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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

AS PRESEPADAS DO ALCAIDE-MOR


                        

     SÉRIE CRÔNICAS – ANO IV/nº 48/2017

Josemar Lima
                       No início foi um aldeamento indígena que, no início do século XVII, quase virou uma Aldeia de Paz dos jesuítas da Companhia de Jesus. Depois, por volta de 1619, com a chegada de trinta famílias açorianas, consolidou-se como o povoado “Arraial da Feira”, integrante da Capitania da Ribeira do Itapecuru, criada em 1630 e, depois, em 1801, da Freguesia de Itapecuru Mirim, composta de várias paróquias da região.


                       A povoação, em 1818, foi elevada à condição de Vila de Itapecuru Mirim, que quase vira capital do estado do Maranhão em 1648 e, em 1870 chega, enfim, à categoria de cidade.

                      Nesse processo de evolução destaca-se o período de 119 anos de lutas e articulações sociais e políticas para que a povoação do “Arraial da Feira” fosse transformada na vila de “Itapecuru Mirim”.

                      Tudo começou em 17 de novembro de 1751, quando o então governador da Província do Maranhão, Luís Vasconcelos Lobo, encaminhou à corte portuguesa, mais especialmente ao rei Dom José, uma carta acompanhada de 1094 nomes, pedindo a fundação da vila, com o argumento de que assim os moradores “serão mais bem governados e mais bem administrados”.

                       Surge, então, no cenário uma figura controvertida, uma mistura de empreendedor de sucesso e burocrata de ocasião, dotado de estrema astúcia e desmedida vaidade. Um caçador de títulos honoríficos!

                       Refiro-me a José Gonçalves da Silva, o fundador da Vila de Itapecuru Mirim. Nasceu em Portugal, descendia de uma família abastada e chegou ao Maranhão em 1777.

                       A escritora itapecuruense Jucey Santana, no seu livro Itapecuruenses Notáveis, apresenta uma extensa biografia do nosso personagem e os reais motivos que o levaram a assumir o papel de protagonista na fundação da Vila.

                      Depois de inúmeras barganhas junto ao governo da Província do Maranhão e à Corte de Portugal ele conseguiu obter terras. Através de Provisão Régia de 29 de janeiro de 1787, obteve a Carta de Sesmaria das terras denominadas “Cabelo de Velha”, localizadas no município de Guimarães. Adquiriu muitos escravos e passou a ser um dos principais produtores de arroz, farinha, algodão e madeiras do estado do Maranhão.

                      Sua fortuna foi crescendo de forma exponencial e junto com ela a ambição por títulos de nobreza, mesmo que para isso tivesse “que desatar os cordões de sua bolsa”, mediante empréstimos generosos ao governo do Maranhão e outras vantagens.

                     No período da guerra entre Portugal e Espanha ele despachou dois de seus navios para Lisboa com 1080 sacas de arroz e uma boa quantia em dinheiro como doação à rainha Maria I, oferta que lhe rendeu a condecoração com o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo, recebido em concorrida solenidade no Palácio de Queluz, em Lisboa, no dia 07 de agosto de 1797.

                    Pelas benesses concedidas ao governo da Capitania foi recompensado com o cargo público de Tesoureiro da Fazenda Real, Defuntos e Ausentes, cargo que ocupou por doze anos. Ele nunca quis entrar diretamente na política, mas, graças ao poder econômico e trânsito com os governadores, elegia todos os seus amigos para o cargo que almejasse. O “Barateiro”, como era conhecido no mundo dos negócios, ia aumentando sempre o seu raio de poder.

                  Era um empresário ousado! Com operários e engenheiros trazidos da Europa, montou no Maranhão um dos maiores estaleiros navais do país e nele construiu navios que cruzavam os mares do mundo. Entres eles do bergatim “Amizade”, a sumaca “Madre de Deus” e o navio “Boa União”, todos de sua propriedade.

                 Em 1797 deu de presente ao então governador do Maranhão, Dom Fernando Antônio de Noronha, dois navios (sumacas) fabricados em seu estaleiro. O governador, conhecedor de seu ego, envio-lhe uma carta onde o chamava de “benemérito vassalo e merecedor de proteção por um procedimento além de estimável e louvável”. Era o que ele queria!

                 Seus negócios só cresciam! Instalou na capital uma indústria de salga de peixes para exportação e construiu com mão de obra europeia vários prédios suntuosos no centro da cidade.

                Era também um benemérito e sempre que necessário atendia as solicitações de instituições de caridade. Na grande seca no estado do Ceará, enviou ao governo daquele estado vários navios carregados com alimentos. Durante uma epidemia de varíola no Maranhão, tomou a iniciativa de trazer da Bahia o chamado “pus antídoto”, uma espécie de vacina para imunização da população.

                 Foi, ainda, provedor da Casa de Misericórdia do Maranhão e no seu testamento deixou uma vultosa quantia para a irmandade. Essa doação rendeu-lhe uma homenagem póstuma com a afixação de um retrato seu na entrada daquele hospital, encimado com uma frase em latim, com a seguinte tradução – “Sempre te seremos gratos pelos largos donativos que de tua mão receberam em alimentos e esmolas, os pobres, os enfermos e os infelizes”.

