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quinta-feira, 7 de junho de 2018

O DUQUE VAI À VILA




      


Josemar Lima                                       SÉRIE CRÔNICAS – ANO V/nº 54/2018


Eram tempos de guerra em toda Ribeira do Itapecuru! “Ribeira” era o termo usado à época, emprestado do português de Portugal, para o que entendemos atualmente como vale, margens ou bacia hidrográfica do Rio Itapecuru. A mesma coisa acontece com “Arraial”, termo usado em Portugal para as “povoações”, daí surge registros de que nossa atual cidade um dia denominou-se Arraial da Feira.

O ciclo de revoltas dos excluídos já estava em curso no Maranhão desde que chegaram por aqui noticias de que lideranças negras do Haiti tinham conseguido derrotar os colonizadores franceses e proclamado a independência daquela colônia, que se transformou na República do Haiti, sob o comando do ex-escravo Jean-Jacques Dessalines, em 1 de janeiro de 1804. Ampliou-se quando, em 26 de julho de 1838, Vicente Tomás Pires de Figueiredo Camargo, presidente da Província do Maranhão, sancionou uma lei dando poderes irrestritos aos prefeitos para punir os revoltosos, a famigerada Lei dos Prefeitos, como ficou conhecida.

Continuando o ciclo de revoltas, eclodiu na vila da Manga do Iguará, comarca de Itapecuru Mirim, em 13 de dezembro de 1838, a maior delas, sob o comando do vaqueiro Raimundo Gomes, a revolta que se transformou na Guerra da Balaiada e trouxe ao estado do Maranhão a mais importante figura militar do Brasil Imperial.

Em 7 de fevereiro de 1840 tomou posse na Presidência e Comando das Armas da Província do Maranhão, o coronel Luís Alves de Lima e Silva, vitorioso em outras revoltas no período regencial, com a missão de debelar a guerra que se alastrava para além da Ribeira do Rio Itapecuru.

Há registros de que o futuro Duque de Caxias esteve na então Vila de Itapecuru Mirim pelo menos em três oportunidades durante o período da Guerra da Balaiada:

A primeira visita deu-se em razão da sublevação da guarnição militar da Vila de Itapecuru Mirim por falta de pagamento de seus soldos. Os amotinados prenderam os oficiais, inclusive o major comandante Carlos Augusto da Silveira.

Quando soube do ocorrido Caxias arregimentou forças e, a bordo do vapor “Fluminense” desembarcou na rampa Manoel Cobra, então o porto principal da Vila, em 14 de junho de 1840. A rebelião foi de pronto sufocada, os líderes do movimento presos e castigados severamente. Depois de tomar todas as providências retornou a São Luís no dia 25 de junho de1840, utilizando a mesma embarcação.

Foi uma viagem emergencial, pois nessa época os vapores ainda não singravam o rio em linhas regulares, fato que só veio a acontecer em 1849, inclusive com incentivo inicial do próprio Caxias. Fica esclarecido aqui também o porquê dos registros históricos, quando se referem ao primeiro vapor a navegar no Rio Itapecuru, referirem-se ora ao vapor “Fluminense”; ora ao vapor “Caxiense”. O Caxiense foi o primeiro em linha regular, isso em 1849.

No período em que permaneceu na vila montou seu quartel general no prédio da antiga cadeia pública, atualmente sede da Casa de Cultura Professor João da Cruz da Silveira.

A segunda visita efetivou-se em 22 de outubro do mesmo ano com o objetivo de tratar do indulto concedido pelo império aos revoltosos que resolvessem depor as armas, delatar os antigos companheiros de luta e integrarem-se às tropas legalistas. Comprometeu-se a ajudar da construção de uma nova igreja matriz tendo em vista que a então existente, a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, localizada na Praça do Mercado, já não atendia a demanda da população católica da vila.

Essa estratégia usada por Caxias mostrou-se de importância essencial para as vitórias alcançadas contra os quilombolas sob  comando de Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme. Francisco Ferreira Pedrosa, chefe de uma das facções dos rebeldes, tornou-se delator e, por conhecer com detalhes todas as táticas usadas pelos negros, foi figura importante nos embates e êxitos alcançados pelas tropas legalistas de Caxias.

Nomeou uma comissão para cuidar da edificação do novo templo, escolheram com a participação do então vigário, um novo local mais distante da influência das enchentes e, por fim, comprometeu-se a voltar à vila para o lançamento da pedra fundamental.

Essa era uma tática amplamente utilizada – cooptar os representantes das elites locais, principalmente o clero e os fazendeiros, para utilizar suas influências, recursos humanos e financeiros contra os revoltosos. E ele, com a experiência de outras lutas, sabia bem exercer esse papel.

A sua última e mais importante visita à vila aconteceu em 02 de abril de 1841, quando a Guerra da Balaiada já tinha oficialmente sido encerrada e Caxias já se preparava para afastar-se das funções civis e militares da Província do Maranhão. No dia 13 de maio de 1841 ele passou o comando do governo civil da Província ao seu sucessor, João Antônio de Miranda e, na mesma ocasião, passou o comando das armas ao Coronel Manoel de Sousa Pinto de Magalhães.

Veio cumprir a promessa de lançamento da pedra fundamental da nova igreja matriz de Itapecuru Mirim, agora localizada em frente a principal praça da próspera vila que, mesmo assolada pela guerra, continuava sendo um dos mais importantes centros produtores da província.

A solenidade seguiu o ritual romano e materializou-se com a colocação daquela que seria a pedra angular da construção: Uma pedra de palmo e meio, bem quadrada, tendo da face superior a data do ano de 1841 e abaixo as letras L.A.L., iniciais do presidente e comandante das Armas da Província do Maranhão. Para o início das obras fez um avultado donativo, sendo parte oriundo de seus próprios recursos e outra provenientes de verbas do tesouro imperial.

Essa pedra angular passou anos desaparecida, mas felizmente foi recuperada mediante esforços louváveis do nosso conterrâneo e confrade da AICLA, jornalista e escritor Benedito Bogea Buzar. Encontra-se atualmente incorporada ao acervo da Casa de Cultura Professor João da Cruz da Silveira.

Não se tem notícias seguras aonde foi parar a verba doada pois a igreja matriz de Itapecuru Mirim, essa atual, só teve sua construção iniciada em 1928, com novos aportes de recursos provenientes de campanhas comunitárias e outras doações.

Há relatos da época de que a antiga igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos passou por uma substancial reforma e foi sede da Paróquia até 1870, talvez tenha sido custeada com os recursos doados e conseguidos por Luís Alves de Lima e Silva – o Barão e, posteriormente, Duque de Caxias, referência à cidade maranhense que mais sofreu com os horrores da guerra.

Resta para nós itapecuruenses a certeza de que a Guerra da Balaiada se iniciou oficialmente na Comarca de Itapecuru Mirim, que tinha como termo a Vila da Manga do Iguará e, também, teve o seu trágico final aqui na sede da Vila do Itapecuru Mirim, com o julgamento, condenação e enforcamento de Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, evento ocorrido na então Praça do Mercado, às 10h00, no dia 20 de setembro de 1842.  
                         

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