terça-feira, 17 de junho de 2025

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

          

*Paulo Melo Sousa

Em 1972, a Organização das Nações Unidas - ONU realizou a primeira Conferência sobre o Ambiente Humano, também conhecida como Conferência de Estocolmo. No evento, veio a lume uma declaração municiada com 26 princípios e um Plano de Ações que deveriam orientar as atitudes humanas, atividades econômicas e políticas de forma a garantir maior resguardo ambiental ao planeta. Em virtude do dia da realização da conferência ter sido 5 de junho, ficou instituído desde então essa data como o Dia Mundial do Meio Ambiente. O evento global foi motivado pelos alertas de diversos estudiosos preocupados com a questão ambiental. Cabe lembrar o surgimento, em abril de 1968, do famoso Clube de Roma, em razão da realização de um encontro de trinta especialistas de diversas áreas - educadores, cientistas, economistas, humanistas, dentre outros - reunidos na Accademia dei Lincei, em Roma, sob a instigação do empresário industrial italiano Aurelio Peccei, visando a discussão dos dilemas presentes e futuros da humanidade.

O Clube, também denominado de “Colégio Invisível”, debruçou-se sobre questões extremamente pertinentes, examinando o “complexo de problemas que afligem os povos de todas as nações: pobreza em meio à abundância, deterioração do meio ambiente, perda de confiança nas instituições, expansão urbana descontrolada, insegurança de emprego, alienação da juventude, rejeição de valores tradicionais, inflação e outros transtornos econômicos e monetários”, o que provoca deterioração social. Hoje, passados quase 60 anos do primeiro encontro do grupo, tais questões permanecem desgraçadamente atuais.

Os estudiosos chegaram à conclusão de que existem 5 (cinco) fatores que limitam o crescimento racional (super-população, produção agrícola, recursos naturais, produção industrial e poluição). As previsões desalentadoras provocaram declarações preocupantes, como as do então Secretário-Geral da ONU, U Thant, que, em 1969, afirmou o seguinte: “não desejo parecer excessivamente dramático, mas, pelas informações de que disponho...só posso concluir que os membros das Nações Unidas dispõem talvez de dez anos para controlar suas velhas querelas e organizar uma associação mundial para...melhorar o ambiente humano, controlar a explosão demográfica e dar às tentativas de desenvolvimento o impulso necessário. Se tal associação mundial não for formada...então será grande o meu temor de que os problemas que mencionei já tenham assumido proporções a tal ponto estarrecedoras que estarão além da nossa capacidade de controle”. Hoje, essa reflexão sobre a possibilidade de fuga do controle da situação pode ser resumida numa expressão bastante usada ultimamente: ponto de não retorno (conceito que diz que existe um limite além do qual seria impossível qualquer sistema retornar ao seu estado anterior).

Outro grande passo em termos de alerta global para o assunto em tese foi deflagrado em 1987, por intermédio do chamado Relatório Bruntland. Esse documento foi elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU e presidida pela então Primeira-Ministra da Noruega, Gro Bruntland. No varejo, o relatório exercitou uma visão crítica sobre o modelo de desenvolvimento adotado pelas nações industrializadas e imitado pelos países em desenvolvimento, no qual o uso excessivo dos recursos naturais foi denunciado como prática daninha, pois tal procedimento não leva em conta a capacidade de sobrevivência e de recuperação dos ecossistemas. Esse famoso Relatório inaugurou o termo desenvolvimento sustentável, definido como um modelo que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazer as suas próprias necessidades”.

