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terça-feira, 31 de outubro de 2023

LOVECRAFT: A CRIAÇÃO DO TERROR CÓSMICO E A ASCENÇÃO DO TERROR PSICODÉLICO

Christian Fonseca

H.P. Lovecraft é reconhecido como o mestre do terror cósmico. Seu estilo único e perturbador de escrita estabeleceu as bases para um subgênero literário que ficou conhecido como "terror cósmico" ou "horror cósmico".

Lovecraft criou um universo fictício chamado "Mitos de Cthulhu", onde entidades cósmicas antigas e poderosas governam o cosmos. As entidades do universo deste aclamado autor, como Cthulhu, Nyarlathotep e Azathoth, estão além da compreensão humana, e sua mera existência é capaz de enlouquecer as mentes mais racionais.

Embora a os gêneros cósmico e psicodélico sejam distintos, eles compartilham elementos temáticos e estilísticos que se entrelaçam em certos contextos.

O terror cósmico de Lovecraft se baseia na ideia de que a humanidade é insignificante e impotente diante das forças do universo. Seus personagens são confrontados com a vastidão do cosmos e a descoberta de que a realidade é muito mais complexa e aterrorizante do que se pode imaginar.

Embora Lovecraft não tenha devotado sua escrita especificamente ao terror psicodélico, pode-se afirmar que alguns elementos de suas histórias estão ligados a esta dimensão estética. Seus contos apresentam descrições vívidas e alucinatórias de seres e paisagens cósmicas, evocando uma sensação de estranheza e maravilhamento.

Além disso, a experiência de seus personagens ao testemunhar a verdadeira natureza do universo muitas vezes é descrita como uma experiência de horror e êxtase, elementos que também são encontrados no terror psicodélico.

A conexão entre Lovecraft e o terror psicodélico é explorada por alguns escritores contemporâneos, que buscam combinar os temas e conceitos do terror cósmico com os elementos alucinatórios e psicodélicos.



sábado, 28 de outubro de 2023

HOMENAGENS À GONCALVES DIAS

       5 Poemas em homenagem ao bicentenário de Gonçalves Dias.

 

  *Theotonio Fonseca

 

Juracema dos Ventos

 

O sol a iluminava com a leveza do colibri

que oscula a flor. O peplo cróceo da alvorada

como véu que veste a fronte da musa amada

cobriu-lhe o desnudo corpo antes de partir

 

tão logo o argênteo dia partira, a noite surgira

e do oceano irromperam flâmulas de morticínio

famintos de ouro e sedentos de extermínio

adentraram o seio virginal das florestas

 

Tupã vendo o fim de seus filhos entre frestas

da divina visão sob a fumaça de vil pressago

dos arcabuzes a cravar pólvora no triste fado

em cada caravela escancarava-se uma janela

para a sangria que dizimaria os filhos da floresta

em cada ranhura do tempo a face de lamentos

a planger dos mil povos o desaparecimento

 

Juracema nadava entre vitórias-régias e iaras

quando ouvira o clangor dos primeiros estampidos

afugentando das árvores o azul das araras

ressoando dos curumins o lancinante gemido

 

Vendo-lhe a dolente lâmina a abrir sem pejo

a alma lacerada pela vergasta da dor infinda

Tupã aprouve de encantar a jovem tupinambá

na eólica forma de um vento benfazejo

 

e hoje quando nas aldeias uma menina

sente os lábios da aragem suas madeixar roçar

é Juracema dos Ventos que a parente abençoa

recordando que o ancestre uirapuru ainda ecoa

e em Pindorama este canto não haverá de calar.

 

O ancião e o tamoio

 

As cãs são as mesmas na neve que as define

o pranto é o mesmo no sal que lhes habita

e o sangue que singra-lhes o alquebrado corpo

tem o mesmo rubro eivado do divino sopro

 

mas o caminhar é distinto nas sendas da vida

o navegar é diverso nas águas do destino

o ancião vê passado, presente e futuro

como temporalidades divisíveis

o tamoio compreende a unidade do tempo

vida e morte como faces do mesmo dracma

corpo e alma como pergaminho unívoco

sem as ambiguidades do maniqueísmo

 

para além das semânticas individuais

do rol de crenças e da mó de certezas

os moleiros dos ciclos do existir

vão triturando impiedosamente a natureza

servindo fealdade em baixelas de antiga beleza

 

e o que unifica ancião e tamoio é a lápide

do porto onde todas as âncoras são fincadas

ilha sonâmbula onde sonhos exilados

gestam a putrefação entre o cipreste a áspide

 

é a morte, nada pode desdourar seu escuro

ou silenciar o sonoro címbalo de seu chamado

nada equaciona a lógica de seu absurdo

ou pode aterrissar seu pleno voo alado

 

e ao fim da navegação em derredor do existir

não existirão jardins além do bojador

apenas vermes a sacramentar o fim

entre raízes e ossos, areia, larvas e odor.

