Pages

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

ESSA SIM, ACABOU-SE...



   

Leandro Nascimento.

Era um dia “truvo”, foi na mudança do século XX para o XXI, lá pelo mês de agosto, na cidade de Itapecuru Mirim. Dona Cândida, erguia um litro de água diante de uma Igreja lotada, na verdade, era a Igreja Matriz. Ela, assim como tantos outros, faziam filas enormes portando vasilhas, jarras e tudo que servisse para carregar um pouco desse líquido precioso, isso dependeria da fé da pessoa. Também levavam consigo velas, o objetivo era que o vigário benzesse ambos.

Dona Cândida, do meio da fila, viu o sacristão sair de dentro da Igreja muito agoniado. Ele tinha um perfil característico, era alto e magro, tinha bigode, sempre estava de calça e camisa comprida; apresentava-se com vestimentas de cores uniformes geralmente brancas e, claro o principal, seu chapéu. 

O chapéu era do estilo “Panamá”, feito de palha clara, possuindo aba larga e cone médio, na cor marrom, ideal para os dias quentes, pois, é arejado e protege a cabeça do sol forte. Este era sua marca, se o tirasse, tornava-se um desconhecido na cidade, salvo nos momentos em que estava na missa. Por fim, seu nome, Zé da Graça. 

A sua pressa dava-se ao fato de que ainda não havia enchido suas vasilhas de água, porque passara o dia muito ocupado ajudando o vigário a atender as pessoas da cidade. Seus passos apressados o levaria até uma fonte de água pura chamada “Miquilina”, que ficava em um bosque nessa cidade. 

Esse lugar era muito bonito. Havia árvores pomposas com galhos cheios de flores, pássaros cantavam o dia todo. Tinha um banco, com aparência de que já estava ali há muito tempo. Uma vez ou outra retocavam a pintura, sempre na cor branca. Tinha também uma calçada, feita de pedras que se encaixavam umas nas outras e apesar de serem pedras, quem andava por ali nunca tropeçava.
No lugar havia uma rampa onde desciam carros, carroças e uma ponte, que dava acesso ao outro lado. Entre o bosque, havia uma passagem de água, os pássaros gostavam de descer de seus ninhos de vez em quando, para tomar banho nela. Do outro lado via-se um chafariz, onde jorrava água, não se sabe a origem dessa água, é um mistério, só sabe-se que era muito límpida. O dia era sempre tranquilo, o bosque respeitava as estações do ano, uma vez que mesmo em diferentes estados da natureza, mantinha-se sempre o seu encanto, seja no inverno ou verão. E lá foi seu Zé, enfrentar a fila para pegar água.

Lá no começo da rampa que dá acesso à fonte, encontrava-se Pedrinho, que já estava ali há horas, e ainda ficaria por muito mais tempo, porque sempre alguém passava a sua frente. Por ele estar desacompanhado, pois sua mãe tinha que ficar em casa para poder dar conta dos fazeres domésticos e também o fato do rapazinho ser muito tímido, não conseguia se impor diante de tantas pessoas ignorantes que quase o derrubava para avançar na fila. 

Depois de um tempo, Pedrinho conseguiu encher seus litros de água, e os amarrou na garupa de sua bicicleta, bicicleta que pertencia ao seu pai. A família só tinha condição para ter uma bicicleta, e esta, além de ser bem velha, fora comprada de segunda mão. Quando ele terminou de subir a rampa, ao montar na bicicleta já pronta para ir para casa, seus litros caíram no chão e foram rolando rampa a baixo. 

A paciência de Pedrinho já estava se esgotando, ele chegou a pensar em deixar tudo e ir sem a água para casa, mas depois resolveu pensar direito e achou melhor não, porque da última vez que voltou para casa sem o serviço concluído, lembrou-se apenas da sorte de ter um pé de goiaba alto no seu quintal, ou seu azar...

Ao chegar em casa, Pedrinho entregou a água para sua mãe. Ela então o mandou ao “Comércio da Lora” para comprar velas. O comércio chamava-se “Comercial Carvalho”, contudo, as pessoas só o chamavam de “Comércio da Lora”, devido aos cabelos da atendente, dona do estabelecimento. 

Só então quando voltou do comércio, Pedrinho percebeu todo o movimento da cidade, porque tinha acabado de comprar a última vela e questionou sua mãe o motivo de todo aquele alvoroço no comércio, e lembrou-se da “Fonte da Miquilina” e também da Igreja, que no caminho de volta da fonte para sua casa, ele havia passado por lá. 

Ela explicou que há três dias foi anunciado na rádio o fim do mundo, e que no sétimo mês daquele ano, haveria uma escuridão tão grande que a terra iria se acabar. Foi também pelo rádio que a cidade ouviu as instruções que só iriam salvar-se quem tivesse em casa água e vela benta. Como a “Fonte da Miquilina” era de água pura, todos preferiram ir pegar lá. 

A mãe de Pedrinho também lhe falou sobre uma carta que jogaram por debaixo das portas das casas. Nela estava escrito “Em 1999 e sete meses, do céu virá um grande rei do terror. Ressuscitará o grande rei D’ANGOLMOIS. Antes que Marte reine pela felicidade”. 

Bastou isso para Pedrinho não sair mais de casa. A sua imaginação era de bolas de fogo caindo do céu, o chão se abrindo e tudo explodindo. Além de tímido e uma mente fértil, também era muito medroso. Certo dia, ficou desesperado quando viu pela primeira vez sol e chuva. Já achava que ali o mundo estava se acabando. 

Em meio a toda essa confusão, havia na cidade uma mulher muito religiosa, chamada Dona Santa. Ela foi a única que não se abalou com as notícias. As pessoas ficavam perguntando se ela não queria salvar sua família. Ela sempre respondia o seguinte, “ — o mundo não vai se acabar, quem vai se acabar somos nós, quando vier o julgamento final, e isso ninguém sabe, só Deus. Está escrito na bíblia: ‘dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho’. E eu, tenho fé, não preciso me abalar”.

Em meio a todo esse rebuliço na cidade de Itapecuru Mirim, passou o mês de agosto, o de setembro, o de outubro, o de novembro e dezembro. Passaram-se também os anos. E até hoje o mundo não se findou. Porém, a “Fonte da Miquilina”, essa sim, acabou-se!

Leandro de Assis Nascimento dos Santos
(Estudante do Curso de Letras pela UEMA, Campus de Itapecuru Mirim – CESITA).

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Lindo conto, parabéns ao Leandro e aos estudantes da UEMA-Itapecuru pelo gosto em produzir, seja literatura ou qualquer outra forma de manifestar a Língua Portuguesa.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Esse conto é belissimo, parabéns Leandro. Desejo ler mais contos seus.

    ResponderExcluir