Cinco anos depois, em 1992, foi realizada no Rio de Janeiro a famosa ECO-92, evento global que produziu, além da sensibilização das sociedades e das elites políticas, alguns documentos oficiais fundamentais: A Carta da Terra, a Agenda 21, um dos principais resultados da conferência, documento que estabeleceu a importância de cada país se comprometer em refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. Da ECO-92 surgiu também a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - CQNUMC, tratando das mudanças climáticas globais. Da assinatura dessa convenção, que entrou em vigor em 1994, foi estabelecido um quadro para ações internacionais sobre mudanças climáticas, e daí surgiu a Conferência das Partes (COP), evento anual que reúne países para discutir a questão ambiental e encontrar “medidas para combater as mudanças climáticas, avaliar o progresso das políticas ambientais e definir novos compromissos para a redução de emissões de gases de efeito estufa”. Neste ano, será realizada aqui no Brasil, em Belém, a COP-30. Infelizmente, tais alertas e promessas de ações a serem feitas têm sido jogadas repetidamente para escanteio pelos líderes mundiais, o que vem colocando o planeta numa desagradável e apocalíptica sinuca de bico.

No rol das tentativas de salvaguardar o meio ambiente, cabe citar Os Objetivos do Milênio - ODM, metas estabelecidas pela ONU no ano 2000, com apoio de 191 nações. Dentre as metas, destaca-se a “garantia da qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente”. Essas determinações foram ampliadas pela própria ONU, através de outro documento, que se conhece hoje como Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS. O objetivo 14 prevê a conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. Por sua vez, o Objetivo 15 adverte que é preciso “proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”. Complementando, “fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável” é a meta do Objetivo 17.

Dando prosseguimento às discussões sobre questões ambientais, cabe citar o Protocolo de Kyoto, tratado complementar à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, documento gerado na ECO-92, primeiro acordo juridicamente vinculante que estabelecia metas de redução de emissões de gases para os países desenvolvidos (causadas pelas indústrias, por veículos a combustível fóssil, etc.) e os que, à época, apresentavam economia em transição para a industrialização, considerados os responsáveis históricos pela mudança atual do clima. Criado em 1997, o Protocolo entrou em vigor no dia 16 de fevereiro de 2005, logo após o atendimento às condições que exigiam a ratificação por, no mínimo, de 55% do total de países-membros da Convenção que fossem responsáveis por, pelo menos, 55% do total das emissões medidas no ano de 1990.

Vale ressaltar o comprometimento da igreja católica com a questão. Basta citar a já histórica Encíclica "Laudato Si”, publicada em 2015 pelo falecido Papa Francisco, antes do Acordo de Paris, cuja essência reside na ideia de que "tudo está conectado". Com proposições antenadas com o pensamento ambientalista atual, a Encíclica afirma que “a humanidade e a natureza são partes de um mesmo todo, e a degradação ambiental tem impactos sociais, econômicos e espirituais”. O texto cobra ainda a “responsabilidade coletiva na preservação do planeta, incentivando um olhar ecologista integral e ações para mitigar as mudanças climáticas, promover a sustentabilidade e garantir um futuro para as próximas gerações”.

O Acordo de Paris foi mais uma tentativa de elaboração de propostas para salvar o planeta, e surgiu na COP 21, em 2015, na França; estabelecia um acordo que visava limitar o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2 graus Celsius, com o objetivo de se alcançar 1,5 graus Celsius. Esse é um acordo também juridicamente vinculante, “significando que os países signatários têm o dever de cumprir os compromissos assumidos” na Conferência. Aprovado pelos 195 países integrantes da CQNUMC, o documento cobrou a redução das emissões de gases de efeito estufa no contexto do desenvolvimento sustentável.

A degradação da natureza, perpetrada pela espécie humana, tem relação direta com a desordem espiritual do próprio homem. O físico David Bohm (1917 / 1994), mistura Caósmica de cientista e filósofo, no seu livro A Totalidade da Ordem Implicada, afirma que a fragmentação do indivíduo e da sociedade é um erro crasso que “vem ocasionando a poluição, a destruição do equilíbrio da natureza, a superpopulação, a desordem política e econômica em escala mundial, e a criação de um ambiente global que não é saudável”. Bohm foi um visionário que engendrou um novo paradigma, estruturado na ideia de que qualquer coisa existente abriga dentro de si a totalidade do Cosmos, entendido como amálgama indissociável entre matéria e consciência, o contrário da fragmentação detectada.

