os negócios da família mantinha negócios em Vargem
Grande tendo continuado como Mordomo da festa. Dona Luiza faleceu em 17.12.1911.
O tenente- coronel Francisco Solano Rodrigues, foi
juiz de direito, Comandante Superior da Guarda Nacional, da Vila de Vargem
Grande, deputado constituinte,
Presidente da Câmara de Anajatuba e grande benfeitor de Vargem Grande, tendo
cedido uma das suas casas para servir de cadeia pública à Vila.
TRANSFERÊNCIA DA FESTA PARA VARGEM GRANDE
Vale citar mais uma vez a conversa com o veterano
José Braga, em sua grande mesa sempre as voltas com seus escritos: “Fui a primeira vez em Mulundus aos 16 anos,
corria o ano de 1935. Nunca tinha visto tanta gente reunida. O que mais me impressionou foi a quantidade
de foguetes e os cavaleiros desfilando com os cavalos muito bem arreados, com
as mulheres nas garupas, já que na época não existia carros. Os cavalos eram
uma beleza, verdadeiros desfiles de bonitas montarias com o rabo quase
arrastando no chão e as crinas aparadas e penteadas. Tudo lindo!”
Segundo ele lá fervilhava.
Eram carros de bois, desfiles de cavalos, ambulantes apregoando suas
mercadorias, batizados, casamentos, pagamentos de promessas, procissão e os bailes
com as orquestras de fora, divididos por categorias: Baile de primeira classe
para brancos e ricos e de segunda para
os demais. Na época da festa Mulundus fervilhava. Para a festa os romeiros improvisavam
barracas de palhas e alegavam a falta de segurança motivando muitas escaramuças
entre forasteiros e romeiros, resultando em mortes e feridos.
Desde o início do Século XX, começaram as campanhas
pela imprensa, pelos moradores e
principalmente pelos comerciantes para a transferência da festa para a sede de
Vila de Vargem Grande. O povoado de
Mulundus, era desprovido de estrutura adequada para a celebração da festa que
havia se tornado muito grande.
Porém os tradicionalistas resistiam, por achar que
a festa deveria permanecer no local onde iniciou. Foram anos de negociações
para solucionar o impasse. Somente em 1953, na gestão do arcebispo Dom José
Medeiros Delgado, houve a transferência
da festa para Vargem Grande, passando a ter uma maior projeção. Os
conservadores, no entanto, inconformados continuaram celebrar São Raimundo
Nonato em Mulundus, que em consenso a igreja fixou a data do evento no povoado
para o mês de outubro e assim respeitando a religiosidade popular. A festa
reúne fiés de todo o Maranhão também de
outros Estados, em pagamentos de promessas.
O Santo Espanhol, São Raimundo Nonato foi um doutor
da igreja, um grande Bispo e mártir da fé católica. Roga por nós, São Raimundo!