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sábado, 28 de setembro de 2019

A LINGUAGEM DOS SINOS



  


Mauro Rêgo (*)

           
Fim de semana em São Luís. 6 horas da tarde, hora do Ângelus. Procuro ouvir a voz dos sinos das igrejas que enchiam de mistério os meus ouvidos de pré-adolescente (70 anos atrás) e não os ouço, o que me traz uma tristeza recheada de saudades. Recordo de Ribamar Carvalho, pois juntos, procurávamos saber qual destes estava tocando: São João, Santo Antônio, Carmo, Sé ou São Pantaleão? Cada um deles com seus diferentes sons, que enchiam a cidade às Ave-Marias ou quando anunciavam que alguém tinha deixado este mundo...
            No dia da Ressurreição eles nos acordavam às 5 horas da manhã; repicavam anunciando as várias cerimônias religiosas e somente se calavam nos dias mais sagrados da Semana Santa. Fico tentando recordá-los perguntando-me “o que aconteceu com a Igreja Católica” que não exigiu que essa comunicação continuasse?”.  Meu neto João Vítor Rêgo Muniz, católico fervoroso, me informa que as novas igrejas já não os têm e que as antigas estão precisando de reformas.
Recordo que o Padre Chiquinho de Anajatuba me ensinou a repicá-los. Eram apenas dois na igrejinha de nossa cidade e nós (eu e Ribamar Carvalho) disputávamos o privilégio de fazê-los soar aos domingos e, principalmente, durante os festejos de Nossa Senhora do Rosário, padroeira do lugar. No dia de Finados ou quando alguém morria, os seus dobres dolentes enchiam de tristeza a alma dos paroquianos. Nós substituíramos Zé Flautim nessa tarefa.
Recentemente, no dia da bênção da nova igreja, o Padre Hélio, atual vigário de Anajatuba me dizia que a nova torre não tinha condições de arcar com essa instalação. Disse-lhe do meu desejo de que voltassem a badalar como historicamente acontecia. Nessa ocasião, não pude me furtar a essas lembranças e repeti um antigo poema cujo autor foge da minha memória agora:
                        “Sino, coração da aldeia,
                        Coração – sino da gente
                        Um a sentir quando bate,
                        Outro a bater quando sente”.

“A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. É com essa citação, tirada de um poema de John Donne, poeta inglês do século XVII, que Ernest Hemingway marcou o início de uma de suas obras mais importantes: Por Quem os Sinos Dobram.
O memorialista brasileiro Rafael Sette Câmara, falando sobre os sinos das cidades históricas de Minas Gerais, comentou: “A linguagem dos sinos, como aprendi em várias passagens por cidades históricas repletas de igrejas, é cheia de nuances. Um sino pode tocar para marcar o horário de uma missa. Mas também pode fazê-lo para avisar de uma emergência, como um incêndio, chamar para um dia de procissões, avisar de um nascimento ou relatar uma morte. Nos repiques dos sinos há informações que hoje poucos conhecem. “
Essa linguagem, cheia de mensagens cifradas, leva à pergunta óbvia, assim que os sinos de uma igreja começam um cântico fúnebre: por quem os sinos dobram? Ou, em outras palavras, quem morreu? John Donne, poeta e pregador inglês, ao mostrar a conexão entre tudo que existe, deixa claro que quem morreu foi você.” E conclui:
“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio”. Morremos um pouco a cada morte que presenciamos.
A escritora americana Kate Quinn em seu livro “A rede de Alice”, falando da ocupação da França pelos alemães durante a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais, nos diz que no Norte daquele País, especificamente em Lille, as horas eram marcadas pelos sinos. Refere-se também a Limorges, no Sul da França, onde a voz dos sinos “descia pelo ar preguiçoso do verão”! Quando fala de “Oradour-sur-Glane”, destruída pelos alemães em 10/06/1944, ela faz uma pergunta aflita: Será que os sinos tocaram? 
            Esses comentários justificam a minha tristeza quando não ouvi os sinos das igrejas de São Luís.
(Mauro Rêgo é escritor, membro da Academia Anajatubense
de Letras, Ciências e Artes (ALCA) e da Academia Itapecuruense
                          de Ciências Letras e Artes (AICLA)

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