É o que nos falta neste momento, consciência crítica, a centelha de luz coletiva que talvez nos salve da destruição iminente. Apostar nessa possibilidade pode ser a única tábua de salvação na aventura existencial da destrambelhada espécie humana neste planeta. Voltaremos a escrever sobre a temática ambiental neste espaço antes da realização da COP-30, inclusive abordando questões polêmicas já criadas neste ano aqui no Brasil em relação ao assunto, para ampliar a reflexão sobre esta pauta crucial para a sobrevivência do planeta.

 

  


*Paulo Melo Sousa
é Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA; possui graduação em Comunicação Social pela UFMA (1991) e graduação em Desenho Industrial - UFMA (1985), com Especialização em Linguística Aplicada ao Uso das Línguas Materna e Estrangeira e em Jornalismo Cultural (UFMA). Atualmente atua como jornalista. Poeta, ambientalista, pesquisador de cultura popular, escritor com várias premiações em concursos literários, professor e fundador da Sociedade de Astronomia do Maranhão - SAMA (1976). Foi um dos idealizadores do jornal Folha de Gaia, o primeiro jornal ecológico do Maranhão (1990/1992) e um dos fundadores do grupo Poeme-se (1985/1994), de poesia, e criador do Grupo Graal, de poesia e performances (1997).

Paulo Melo Sousa é membro fundador da Academia Ludovicense de Letras - ALL, tendo recebido, dentre outras condecorações, a Medalha do Mérito Timbira, Grau de Comendador do Quarto Centenário de São Luís, a maior comenda do Estado do Maranhão, em 2012. Foi Diretor da Galeria de Arte Trapiche Santo Ângelo (2013 / 2015), Diretor do Convento das Mercês (2015 / 2020). Atualmente é Diretor do Museu Histórico de Alcântara - MHA, desde 2020. Membro fundador e atual presidente da Academia Alcantarense de Letras, Ciências, Artes e Filosofia - ALCAF desde 2024.

 

 

sábado, 17 de maio de 2025

FLORY GAMA

                               

Flory Gama

                          Um Gênio da arte escultórica maranhense

Jucey Santana

            Flory Lisboa Gama, um gênio iguaraense, escultor, pintor e professor, natural de Vargem Grande (MA), era filho de Floriano Gama e de Setembrina Lisboa Gama, nasceu no mês de novembro de 1916. Desde muito jovem se interessou pela arte plástica acadêmica, incentivado por seus pais, e mestres. Em sua cidade, na região do Iguará, passou a demonstrar sua predileção pela arte de escultura, trabalhando com barro, madeira, areia e até lama, desde criança, para admiração de todos, os professores e familiares que passaram a incentivá-lo.

Ainda criança, seus pais o enviaram  a capital, em busca de estudos mais avançados ao inteligente garoto. Ao ser aprovado no Liceu Maranhense, teve como um dos seus professores nada menos que o imortal da Academia Maranhense de Letras, José Nascimento de Moraes, a quem o aplicado aluno muito se afeiçoou, passando a admirá-lo. Aos 16 anos de idade, no início do ano de 1933, ainda com muita timidez, própria da idade, tomou a iniciativa ousada de visitar o professor, solicitando que seus pais o acompanhassem, para presenteá-lo com um medalhão de gesso que retratava o grande mestre. Foi o início de tudo: o professor tomou a si o compromisso de apadrinhá-lo, indicando o caminho a seguir para a conquista dos seus objetivos.

 Escola de Belas Artes do Maranhão

Vale registrar, que nos anos 20 e 30 do Século XX o Maranhão estava com uma boa efervescência no campo artístico, foi criada a Escola de Belas Artes do Maranhão em 1922, em comemoração ao centenário da Independência do Brasil,  tendo apoio de nomes de relevo cultural, como Fran Pacheco, Antonio Lopes, Paula Barros, João Lentini, Telésforo de Moraes Rego, Newton Sá, Ribamar Pereira, Rubens Damasceno,  Filogonio Lisboa* entre tantos outros. A Escola funcionava no Cassino Maranhense, depois mudou-se para a Avenida Magalhaes de Almeida, com cursos de desenho e pintura. Em 1933 foi organizado uma exposição dos alunos da Escola de Belas Artes do Maranhão, no Teatro Artur Azevedo, evento que motivou bastante o jovem Flory, que ansiava por mostrar seus trabalhos de iniciante na arte escultórica.