 

Flauta de taquara

 

Em Pindorama todo som emudecia

o maracá do pajé, da jaguatirica a cria

o estridor dos trovões, o rugido das feras

o crocitar do corvo e o sibilo de áspide velha

 

até mesmo a voz encantada da iara

silenciava diante da flauta de taquara.

Quem a executava? Ninguém o sabia.

Quem a manejava? Desconheciam.

 

Uns dizia ser Tupã em sua moradia

outros ser Pã na distante Hélade

a rústica flauta paralisava o toré do dia

e dilatava o quarup noturno de Hécate

 

Pachamama ao ouvir o instrumento

na alfombra do universo a fronte reclinava

a celeste música singrava mares de ventos

doce sinfonia que a criação embriagava.

Ainda hoje ninguém decifrara a autoria

da jubilosa flauta de ancestral magia.

 

Canoa de ossos à beira nau

 

Singrando rios de coagulado sangue

navegando a terra em transe e exangue

para desaguar em um golfo de lágrimas

no leme a sombra do Princípe Jacarandá

remando dores em busca de algum mar.

 

O que restara da queda do céu?

O que sobrara dos mil povos de Tupã?

Estrelas moribundas e astros ao léu

tingindo de luto o peplo cróceo da manhã

na proa fantasmática ressoa o grito do urutau

réquiem para a canoa de ossos à beira nau.

 

O discurso de sumé

 

Peregrinando o chão em busca de vestígios

do dilúvio que Tupã enviara à humana barca

indícios do heroísmo do nauta Tamandaré

e da canoa que abrigara nossos ancestrais

o Princípe Jacarandá achara Sumé a rezar

levitando sob uma touceira de mato

o santo descerrara as pálpebras e a falar

reuniram-se feras, áspides e bojudos sapos:

 

 – Queima a pele e os ossos da alma sofrida

ver os homens caminharem sem direção

como quem desconhece chegada e partida

e caminha em círculos à deriva na solidão.

 

Ensinei-os a lavrar o solo de Tupã

o cultivo da mandioca, da banana e do milho

a invocar a chuva nas tórridas manhãs

a cura dos curumins livrando da morte os filhos.

 

O que hoje vejo no triste chão de Pindorama

são florestas ardendo em incontrolável chama

são meus filhos a morrer como indigentes

e a peçonha colonial, veneno de vil serpente

inocula o fim do imenso jardim de Nhamandú

 

regressa ao lar antes da queda do firmamento

antes que se desdoure o que restou do azul

e à flauta de taquara compõe teu último lamento.

 


*THEOTONIO FONSECA DE SOUSA é Poeta, Professor e Advogado. Autor das obras: Poemas Itapecuruenses e Outros Poemas (Ética, 2014), O Batucajé das Iaras ( Ética, 2016), As Bodas de Sapequara ( Ponto a Ponto, 2021), Recital do Sol na Sagração da Aurora (Ponto a Ponto, 2022), Autobiografia de um Sabugueiro (Ponto a Ponto, 2022), Prelúdio da Lua na Dormição da Noite (Ponto a Ponto, 2022) e A Madona Vestida de Arame Farpado (Ponto a Ponto, 2023)

 

terça-feira, 17 de outubro de 2023

A SAGRAÇÃO DO PRÍNCIPE JACARANDÁ

Theotonio Fonseca

I

E por circundar mares sonâmbulos

o principesco curumim pincelou no horizonte

as contas de juçara de seu rosário de cânticos

na fumaça dos petanguás de taquara

dos tamoios aldeães da nobreza tupi

previu a face da morte no dorso de caravelas

no colorido infante da multicor infância

 

entre o vaticínio do rouxinol e o sortilégio do mocho

navegação de cabotagem no ensanguentado litoral

sargaços e círculos de fadas dos oceanos infindos

elevando ao altar da pedra da memória

a rapsódia ancestre de quem o precedera

com as artes divinatórias da realeza

interpelou o deus oniromante que o visitava:

 

 – O que virá no alaúde ambíguo do mar?

O que se ouvirá? O baldio som do desatino?

A nau bojuda no funil do ser para a morte?

O anafilático desespero da esperança

dos que aguardando divindades receberiam

pães malignos com miolos de rosas

a espada do colonizador sob o véu da rude cruz

dizei-me vós, oniromante Senhor dos sonhos

se os andrajos do fim habitarão nossos corpos?

se o odor de sangue povoará nosso ar?

