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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A MARIA FUMAÇA 29!



  

Tiago Oliveira

Num belo casarão do início do século XX, às margens da Ferrovia São Luís – Teresina, nas proximidades da Estação Ferroviária de Itapecuru Mirim, o velho Joaquim Asseff criava com muito mimo e rigor a sua única filha, Sadine Asseff. Esta só teve as instruções necessárias para a vida doméstica segundo os padrões de sua família.
Moça bela, Sadine trazia em sua face as marcas do seu povo de origem árabe que por estas terras chegou no findar do século XIX. Tantos, atributos encantava a todos os viajantes que a percebiam na janela do seu belo casarão, e sempre que o trem chegava à estação, ela curiosa aproveitava a oportunidade para olhar o movimento e trocar olhares com aquele que mexia com os seus instintos mais femininos, o jovem maquinista, Sebastião Mendes.
Como era de costume na época, estas moças tidas como de boa família ou “donzelas” só podiam manter enlaces matrimonias, com aqueles “rapazes”, que fossem do agrado da família. Contudo, não era raro haver aquelas moças que, por vezes, quebravam estas regras e se envolviam de acordo com os seus sentimentos.
A bela “rapariga” deste conto, cedeu aos encantos do sedutor operário, que sempre que parava em Itapecuru Mirim, deixava com a doceira Doquinha um mimo para a sua pretendente, envolto em um lenço vermelho com a logomarca “Maria Fumaça 29”.
Com o passar dos tempos o desejo entre os dois só aumentava, porém faltava a oportunidade necessária para desfrutarem dos seus desejos mais carnais e afetivos, entretanto, o alvoroço causado na pequena cidade ribeirinha motivada pela inauguração da ponte sobre o rio foi o evento oportuno para os dois ficarem a sós nos recantos da secular cidadezinha. 
Após este contato, a jovem moça inexperiente nos prazeres da vida, não se conteve e cedeu aos seus desejos mais íntimos com a rapaz da cidade, conquistador e mais experiente, nas “coisas do corpo”. Deste enlace o inventável acontece, uma prole indesejada se desenvolve no útero da outrora, intocada menina do interior; que agora precisa esconder, tal inquietação da sua família, principalmente do seu genitor.
Sebastião Mendes, após desfrutar de momentos íntimos com Sadine Asseff foi transferido para outra rota, dificultando ainda mais novos encontros com a sua pretendente, que com os passar dos meses via-se mais sozinha e pressionada pelo crescimento inevitável de sua gestação, a barriga que era pressionada por um prato colocado em seu ventre e disfarçado por vestes cada vez mais avolumadas.
            O conversador Joaquim Asseff, tenaz nos cuidados com sua maior joia, a honra de sua família, acaba por descobrir o que estar acontecendo no seu seio familiar e decide enviar sua filha para São Luís para fugir dos comentários da sociedade e por lá ela poderia parir a criança deixando-a numa das casas de acolhimento, que existiam na capital naqueles tempos.
            Tudo preparado na antevéspera da chegada do trem que os levaria para o seu destino, já no cair da madrugada toda aquela inquietação e destino incerto faz com que a jovem entre em trabalho de parto, seu genitor no intuito de preservar o segredo não permite que ela receba os socorros necessários, e assim, a criança vem ao mundo antes da hora e com sinais vitais inexpressivos, sendo por isso envolto em velho lençol e jogado nas proximidades da beira rio. Dias depois toda a família some da cidade.
            A doceira que estava no rio limpando as vísceras de uma rês para sustentar sua prole, escuta uma grande movimentação dos porcos, rio a cima e, ao chegar ao local, percebe que os mesmos estavam se alimentando dos restos do parto de uma criança e o mais assustador de tudo é que o bebê estava no meio daquela confusão toda. Ela o recolhe e o tira daquela situação e corre para a sua residência nas proximidades da estação.
            A doceira o criou com todos os afetos maternos possíveis e dentro de suas possibilidades financeiras; o batizou com o nome de João do Rio. Quando ele completou dez anos, após questionar muito sobre suas origens sua mãe resolve contar lhe toda a verdade, ele fica desolado por um tempo, mas põe um objetivo na cabeça, sair pelo mundo atrás de seus pais, tendo como ponto de partida encontrar “a Velha Maria Fumaça 29”. Então, todos os dias ao ouvir o apito do trem chegar na velha estação, corria e perguntava ao Maquinista se aquela era a Maria Fumaça 29? – todo dia, por cinco anos, o dizem que não e que não conhecem a mesma.
            Já alfabetizado, com quinze anos, leu no jornal O Trabalhista que todas as antigas locomotivas estão sendo expostas em Recife – PE. Então, o menino do rio embarcou no primeiro trem que chegou à estação de Itapecuru Mirim. Sumindo no mundo como seus familiares, e até hoje não sabemos o seu paradeiro e nem se algum dia ele os encontrou. Tendo o seu destino traçado pelos antigos trens de passageiros do Maranhão, assim como o de tantas famílias.
           







Tiago de Oliveira Ferreira, escritor e professor, membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes.

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