Na ocasião foi levado à Escola, pelo mestre Nascimento Moraes  e médico  Filogonio Lisboa,  seus maiores incentivadores.  

         Trajetória artística e profissional de Flory

Com o apoio do professor Nascimento Morais e do médico sanitarista Filogônio Lisboa,, seu tio, conseguiu estudar com os famosos artistas maranhenses como,  Newton Sá e Telésforo de Moraes Rego, que o iniciaram na teoria e na disciplina, seguindo a linha acadêmica dos seus mestres.

Em 1937, Flory já tinha montado uma pequena galeria na Rua da Paz, 121, em São Luís (MA), produzindo com afinco, medalhões e bustos de imortais maranhenses, recebendo muitas encomendas e elogios dos amantes da quarta arte.

Sob os auspícios dos imortais da Academia Maranhense de Letras e dos seus mestres e familiares, com apenas 20 anos, realizou sua primeira exposição individual, no Teatro Artur Azevedo, de 22 a 30 de setembro de 1937, muito visitada e aplaudida. Constava na mostra, 50 peças, sendo 8 estatuetas, 27 medalhões e 15 cabeças de intelectuais maranhenses, recebendo críticas elogiosas da sociedade e intelectuais maranhenses que classificavam sua obra de “quase humana”, o chamando de “mocinho de talento”. A abertura foi feita pelo prefeito de São Luis na época, Clodoaldo Cardoso. Estiveram presentes o governador do Estado, Paulo Ramos, a prefeita de Vargem Grande, Hildenora Castelo Branco, o ex governador e escritor, Astolfo Serra, escritores, artistas e autoridades de Vargem Grande e de São Luís.

Em outubro do mesmo ano, ofertou dois medalhões, dos caxienses, Coelho Neto e Gonçalves Dias, para a Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. A Escola reconheceu o valor artístico do trabalho e os incluiu no 48º catálogo anual do Salão, para exposição, em 1938.

 Diante da repercussão positiva da primeira exposição do jovem vargem-grandense, o governador Paulo Ramos sancionou a Lei nº 37,  de 31 de janeiro de 1938, abrindo crédito especial de 3.600$000 (três contos e seiscentos mil réis), para custeio de um ano do curso de especialização em escultura, na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. No mês de fevereiro viajou cheio de sonhos, para uma nova, vida no Rio de Janeiro.

Na capital da República, deu vazão a sua criatividade, entre renomados mestres e toda ferramenta a seu favor sob a proteção do governo do Estado do Maranhão e recomendações dos seus renomados professores e imortais da Academia Maranhense de Letras, gozando de boas relações no meio artístico, estudando grandes figuras da arte nacional e internacional. Passou a produzir com o intuito de participar dos famosos salões anuais, almejando os cobiçados prêmios pecuniários e a venda de seus trabalhos para o seu próprio sustento.

 

   Sofrimentos e vitórias

Flory Gama foi uma figura ímpar, com momentos de alegrias e vitórias, e outros com sentidas derrotas no cenário artístico nacional. No cômputo geral, podemos afirmar que teve mais vitórias que derrotas.

Contavam-se estranhas histórias sobre ele, como sua inabalável vontade de vencer na arte, sem temer obstáculos; antevendo um futuro exitoso, criaram em torno dele uma personalidade quase lendária.

Quando encerrou o subsídio do governo, Flory ficou em situação financeira muito difícil. Não almejava retornar ao Maranhão, e sua família não podia custeá-lo na capital da República.

