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sábado, 18 de agosto de 2018

AMOR, ESTRANHO AMOR EM KELRU




  

Tiago Oliveira

Em uma de minhas viagens a Kelru, povoado localizado às margens do rio Itapecuru, fiquei sabendo de uma história, que segundo os moradores locais, teria ocorrido, por lá, em meados do século XIX, quando vivia João Belfort, último descendente direto do nobre irlandês Lourenço Belfort.
João Belfort era casado com a bela Gertrudes Gomes de Sousa, herdeira da fazenda Boa Vista dos Gomes de Sousa. Este casal, apesar de ter estudado nos melhores colégios da Capital Maranhense e na renomada Universidade de Coimbra, em Portugal preferiu voltar e viver nas terras de seus antepassados.
Em alguns aspectos, o enlace matrimonial deles não fugia a um costume daquela época, que era o casamento entre parentes, onde geralmente o homem era bem mais velho que a mulher.
João Belfort já passava dos quarenta anos, sendo viúvo de primeiras núpcias e primo de segundo grau de seu cônjuge; era formado em Direito, mas não chegou a seguir carreira, pois, preferia a labuta da lavoura e criação de gado como seus antepassados. Homem rude tratava sua escravaria com extrema dureza, porém mantinha certas intimidades com uma de suas escravas de dentro, a bela e sedutora Augusta Mina, que almejava ser uma sinhazinha como a sua senhora.
Augusta era irmã da bela e meiga Patrícia Mina, escrava de companhia de Gertrudes. Ambas, filhas de Agostinho Mina e Florença Mina, casal liberto por Gertrudes, que além de alforriá-los confiou a eles a importante missão de cuidar da tricentenária Capela de São Patrício. Fatos que contribuíram para a dedicação de Patrícia por sua sinhá.
Quando recebeu a sua alforria Agostinho Mina em retribuição a sua sinhazinha lhe deu de presente uma égua prenha, que logo deu a luz ao poldro Fulupo, que despertava grande admiração por onde passava, mas era muito arisco e não permitia que ninguém se aproximasse dele, com exceção de Patrícia e sua sinhá. O animal foi crescendo e não permitia montaria, todos tentavam, mas nada do bicho ceder; até que Agostinho Mina teve a ideia de levar as duas para testar a montaria no mesmo, este ato deu certo, mas acabou despertando nas moças fascínio pelo animal.
O velho João Belfort, sabedor das peripécias de Fulupo, demonstrou certa indiferença por sua companheira passar horas afio nos campos tentando domar um cavalo. Pois, dispensava o resto do seu libido com a fogosa Augusta Mina às escondidas, pelas ribanceiras do Itapecuru. Concomitantemente, Gertrudes se afeiçoava ainda mais com Fulupo passando a ter desejos carnais por ele, porém se resguardava; contudo, resolveu se abrir com a confidente Patrícia Mina, que demonstrou espanto com os desejos da sinhá, mas resolveu ajudá-la e apoiá-la caso ela quisesse desfrutar de alguma intimidade com o viril animal.
Em certa ocasião as duas foram visitar uma curandeira, que era conhecida como a guardiã do cemitério dos Belfort e Gomes de Sousa, nas proximidades do povoado Pirinã. No caminho confabulavam sobre a tal atração sexual da jovem fidalga por Fulupo e como poderia haver conjunção carnal, entre o casal fora do comum. Mas, durante a visita, enquanto Gertrudes conversava com a curandeira, a velha senhora trouxe de seus aposentos uma bela toalha tecida em sua própria casa com o bom algodão da região.
Então, Patrícia Mina teve uma ideia e resolveu propor para a sua sinhá no caminho de volta. Quando as duas pararam no cemitério a bela escrava relatou que era só a sua sinhá se agachar por baixo do Fulupo, e que para impedir que ele tentasse penetrá-la, ela enrolaria a toalha recebida como presente no órgão sexual do bicho.
A sinhazinha sentiu no seu ímpeto um desejo incrível por tal ato sexual, mas ao mesmo tempo tinha receios, porém não resistiu e resolveu se entregar a tamanha atração. Assim, as duas procuraram um local apropriado na mata da região e assim ocorreu o primeiro ato de amor entre Gertrudes e Fulupo. À noite já em seus aposentos a jovem fidalga não parava de imaginar no que havia ocorrido; e por isso, com o passar dos dias as visitas à região do Pirinã, pelas confidentes tornar-se-iam mais frequentes, fato que despertou a curiosidade de Augusta Mina e a fez segui-las.
