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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

MEU DIVINO ESPÍRITO SANTO

       Benedito Buzar

No calendário religioso do Maranhão, a festa em homenagem ao Divino Espírito Santo dá ao mês de maio uma singularidade especial. O evento está de tal modo presente na cultura popular maranhense que é celebrado, com ritual específico e diversificado, em 150 municípios, sendo 66 em São Luís e 84 no interior do Estado, conforme levantamento feito pelo Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho.

De acordo com a pesquisadora Maria Michol Pinho de Carvalho, “A Festa do Divino veio de Portugal para o Brasil, por volta do século XVI, com os colonizadores lusitanos, tornando-se popular em vários Estados”, dentre os quais o Maranhão, graças aos casais de açorianos aqui aportados entre 1615 e 1625,

A festa celebra a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. A devoção ao Divino obedece a um ritual em que são figuras centrais o imperador, a imperatriz, os mordomos, vassalos, aias, alferes e caixeiras, estas, vestidas com indumentárias vistosas que se encarregam de tocar as caixas e entoar cânticos de louvor ao Espírito Santo.

Em Itapecuru, no meu tempo de infância e adolescência, quatro festas religiosas despertavam as atenções de meus conterrâneos. Em maio, pontificava a festa do Divino Espírito Santo; em setembro, a festa da padroeira, Nossa Senhora das Dores, predominava; em outubro, celebrava-se com pompa a festa da Santa Cruz; em dezembro, a festa de São Benedito, a mais animada e a mais popular, polarizava intensa e entusiasticamente a comunidade.

Não disponho de informações da época em que a festa do Divino começou a ser celebrada em Itapecuru. Pela presença de expressivos contingentes de colonos portugueses em terras itapecuruenses, é de supor-se que o festejo, a partir do século XVII, tenha encontrado ali ambiente propício para prosperar, reinar e se projetar ao longo do tempo.

Acredito também que o festejo, em minha terra, como evento popular e religioso, impôs-se de tal modo que atravessou séculos e chegou aos meados do século XX, quando começou a perder força em face da morte de um homem chamado Francisco Veras, próspero comerciante da cidade, que em companhia da esposa, Dona Castorina, cuidava dos preparativos do festejo, a exemplo do que acontecia em outras partes do Maranhão, especialmente em Alcântara, dando-lhe imponência, brilho, não fugisse da tradição e fosse cultuado com fervor.

Eu, ainda criança, assisti, empolgado e enternecido, o casal Veras dedicar-se de corpo e alma ao festejo e desdobrar-se para que o ritual do Divino não perdesse a pompa e conservasse suas características originais e intrínsecas, realçadas com a participação do imperador, da imperatriz e da corte, que primavam em se apresentar com roupas deslumbrantes, que lembravam a realeza.

Lembro-me bem do cortejo régio que saia pelas ruas da cidade, sempre acompanhado das caixeiras e da banda de música, que se alternavam nas homenagens ao Divino, em nome do qual arrebanhavam donativos e se transformavam em comidas e doces pelas mãos dos organizadores da festa.

Não posso esquecer o espetáculo proporcionado pelas caixeiras, mulheres de idade madura, que cantavam, dançavam e tocavam caixas – tambores em formato de cilindros, feitos com folha de zinco ou compensado e pintados. O som emanado das caixas era produzido por duas baquetas de madeira e afinadas por cordas laterais, presas a dois aros de madeira.

As caixeiras eram recrutadas na própria cidade, mas também provinham de Anajatuba e dos povoados de Santa Rosa, Outeiro e Felipa, habitat dos quilombolas. Dentre as mais famosas na arte, sobressaiam-se Ana Júlia, Fausta, Antônia Lago, Delfina, Espírito Santo, Minoca, Chiquinha Pendão e Maria Meneses.

O festejo, pelo seu brilhantismo e fervor popular, estendia-se por 13 dias, no curso dos quais a corte imperial cumpria um roteiro recheado de cerimônias, algumas sagradas, outras profanas, com destaque para missas, ladainhas, novenas e cortejos.

Na frente do cortejo, o imperador levava a coroa, e a imperatriz conduzia a pombinha do Divino. Mais atrás, as caixeiras e os súditos. Agrupados, visitavam os mordomos em suas casas, sendo recebidos ruidosamente com foguetes, cânticos religiosos e mesas ornamentadas e repletas de guloseimas.

Uma atração magnetizava os fiéis: a instalação do mastro na frente da igreja, trazido de algum povoado nas costas dos devotos. O mastro, extraído de um tronco de árvore, era revestido de flores e frutas. Bem no alto do mastro, tremulava uma vistosa bandeira vermelha do Divino. Rezava a tradição que o mastro só podia ser retirado da frente da igreja no encerramento do festejo, ato solene e assistido pela comunidade.

Esse encantador evento religioso e popular, que me traz singelas recordações do passado, desapareceu da cena itapecuruense com a velhice do saudoso Francisco Veras, que morreu sem encontrar alguém que o sucedesse no comando da festa.

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