     Confiante, assumiu seu próprio destino, alugando um quarto para morar e instalar seu ateliê à rua Siqueira Campos,  253, próximo a Escola de Belas Artes. Na ocasião, sofreu a maior maldade para um artista e sua produção em início de carreira, em terra estranha. Por falta de pagamento do aluguel, o filho da dona do imóvel, Silvério Gondae, promoveu um vandalismo inesperado, destruindo as peças em gesso, “Ritmo Alegre” e “Bailarina”, que estava sendo produzidas para o Salão de 1940. Muito jovem e em terra estranha, o artista ficou abalado, mas para sua surpresa, recebeu a solidariedade dos amigos e mestres da Escola de Belas Artes.

A notícia teve bastante repercussão em todo o país, porém o obstinado artista, trabalhou diuturnamente, para produzir uma coleção intitulada “Pinta  meu retrato, conquistando a grande medalha de prata, ainda no Salão de 1940.

Passou muitas privações financeiras. As vezes faminto, dormia nos bancos das praças públicas, foi perseguido pelos invejosos do seu talento, mas não perdeu a luta. Foi um visionário, recebendo o apelido de “Florysionário”.

Ele foi o único artista maranhense a conseguir angariar confiança e ajuda da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, no sentido de assistência humanitária. Depois do episódio de vandalismo com suas peças, o presidente da Escola, Oswaldo Teixeira do Amaral, reconhecendo seu valor e a injustiça sofrida, cedeu o porão da Escola para servir de ateliê e residência durante muito tempo. Anos depois, conseguiu alugar uma casa na rua Décio Vilares, 360, onde instalou seu ateliê e residência.

Nunca decepcionou o amigo e protetor Oswaldo Teixeira, motivo de ciúmes de outros artistas que o viam como uma figura contraditória, que não perdia a pose mesmo em situação difícil.

Considerado antipático por suas maneiras grã-finas, um atleta às avessas:  sapato de verniz, terno escuro, colarinho duro, cabelo bem cuidado com brilhantina, unhas polidas, bigodinho de galã de cinema, com seu inseparável guarda-chuva de cabo de ouro, uma corrente de ouro para prender o relógio no bolso da calça, um ar de provinciano cheio de mania de grandeza”, segundo seus inimigos. Para quem o conheceu melhor, dizia que não existia um amigo mais sincero e leal, calmo, trabalhador, tímido e simplório, tendo por meta principal o almejado prêmio de uma viagem ao exterior para especialização em sua arte.

Em 1949, o então senador maranhense Evandro Viana, a pedido de vários intelectuais maranhenses, no Rio de Janeiro, solicitou, ao então, governador Sebastião Archer, um auxílio financeiro a Flory, por se tratar de um importante maranhense a representar nossas tradições artísticas na capital da República. Não se tem notícia da anuência do gestor.

 

 Prêmios conquistados

Ganhou   os mais destacados    prêmios no   Brasil, de todos os tempos, relacionados a escultura. Alguns dos prêmios:

- Medalha de Prata, no Salão Nacional de Belas-Artes, em 1940, com o tema “Pinta meu Retrato”.

- Em 30 de novembro de 1942, recebeu o prêmio de quatro mil cruzeiros, no concurso Artístico-Cultural, patrocinado pela Caixa Econômica Federal, na categoria, escultura, pela obra, Ambição.  Atualmente, a escultura se encontra exposta no Museu Nacional de Belas Artes.

- Em 1948, depois de oito tentativas, finalmente recebeu de um júri composto de 17 especialistas em artes, o prêmio da viagem ao estrangeiro, apresentando, L’après-midi d’un Faune, tendo por modelo a famosa atriz e dançarina, Luz Del Fuego. A obra premiada se encontra no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro;

- Em 1952 recebeu outro prêmio de viagem, do  Salão Nacional de Belas-Artes,  desta vez a vários Estados do Brasil;

- Em 1955, recebeu a Medalha de Prata e a Medalha de Ouro do Salão Municipal de Belas Artes do Rio de Janeiro;

- Em 1956, realizou exposição individual no Museu Nacional de Belas Artes, apresentando 24 trabalhos em bronze, gesso e cimento;

- Como alegorista carnavalesco, recebeu inúmeros prêmios do Departamento de Turismo e Certames da Prefeitura do Distrito Federal;

- No carnaval de 1954, recebeu o prêmio de primeiro lugar pelas esculturas no Abre Alas, no valor de vinte mil cruzeiros;

- Em 1957, recebeu o prêmio, Melhor Coreógrafo, pelo trabalho na Escola de Samba Mangueira, o valor de quinze mil cruzeiros;

- Em 1959, recebeu o prêmio da alegoria “Ópera dos Fenianos”, da Escola de Samba Tenentes do Diabo.

