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sexta-feira, 15 de maio de 2020

CALIGRAFIA DE MÃE

   *Cristiane Lago

A associação de minha mãe com sua caligrafia é quase algo instantâneo. Eram lindas suas letras! Ela não escrevia de qualquer jeito. Quando meu pai precisava mandar um recado escrito para alguém, mamãe se prontificava para fazê-lo com muita vontade. Na década de 70, na cidade de Carolina, no Sul do Maranhão, essa forma de comunicação era muito comum.

Mas o que essa cena doméstica, na época corriqueira, anos mais tarde me fez refletir, foram os detalhes em torno dela, pois minha mãe se preparava para escrever: lavava o rosto, penteava os cabelos, organizava a mesa e concentrava-se para aquela ação como se estivesse escrevendo algo muito importante, como uma dissertação de mestrado, uma página de um livro, um artigo jornalístico ou uma receita médica.

Caligrafia, segundo os Dicionários é “a arte de escrever à mão, formando letras e outros sinais gráficos elegantes e harmônicos, segundo certos padrões e modelos estilísticos ou de beleza e excelência artística.” Sabendo disso, passei a compreender a reverência que minha mãe dava para sua escrita, o silêncio que cobrava de todos durante seu processo de criação e a exigência que tinha com nossa grafia. Ingressei na Escola formal aos 5 (cinco) anos de idade, sabendo ler e escrever, graças a esse encantamento que minha mãe tinha pelas letras.

Aquela conduta de mamãe no momento da escrita dos bilhetes, estendia-se para as longas cartas que escrevia aos filhos que residiam em outras cidades ou aos amigos. Recordo-me que essas cartas eram regadas com muitas lágrimas e com expressões de alegrias e de tristezas, que a ingenuidade de uma criança jamais teria condições de entender e, por vezes, pensava que minha mãe estava com algum problema sério de saúde. Tinha certeza disso, quando ela escrevia em várias folhas e, de repente, jogava tudo no lixo. Sem compreender, eu estava presenciando uma sessão de terapia tendo a escrita como instrumento.

Minha mãe tinha dificuldade de expressar seus sentimentos através de abraços, beijos e fala. Seus muitos afazeres não permitiam essas expressões de amor tão fáceis. Seu amor pelos filhos e marido era assomado em trabalho doméstico, acompanhamento dos “Para Casa” escolares dos filhos, na máquina de costura, renovando com maestria o guarda-roupa de todos da família, dos amigos hóspedes que recebia por tempo indeterminado e, muitas vezes, costurava enxovais completos para as gestantes que chegavam em nosso lar, aguardando o nascimento de seus bebês. Certamente, a escrita era a melhor forma dela organizar suas ideias, planos, sonhos, medos e frustrações. Provavelmente, por isso mesmo, sendo uma mulher muito sábia e inteligente, não deixou guardado nada do que escreveu.

A caligrafia de minha mãe ficava perfeita na capa dos meus livros e cadernos, devidamente encapados com papel madeira, nos trabalhos escolares expostos em cartolinas, nas frases escritas nos tecidos para as aulas de bordado a mão e nas capas das atividades feitas em papéis almaço com pauta. Minha mãe era uma artista!

Todo grande artista é intenso! Maria Carlota Gomes Coelho era assim. Uma mulher do Sertão, nascida na localidade Penedo, no Município de Grajaú, em 12 de setembro de 1930. Tinha fascinação pela leitura de livros e revistas. Foi professora na Zona Rural do Município de Carolina, das classes de alfabetização e de todas as demais até o 4º Ano Primário, na época em que todas as turmas funcionavam no mesmo espaço. Ela foi mais que professora, era gestora escolar, uma vez que a Escola funcionava dentro da sua própria casa.

Faleceu aos 54 (cinquenta e quatro) anos de idade, em 29 de dezembro de 1984, de um infarto fulminante. Quanta ironia do destino, logo ela que tinha tanto amor no coração.
                                                                               

*Cristiane Gomes Coelho Maia Lago, nascida em Carolina/MA, em 05 de dezembro de 1971, filha de Neuton Coelho do Santos e Maria Carlota Gomes Coelho, casada,
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Promotora de
Justiça do Ministério Público do Maranhão, Especialista em Direito e Sociedade pela
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Mestre em Direito Público pela
Universidade Portucalense - UPT, Porto, Portugal, Professora, Palestrante e Poetisa.
Autora dos livros:
- Vida em Poesia (2013); e,
- Drogas e Tribunal do Júri: uma análise da prevenção como política pública. Estudo comparado Brasil-Portugal (2019).

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