E é de indizível opróbrio a nave que vem do mar?

II

O dobre do fim nos sinos de um viajor insano?

E por conhecer recônditos segredos das linhas

das mãos de Tupã, e por saber o sabor do leite

que jorra dos verdes seios de Pachamama

o estranhamento com a chama divina do infante

fizera com que o enviassem às estranhas terras

 

para conviver com feras e pajés de anhangá

e se vivo regressasse após esse retiro espiritual

confirmar-se-ia sua vocação para liderar os mil povos

e até que com o cetro de ibirapitanga regesse

a sinfonia de todos os filhos de Nhanderuvuçú

aperfeiçoaria os talentos no templo azulado-lilás

para além do bojador de sua tribo e território

na inóspita senda dos anosos jacarandás.

III

O pajé da tribo acreditando que o príncipe

era apenas um artista que descobria a vocação

e antes que o jovenzinho partisse em pessoal missão

segredou-lhe no ouvido um poema esquecido

que ouvira de um homem branco em tempos idos:

 

  – Segue tingindo o rubro espanto do verso

aquarelas haverão para contagiar de alabastro

os cântaros de cores que te habitam o godê da alma

e quando naufragar a nau bojuda

da espátula ébria de nuances

como menina travessa no trapézio do encanto

abandona teu sonho no íntimo do arco íris

se esta galeria oca não te satisfaz

a sede de escreviver sonhos                     

 

adentra a rosa dos ventos que criaste

e deixando o convívio da vida vazia

dos vivos que não veem o infinito

possas coabitar com os seres de tinta

que em teu ser criaste, habitarás mundos

infindos e lindos cosmos coloridos

IV

 – Dizei-me vós, feiticeiros de anhanguera

se estas águas que beijam as folhas mortas

de jacarandá-mimoso, este regato pútrido

que lambe as chagas do chão maculado

pelos pés dos colonizadores, dizei-me

se nascerei novamente deste charco

se me batizarão os miasmas que habitam

este alagadiço? Sei que aqui sou um proscrito

mas ao nascer banharam-me no rio amazonas

alimentei minha alma com cristalinas fontes

saciei minha sede com a chuva de água pura

 como posso submeter-me a embebedar-me

com o córrego fétido de Anhangabaú?

 

 – O que será nobre príncipe, do diamante

sem a rudeza da rocha, o ouro sem o chão

o tesouro não germina na angelitude das nuvens

ou o angélico legado dos deuses se esconde

para além do humano, em seráficos horizontes?

 

É necessário descer às catacumbas do ser

navegar o lodo onde a rosa esconde a pétala

no estômago telúrico do barro indigesto

nas entranhas de areia, urna de valiosos minérios

 

como regressar ao lar sem conhecer os mistérios

da decomposição, de ínferos reinos esquecidos?

Como conduzir com cetro que não verga

com coroa que o sol e a chuva não desdouram

os mil povos que habitam o berçário de Pachamama?

Sem conhecer a aluvião de limo e o borbotão de lama?

V

Assim, vencendo os desafios que o impuseram

empunhando a coragem que tentavam subtrair-lhe

o príncipe superou as provas fogo e coragem

andou sob as brasas, lutou contra uma onça

derrotando a rude fera cortara - lhe a cabeça

 

no desafio dos magos afugentara demônios

ao fim das provas recebera uma cabaça

contendo a força dos primevos espíritos

e quando a madrugada prenunciava a manhã

adentrou os pórticos da aldeia e quebrando o coité

respirou o pó mágico sorvendo encantamentos

 

do magnetismo que energizara sua alma

teceu as vestes talares de seu reinado

fundindo na forja de fogos fátuos a invisível coroa

 

e o uirapuru anunciou aos mil povos da terra

que o Príncipe Jacarandá havia regressado

sentar-se-ia no trono de Tupã, liderando com vigor

todas as etnias na batalha contra o vil colonizador.



THEOTONIO FONSECA DE SOUSA é Poeta, Professor e Advogado. Autor das obras: Poemas Itapecuruenses e Outros Poemas (Ética, 2014), O Batucajé das Iaras ( Ética, 2016), As Bodas de Sapequara ( Ponto a Ponto, 2021), Recital do Sol na Sagração da Aurora (Ponto a Ponto, 2022), Autobiografia de um Sabugueiro (Ponto a Ponto, 2022), Prelúdio da Lua na Dormição da Noite (Ponto a Ponto, 2022) e A Madona Vestida de Arame Farpado (Ponto a Ponto, 2023)