 Esteve sempre entre os finalistas, como autor das alegorias das escolas de sambas dos  carnavais carioca;

Participou dos concursos do Salão Nacional de Belas Artes de 1940 a 1957, sempre se saindo vencedor, em alguma categoria, nos concursos que tomava parte. O Salão, para evitar que sucessivamente inscrevesse suas obras, dando oportunidade a outros artistas, o convidou para tomar parte do júri, impedindo-o de disputar. Integrou durante oito anos o júri do Salão, de 1958 a 1965.

Com o prêmio da viagem ao estrangeiro, teve a oportunidade de visitar nove países europeus, entre os quais, Itália, Bélgica, Suíça, Noruega, Holanda, Suécia, França e Espanha. Nos 2 anos que passou na Europa, garantidos pelo prêmio do concurso do Salão, visitou e pesquisou todas as galerias de artes e museus dos países que conheceu. Fez um curso de especialização em arte clássica, na Acadèmie de la Grande Chaumière (Paris).

Ao voltar da Europa, em março de 1952, o seu prestígio estava em alta, recebendo mais de três mil encomendas do Brasil e do exterior, tendo dificuldade em atendê-los com presteza. Na época, era considerado o artista mais valorizado e procurado do país. Seu ateliê era cheio de discípulos e admiradores.

 Reconhecimento Público

Detentor de vários prêmios no Brasil e no exterior, seus trabalhos estão expostos em museus do Brasil e de vários países, como Museu de Boston, Museu Nacional do Rio de Janeiro,   Museu de Ouro Preto, Museu Mariano Procópio, Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro), Colégio Pedro II (Rio de Janeiro), Hospital do Câncer de Paris, Caixa Econômica do Rio de Janeiro, Museu de Belas Artes de Buenos Aires (Argentina), Parlamento da Índia (Nova Deli) Monumento à Indira Gandhi, Porta Monumental da cidade do Rio de Janeiro, Monumento à Estácio de Sá, em frente ao Museu de Armas no Rio de Janeiro. Em São Luís (MA), Monumento Funerário de Saturnino Belo, no Cemitério do Gavião e o Museu de Artes Visuais na Rua Portugal,  Praia Grande. Existe várias galerias particulares do país que são enriquecidas com suas obras.

Em 1996, o secretário da Cultura do Estado do Maranhão, o imortal da Academia Maranhense de Letras, Eliezer Moreira Filho, visitou o Museu Nacional de Belas Artes para conhecer melhor a obra de Flory Gama. Ficou encantado com a produção do vargem-grandense e intermediou junto a diretora do Museu, na época, Heloisa Aleixo Lustosa, a aquisição de quatro esculturas de Flory Gama, em contrato de comodato, para trazer para o Maranhão.   As referidas obras estão expostas no Museu de Artes Visuais, na Praia Grande, em São Luís.

Participou de uma exposição em Nova York em 1985, ilustrou capas de livros de vários escritores.  Foi muitas vezes contratado pelas escolas de Samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, para elaborar esculturas alegóricas para os desfiles. Foi também assíduo partícipe dos concursos  do Salão Paulista de Belas Artes, realizado na Galeria Prestes Maia.

Tinha um estilo romântico clássico, com a produção de bustos de pensadores, filósofos, músicos e intelectuais.

Também tinha predileção pelo lirismo, sensuais, bailado, nus, eróticos como bailarinas, misses, dança, poder do amor, através da essência do bem e do mal, da inocência e do pecado. Integrou a comissão julgadora do Salão Militar de Belas Artes. Foi professor de artes, beleza física e artística do SENAC.

