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segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

HISTÓRIA E LEMBRANÇAS





Benedita Azevedo

       A história de Kelru vem da primeira metade do século XVIII. O fundador do povoado, o irlandês, Lourenço Belfort chegou ao Maranhão em 1736. Nas mãos trazia  uma carta de sesmaria do governo provincial,  instalou-se do lado esquerdo do rio Itapecuru com planos avançados para a lavoura e comércio.  Kelru é o nome do antigo condado dos Belfort na Irlanda, segundo a família Lima que mantém a memória da família  do fundador e do povoado.

     A Estrada de Ferro São Luiz - Teresina, teve uma “inauguração oficial” no dia cinco de março de 1921. Mas, teve de esperar a conclusão da ponte sobre o rio Parnaíba e somente em 1938 os trilhos chegaram a Teresina, 


      Surgiram as rodovias com transportes mais rápidos, mas, não mais seguros.  A ferrovia tornou-se obsoleta e muitas estações foram desativadas no percurso São Luís -Teresina,  inclusive  a de Kelru.  O povoado que  circundava a estação também desapareceu. Hoje só restam ruínas. A parte do antigo engenho e a capela  ainda permanecem. Trens de passageiros rodaram até 1991.  Um investimento tão grande para  tão pouca duração,  somente 53 anos.  Hoje, somente cargueiros trafegam pelo caminho de ferro. 

         Lembro-me de que em 1958, quando eu tinha 13 anos e estudava no Grupo Escolar Gomes de Sousa, em Itapecuru Mirim, certo dia, ao chegar da escola, percebi meus pais cabisbaixos e minha mãe parecia ter chorado. 

         Pousei os livros sobre a mesa da sala, meu pai se aproximou e perguntou se eu gostaria de conhecer a capital? Meio desconfiada perguntei por quê? Ele disse que mamãe fora aconselhada pelo Sr. Orlando Mota a fazer uma consulta médica em São Luís, pois estava sentindo alguns sintomas que exigiam exames mais cuidadosos. É claro que os dois já haviam decido que eu iria fazer companhia a minha mãe e nem esperaram a minha resposta.

         Elisa já está arrumando as coisas de vocês. Meus carinhos vai ficar em casa da prima dela, à Rua Janssen Matos, perto da Beira Mar. Precisa fazer os exames e esperar os resultados, talvez tenham de ficar lá duas semanas. "Meus carinhos" era como meu pai sempre se referia à minha mãe. 

        A viagem seria de trem. Meu pai iria nos acompanhar até São Luís e voltaria no dia seguinte. Saímos de nossa casa na Trizidela, atravessamos a ponte de tábua, passamos em frente à casa de Zequinha Matias que, da janela desejou que tudo corresse bem e que voltássemos logo.

        Andamos até os trilhos da rodovia e seguimos pela lateral direita e alcançamos a casa do Sr. Luís Lopes, bem ao lado da estação, que ali residia com a esposa e as duas filhas. parecia que já nos esperavam. As duas mulheres se abraçaram e os homens apertaram as mãos num gesto de solidariedade. Chegando à plataforma, minha mãe segurou na minha mão e perguntou se eu estava com medo. Eu disse que não. Ela confessou que estava apavorada, pois nunca tinha viajado. Meu pai percebendo a situação, colocou a mão sobre o ombro dela. Quando o trem apitou na curva ela apertou minha mão com força e segurou-se a meu pai.

Entramos, nos acomodamos no banco do carro de segunda classe e o trem partiu. Meu pai ia descrevendo para mim e mamãe cada detalhe do percurso. Não demorou muito e ele começou a comentar a povoação de Kelru. Uma fileira de casas, algumas cobertas de telhas e a maioria com paredes de taipa e cobertas de palha de palmeira babaçu. A engrenagem do trem rangeu e ele começou a parar. Apareceu um mensageiro avisando que o trem pararia por um tempo maior  naquela estação para resolver um problema. Meu pai perguntou por quanto tempo? Ele disse que seria suficiente para quem quisesse tomar um café com bolo de macaxeira. 

Mamãe não quis descer. Fomos Eu e papai. Ele se aproximou de uma mesa onde uma senhora tinha  sobre a toalha branquinha bules de café, cuscuz, bolo de macaxeira e bolo de tapioca. Tomamos café com bolo de tapioca e levamos para mamãe dois  inteiros, enrolados em papel de embrulho. Aqueles antigos, grossos e acinzentados.

Meu pai pegou-me pela mão e andamos pela plataforma, olhamos o nome da estação e a data de inauguração. O trem apitou dando sinal de partida. Todos retomaram seus lugares e partimos rumo a São Luís.

Em 2012, com um grupo de confrades da AICLA - Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes, voltei a Kelru. Após sessenta anos, a estação já não me pareceu tão grande, ma, a tristeza de vê-la em ruínas fez que todo meu organismo reagisse diante da impotência do ser humano diante da  inexorabilidade do tempo.

Em 2016, constatei que também a estação de Itapecuru está toda deteriorada. Fiz fotos conversei com as pessoas, estive no local onde estudei numa escolinha feita de taipa e palhas de palmeira, que já não existe. Quis saber por que outras estações foram reformadas e a nossa não, quando a Trans-nordestina assumiu a ferrovia?

Segundo as informações que tive, a empresa deu um tempo para que cada localidade apresentasse um projeto de reforma e, infelizmente, Itapecuru não se manifestou.

A antiga estação ferroviária do município de Codó acaba de ser transformada num Complexo Ferroviário pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Ministério da Cultura. Será que Itapecuru  não conseguiria, pelo menos, reformar o prédio existente, para que não se transforme em ruínas, feito a de Kelru?
Praia do Anil, 07 de janeiro de 2018
Benedita Azevedo



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