                Apesar da riqueza era insaciável por títulos: Requereu ao reino português o posto de Coronel das Milícias que, num primeiro momento lhe foi negado por ser privativo de militares, mas ele não desistiu e foi até Lisboa reivindicá-lo pessoalmente e quando retornou trouxe a nomeação na bagagem.

                 Mas ele queria mais títulos! Requereu ser nomeado para governador da Fortaleza de São Marcos e, mesmo sem ser militar, reivindicou a primazia de usar fardas com brasões dourados e foi atendido. Enquanto isso seus navios enchiam os armazéns de Lisboa com gêneros alimentícios produzidos com mão de obra escrava em suas fazendas espalhadas pelo estado do Maranhão e, também, os cofres da realeza portuguesa com vultosos donativos em dinheiro vivo.

                 Mesmo sem casamentos formais tinha vários filhos e, para não ver sua fortuna e seus títulos pulverizarem-se com sua morte, requereu à corte portuguesa a concessão de um morgado, tornando seus bens e direitos indivisíveis e inalienáveis, só possível de transmissão entre primogênitos do sexo masculino.

                  Construiu, ainda, a primeira “quinta” do estado do Maranhão, propriedades tradicionais em Portugal. Localizava-se em um vasto terreno todo murado, situado na Rua Grande, em São Luís. Ali erigiu várias edificações no estilo europeu, com capelas, chafarizes, jardins artísticos e uma suntuosa mansão. Foi denominada “Quinta das Laranjeiras”, depois “Quinta do Barão”, onde funcionou por muitos anos o Colégio Maristas e atualmente é ocupado por uma escola do IEMA.

                  O Morgado foi-lhe concedido em 20 de junho de 1812, com o título de “Senhor do Morgado das Laranjeiras”. Era mais um título que ele conseguia graças a sua imensa riqueza!

                  Seu sonho, entretanto, era possuir o título de Alcaide-Mor. Uma espécie de governador de uma cidade ou vila acastelada ou fortificada. Estes funcionários pertenciam à nobreza hereditária e tinham como missão a defesa militar da cidade ou vila e o desempenho de funções judiciais e administrativas, prestando contas diretamente ao rei. As condições para conseguir o título perpétuo era o de fundar uma vila ou fortaleza.

                Era um título já em desuso, mais o rei podia tudo e Senhor do Morgado das Laranjeiras também tinha os seus poderes.

                Inicialmente tentou ser o Alcaide-Mor de Guimarães, onde possuía sua maior fazenda, mas não teve seu pleito atendido. Ele não se conformou; queria ser alcaide-mor de qualquer maneira e voltou suas vistas para a região às margens ou ribeiras do Rio Itapecuru, área em franca expansão econômica e social, principalmente com o cultivo e industrialização da cana-de-açúcar, produção de algodão e onde ele possuía vários amigos e parceiros comerciais.

                 Encaminhou, então a solicitação ao rei de Portugal, sempre acompanhada de muitos presentes e explanação de todas as benesses já dispensadas ao governo do Maranhão e à Corte.

                 Teve então seu pleito atendido e em 7 de novembro de 1817 o rei Dom João VI emitiu a Provisão Regia autorizando a fundação da Vila de Itapecuru Mirim, sob as seguintes condições: que fossem adquiridas por compras ou doação as terras necessárias à formação do patrimônio da futura vila; o estabelecimento de no mínimo trinta casais brancos; a construção das casas da câmara e da cadeia, além das oficinas necessárias à fundação da vila.

                A vila foi fundada antecipadamente em 20 de outubro de 1818, mas o Alcaide-Mor não cumpriu todas as exigências previstas, apenas ocupou-se da aquisição e doação das terras que foram incorporadas ao patrimônio da vila e remanescem até hoje, com perdas significativas ao longo dos anos. Ele não perdeu o título, mesmo não cumprindo integramente o acordado, nem por si nem por seus herdeiros. Faleceu em São Luís/Ma, em 21 de novembro de 1821 e foi sepultado na “Quinta das Laranjeiras” ou “Quinta do Barão”.

               Ele estava mais interessado no título de Alcaide-Mor do que, efetivamente, na implantação da vila e isso fica patente quando ele antecipa a solenidade de fundação da vila e nem sequer comparece a solenidade de instalação. Foi representado por um procurador.

               O Alcaide-Mor da Vila de Itapecuru Mirim, mesmo tendo gerado vários filhos, nunca contraiu matrimônio. Mas ele tentou!

               Em 28 de dezembro de 1799 ele enviou ao rei de Portugal, via Conselho Ultramarino, um requerimento solicitando a expedição de um decreto ou aviso real para que não houvesse quaisquer impedimentos na realização de seu casamento. Estranho?

              Por quê envolver o rei de Portugal em um assunto tão particular?

              Pesquisando na documentação do Conselho Ultramarino consegui encontrar o original do citado requerimento e creio ter encontrado a resposta: No documento ele informa que contratou casar-se com Dona Joaquina Rosa Carneiro, filha do coronel Ayres Carneiro Homem do Souto Maior e de Maria Joaquina Belford e roga intervenção do rei para que não haja qualquer ação contrária dos vigários locais.

                  Desprende-se que a igreja católica relutava em celebrar o casamento e ele, como sempre o fizera, recorreu à realeza onde reiteradamente encontrava guarida aos seus pedidos.

           Parece que desta vez o rei não o atendeu, pois os registros históricos indicam que ele morreu solteiro.


  








            









 

 








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