Era torcedor do Flamengo e carnavalesco, tendo angariado polpudos prêmios como alegorista.

A Academia Maranhense de Letras mandou cunhar, na Casa da Moeda, em 1964, a medalha comemorativa ao centenário da morte de Gonçalves Dias, com maquete confeccionada por Flory Gama. Criava também fachadas de casas e chalés em alto relevo, para os endinheirados do Rio de Janeiro.

Em 1954, foi chamado às pressas para confeccionar a máscara mortuária de Getúlio Vargas, depois do suicídio. Sendo amigo pessoal do presidente, teve que controlar a emoção. Foi um trabalho inédito, com implante de cabelos na cabeça, sobrancelhas e cílios.

            Obras de importantes personalidades

O ateliê de Flory estava sempre lotado com seus discípulos, que o seguiam e admiravam. Como mestre, era um exemplo de dedicação e disciplina. Produziu uma riqueza de acervo representativo de figuras da nossa história, entre políticos, escritores, jornalistas e músicos, no formato de medalhões, estatuetas, bustos, cabeças, estátuas ou máscaras mortuárias, entre os quais destacamos os seguintes: Nascimento Morais, Apolônia Pinto, Catulo da Paixão Cearense (máscara mortuária), Gonçalves Dias, Maria Firmina dos Reis, Joana D’Arc, Beethoven, Rute de Oliveira, Coelho Neto, Marcos Tamoyo (prefeito do Rio de Janeiro), Luz Del Fuego, Estácio de Sá, Getúlio Vargas, Saturnino Belo, Indira Gandhi, Bernardo Pereira Vasconcelos (fundador do Colégio Pedro II), Lindolfo Collor, Odorico Mendes, Artur Azevedo, Aquiles Lisboa, Correa de Araújo, Luso Torres, Maranhão Sobrinho, Raimundo Correa, Newton Sá (máscara mortuária), Humberto de Campos, Filogonio Lisboa, Machado de Assis e muitos outros.

Conseguiu organizar uma exposição póstuma, do seu professor Newton Sá (falecido em 1940), juntamente com o irmão deste, Edson Sá, Roquete Pinto, Venturelli Sobrinho, Olegário Mariano, Ernesto Carco e Ulisses Martins. A abertura aconteceu em 15 de maio de 1952, no Salão de Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A influência de Flory nos meios artísticos foi muito importante para o êxito da Mostra.

Flory Gama, nunca abraçou a arte moderna, como o seu mestre Newton Sá, sempre se manteve fiel a escola acadêmica, chegando a ser alvo de muitas criticas por parte dos modernistas, durante sua permanência no banco do júri do Salão Nacional de Belas Artes.

         Instituições de Artes que fez parte

- Foi um dos fundadores da Sociedade dos Artistas Nacionais; 

 -Membro da Sociedade de Homens de Letras e Belas Artes, no Rio de Janeiro;  

     -Membro da Sociedade Nacional de Belas Artes, fundada em 16 de março de 1901, em Portugal; 

      -Membro da Associação Brasileira de Críticos de Artes, fundada em 1949, ligada a Associação Internacional de Críticos de Artes - AICA (Paris);

      - Membro da Sociedade Brasileira de Belas  Artes, fundada em 10 de agosto de 1910;

    -  Membro de Grau da Academia Brasileira de Belas Artes, segundo ocupante  da cadeira 14, sendo patronímico o arquiteto francês, Auguste Henri Victor Grand Jean de Montigny. A Academia foi fundada em no Rio de Janeiro em, 20 de abril de 1948. Segundo   Vera Lúcia Gonzalez Teixeira, presidente da Academia, Flory Gama, tomou posse em 1959 como Acadêmico de Grau.  

      - É patrono da cadeira 17 da Academia Vargem-grandense de Letras e Artes, fundada em 14 de julho de 2019, sendo representado pelo acadêmico, José Maria Carvalho da Silva.

