*Cristiane Lago
A
associação de minha mãe com sua caligrafia é quase algo instantâneo. Eram
lindas suas letras! Ela não escrevia de qualquer jeito. Quando meu pai
precisava mandar um recado escrito para alguém, mamãe se prontificava para
fazê-lo com muita vontade. Na década de 70, na cidade de Carolina, no Sul do
Maranhão, essa forma de comunicação era muito comum.
Mas
o que essa cena doméstica, na época corriqueira, anos mais tarde me fez
refletir, foram os detalhes em torno dela, pois minha mãe se preparava para
escrever: lavava o rosto, penteava os cabelos, organizava a mesa e
concentrava-se para aquela ação como se estivesse escrevendo algo muito
importante, como uma dissertação de mestrado, uma página de um livro, um artigo
jornalístico ou uma receita médica.
Caligrafia,
segundo os Dicionários é “a arte de escrever à mão, formando letras e outros
sinais gráficos elegantes e harmônicos, segundo certos padrões e modelos
estilísticos ou de beleza e excelência artística.” Sabendo disso, passei a
compreender a reverência que minha mãe dava para sua escrita, o silêncio que
cobrava de todos durante seu processo de criação e a exigência que tinha com
nossa grafia. Ingressei na Escola formal aos 5 (cinco) anos de idade, sabendo
ler e escrever, graças a esse encantamento que minha mãe tinha pelas letras.
Aquela
conduta de mamãe no momento da escrita dos bilhetes, estendia-se para as longas
cartas que escrevia aos filhos que residiam em outras cidades ou aos amigos.
Recordo-me que essas cartas eram regadas com muitas lágrimas e com expressões
de alegrias e de tristezas, que a ingenuidade de uma criança jamais teria
condições de entender e, por vezes, pensava que minha mãe estava com algum
problema sério de saúde. Tinha certeza disso, quando ela escrevia em várias
folhas e, de repente, jogava tudo no lixo. Sem compreender, eu estava presenciando
uma sessão de terapia tendo a escrita como instrumento.
Minha
mãe tinha dificuldade de expressar seus sentimentos através de abraços, beijos
e fala. Seus muitos afazeres não permitiam essas expressões de amor tão fáceis.
Seu amor pelos filhos e marido era assomado em trabalho doméstico,
acompanhamento dos “Para Casa” escolares dos filhos, na máquina de costura,
renovando com maestria o guarda-roupa de todos da família, dos amigos hóspedes
que recebia por tempo indeterminado e, muitas vezes, costurava enxovais
completos para as gestantes que chegavam em nosso lar, aguardando o nascimento
de seus bebês. Certamente, a escrita era a melhor forma dela organizar suas
ideias, planos, sonhos, medos e frustrações. Provavelmente, por isso mesmo,
sendo uma mulher muito sábia e inteligente, não deixou guardado nada do que
escreveu.
A
caligrafia de minha mãe ficava perfeita na capa dos meus livros e cadernos,
devidamente encapados com papel madeira, nos trabalhos escolares expostos em
cartolinas, nas frases escritas nos tecidos para as aulas de bordado a mão e
nas capas das atividades feitas em papéis almaço com pauta. Minha mãe era uma
artista!
Todo
grande artista é intenso! Maria Carlota Gomes Coelho era assim. Uma mulher do
Sertão, nascida na localidade Penedo, no Município de Grajaú, em 12 de setembro
de 1930. Tinha fascinação pela leitura de livros e revistas. Foi professora na
Zona Rural do Município de Carolina, das classes de alfabetização e de todas as
demais até o 4º Ano Primário, na época em que todas as turmas funcionavam no
mesmo espaço. Ela foi mais que professora, era gestora escolar, uma vez que a
Escola funcionava dentro da sua própria casa.
Faleceu
aos 54 (cinquenta e quatro) anos de idade, em 29 de dezembro de 1984, de um
infarto fulminante. Quanta ironia do destino, logo ela que tinha tanto amor no
coração.
*Cristiane
Gomes Coelho Maia Lago,
nascida em Carolina/MA, em 05 de dezembro de 1971, filha de Neuton Coelho do
Santos e Maria Carlota Gomes Coelho, casada,
Bacharel
em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Promotora de
Justiça
do Ministério Público do Maranhão, Especialista em Direito e Sociedade pela
Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC, Mestre em Direito Público pela
Universidade
Portucalense - UPT, Porto, Portugal, Professora, Palestrante e Poetisa.
Autora
dos livros:
-
Vida em Poesia (2013); e,
-
Drogas e Tribunal do Júri: uma análise da prevenção como política pública.
Estudo comparado Brasil-Portugal (2019).
Tudo verdade...te amo Tiane...
ResponderExcluirParabéns, querida! Texto formidável em homenagem à alguém especial. Minha mãe tbm tinha uma caligrafia admirável.
ResponderExcluirParabéns, amiga!
ResponderExcluir