Andando sorrateiramente pelas matas da região a astuta Augusta Mina, viu o que jamais podia imaginar sua Senhora se entregando aos seus desejos mais promíscuos com Fulupo. E logo pensou que era a oportunidade perfeita para ela se livrar dela e galgar ascensão social, ao contar tal segredo ao seu amante João Belfort. Logo, voltou para a sede da fazenda correndo para relatar o que havia presenciado, de longe avistou o seu senhor sentado numa cadeira na varanda da casa grande e não perdeu tempo foi logo indagando o velho sobre a sua senhora:
- Este relatou que não sabia.
- Augusta, retrucou e disse que: - você deveria saber senhorzinho, porque eu sei e não é coisa boa não!
João, então disse: - pois, fale e não me amole com conversa fiada, ora...
Augusta, então chamou o velho para a beira do Itapecuru e relatou tudo o que havia presenciado. Este de imediato desconfiou de tamanha audácia de sua companheira, contudo foi provocado por sua escrava a seguir os passos de sua esposa e tirar suas dúvidas. E assim fez, resolvendo esperar nova visita de Gertrudes à região do Pirinã.
O velho, Belfort passou dias e dias pensando na cena que poderia presenciar e no escândalo que viria ser caso esta história fosse de conhecimento de todos, por isso mudou de ideia e resolveu chamar Patrícia Mina para uma conversa. Ao indagar e pressionar a moça sobre os atos libidinosos de sua companheira com o cavalo ouviu que tais fatos eram verídicos.
Este ficou analisando toda a situação, então o velho fidalgo disse a Patrícia, que não tinha coragem para desmascarar a companheira, mas pediu a ela para que durante um novo encontro conjugal deveria retirar a toalha que segurava o ímpeto de Fulupo, afim de que o mesmo penetrasse a sua amante, para causar uma hemorragia nela, o que poderia levá-la a uma morte prolongada e dolorosa. E assim, teria a sua vingança. Patrícia Mina advertiu que não faria tamanha maldade com sua sinhá, mas o velho Belfort, argumentou que caso não o fizesse, iria colocar o velho Agostinho Mina no pelourinho e chicoteá-lo até a morte.
Por pior que poderia ser, o plano de João Belfort saiu como planejado, enquanto Gertrudes sofria em seus aposentos de uma forte hemorragia, ele mandou colocar o cavalo Fulupo numa solta distante da sede da fazenda e preparar um mausoléu a poucos metros da casa grande, que supostamente seria uma nova capela. Após dias de sofrimento a bela fidalga Gertrudes Gomes de Sousa Belfort veio a óbito.
João mandou buscar o cavalo da solta e com as suas próprias mãos perfurou a garganta do animal com o seu punhal. Para completar a sua vingança, decidiu enterrar o casal incomum, na mesma cova, amarrados pela toalha companheira de suas caricias. E ordenou para todas as pessoas da localidade que jamais deveriam abrir o mausoléu, mesmo após a sua morte.
Tempos depois, vendo que seu plano de ascender socialmente havia falhado, Augusta Mina resolveu contar o que sabia para os moradores da região, o que causou grande constrangimento para João Belfort, por conta da repercussão negativa de toda a história para a sociedade patriarcal e altamente conservadora da época. E assim surgiu o estopim para a não permanência do último Belfort da Ribeira do Itapecuru.
Atualmente, quem visitar a antiga Fazenda Kelru encontrará um belo casarão e ao lado deste uma imensa árvore, conhecida como faveira abraçando uma parede que supostamente seria do antigo mausoléu, que guarda os restos mortais daquele casal, Gertrudes e Fulupo; além de uma bela capela, morada do quadro em homenagem a São Patrício.  



Tiago de Oliveira Ferreira é Graduado em Língua Portuguesa e Literatura (UEMA) e Pós-graduado pelo Instituto Superior Franciscano (IESF). Professor de Santa Rita (MA) e Itapecuru Mirim. Professor Substituto da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Campus CESITA – Itapecuru Mirim. Livros publicados:  Caminhos do Itapecuru uma viagem, pelo Jardim do Maranhão (2016); Areias de Santa Rita (2017). E membro da Academia Itapecuruense de Letras, Ciências e Artes – AICLA.







Um comentário:

  1. Existe alguma prova cabível dessa história? Eu francamente não acredito nisso. Acho também que ao divulgar uma história com esse teor "imoral", não fica chato e constrangedor para os atuais proprietários do lugar? Mesmo sabendo que não se trata da época atual, para mim, é sim constrangedor. Infelizmente muita gente ainda tem uma mentalidade poluída e pode vincular o século XIX ao século XX. Entende o que eu quero dizer?

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