 

           Família

         Flory era filho do funcionário público do Serviço de Saneamento Básico Rural e delegado de polícia,  Floriano  Lisboa Gama   e da professora  Setembrina de Lima Gama. A professora colou grau em 30 de outubro de 1912,   o consorcio matrimonial ocorreu na capital do Estado em 9 de setembro de 1915. O  Senhor Floriano chegou a ser delegado em  Alto Alegre, Rosário e Bacabal, tendo sido assassinado em 1946 na cidade de Bacabal. A professora Setembrina foi nomeada pelo governo do Estado para reger uma escola de primeiras letras em Vargem Grande, em agosto de 1919,

Durante a sua viagem à Europa, Flory conheceu no Conservatório de Paris, a artista plástica, Nicole Cattaud, com quem se casou em 1950, tendo se mudado para o Brasil em março de 1952. Não tiveram filhos (não se tem notícia da permanência da esposa no Brasil).

Primogênito entre os irmãos, Lauro, Léli, Dante e Flause. O seu irmão, Lauro Lisboa Gama era aviador do Aéreo Clube Maranhense, morreu no dia 12 de outubro de 1944, em desastre aéreo no aeroporto do Tirirical, pilotando o avião “Ajuricaba”, juntamente com o amigo Eurípedes Chaves. O jovem tinha apenas 21 anos de idade e o amigo 29 anos. O velório aconteceu no Palácio dos Leões, com grande comoção popular.

         Produziu escultura a vida toda. Porém, no outono da sua existência, todas as glórias conquistadas em sua trajetória de sucesso sumiram, assim como os amigos. Morreu no Rio de Janeiro, esquecido, na pobreza, amargurado e abandonado por todos, em 11 de novembro de 1996, aos 80 anos.

    *Filogonio Lisboa

             Filogonio  de Lima Lisboa,  (1893-1947), natural de Vila do Urumajó (PA), atual município de Augusto Correa,  foi grande incentivador das Artes no Maranhão. Um dos padrinhos de Newton Sá, Flory Gama (seu sobrinho), Telésforo de Moraes Rego e Mauro Lima, com auxilio social e financeiro.  Ajudou a criação da Escola de Bellas Artes do Maranhão, (1922), que inicialmente funcionava no Cassino Maranhense, posteriormente na Avenida Magalhães de Almeida. Descendente de família maranhense, fez curso ginasial no Liceu Maranhense, enquanto sua irmã Setembrina de Lima Lisboa, (mãe de Flory Gama),  estudava na   Escola Normal. Formou-se em Medicina em, Genebra, em 1918, defendendo a tese “De la valeur de I” indican éme em clinique”. Em 1919 iniciou sua trajetória profissional em plena Primeira Guerra Mundial, servindo a Cruz Vermelha. O Dr. Filogonio foi muito atuante no Maranhão, constando como um dos fundadores da Escola de Farmácia e Odontologia (1922), tendo sido professor de toxicologia das Escolas. Realizou campanhas   de várias epidemias na capital e nas cidades do interior do Estado., sendo responsável pela profilaxia rural de todo o Maranhão. Escreveu um artigo com o título “O surto de Peste no Codozinho”.  Também foi um dos fundadores da Escola de Enfermagem e Partos do Instituto de Assistência a Infância do Maranhão e um dos responsáveis, pela instalação da Cruz Vermelha no Maranhão. Ao lado das suas atividades voltada para a saúde, consta como um grande mentor e propagador da arte do Estado, ajudando vários artistas em início de carreira, mesmo financeiramente.  A sua residência era ponto certo de encontro dos intelectuais e simpatizantes da arte escultórica. Deixou um grande legado em escultura, medalhões e pintura, na posse de sua viúva, que não se tem notícia do seu destino. Seu mérito foi reconhecido sendo escolhido como patrono da cadeira 16 da Academia de Medicina do Maranhão, fundada em 25 de abril de 1988, e patrono da cadeira 37 de Membros Correspondentes da Academia Vargem-grandenses de Letras e Artes, fundada em 14 de julho de 2019.