*Por Antonio Noberto
Não se destrói um
povo enquanto não se extermina a sua cultura e o seu legado. Esta assertiva
pode ser bem ilustrada na determinação do competente Secretário de estado do
reino de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782), o Marquês
de Pombal, que na segunda metade dos anos mil e setecentos proibiu no Brasil o
uso de qualquer outra língua que não o português. A decisão, aparentemente, era
a pá de cal na língua nativa, a mais falada no Brasil à época. O que se viu depois
foi a continuação da dizimação através da depreciação e aviltamento de vários
termos indígenas, a exemplo de cunhã (que pode significar prostituta), curumim
(moleque, pivete), pindaíba (pobreza extrema), pajelança (atitude
destrambelhada), dentre outros, que foram e continuam sendo sistematicamente
modificados com o objetivo principal de encobrir um passado virtuoso
corrompendo a língua dos primeiros habitantes do Brasil. Soma-se a isto a
cobiça de jogar no fosso os outros dois concorrentes do colonizador: o negro e,
principalmente, o estrangeiro, primeiro a trazer a cultura escrita para a terra
Papagalis, quando colocou no papel e imortalizou a língua, além de muito dos
usos e costumes da população autóctone (leia mais em https://brasiliano.wordpress.com/2012/04/05/1399/).
E um dos termos desvirtuados é a palavra Araçagi, que representa uma das
localidades mais antigas e importantes da Ilha de São Luís, habitada por
franceses e tupinambás desde o final dos anos mil e quinhentos. O estudo desta
simples palavra de origem tupi nos remete ao mundo mágico e de harmonia vivido
pelos mais antigos moradores do lugar, que, mesmo em tempos tão remotos,
produziam e exportavam riquezas do tipo urucum e açúcar para lugares bem
distantes.
Primeiro mapa do Maranhão onde aparece Araju, próximo à Ilha Daniel de La Touche (Curupu) |
Não faz muito tempo
que a quase totalidade dos maranhenses pronunciava errônea e grosseiramente
“Campo de Perizes”, em referência aos dezenove quilômetros por onde passa a BR
135, na saída / entrada da Ilha de São Luís. A escrita e pronúncia corretas em
tupi, ligeiramente aportuguesada, é Campo dos Peris ou Campo de Peris, vez que
a palavra originária do tupi é “piri”, que representa o junco ou capim que
cobre o lugar alagado. E nas oxítonas terminadas em “i” forma-se o plural
acrescentando-se apenas o “s”. Importante destacar que muitas outras
localidades e acidentes geográficos no Maranhão e Piauí também foram nomeados a
partir da maciça presença deste capim, a exemplo de Peritoró, Piripiri, Peri
Mirim e Pericumã. A recente divulgação da grafia correta permitiu que muita
gente e a maior parte da mídia abandonasse a aberração “perizes” e adotasse a
forma correta, convergindo, assim, para a máxima de que “Em São Luís se fala o
melhor português do Brasil” (leia mais em https://www.abimaelcosta.com.br/2015/10/voce-escreve-campo-de-perizes-ou-de.html).
Detalhe de um mapa dos anos mil e seiscentos com uma variação para Arasagi |
Outro termo curioso
que vale a pena se debruçar e buscar a raiz etimológica e a história do lugar é
Araçagi, que em tempos muito iniciais era um “país a parte”, com porto,
produção e vida própria, era também uma espécie de hiato ou meio caminho entre
a desembocadura do “Rio Maranhão” – o Itapucuru, e a foz do rio Mearim. Nos
primórdios do lugar, entre o final dos mil e quinhentos e início dos mil e
seiscentos o Araçagi estava localizado entre duas fortalezas francesas
existentes à época: o Forte Sardinha, situado na então Ilha do São Francisco,
que guarnecia a entrada da Ilha e Miganville (atual Vinhais Velho) e o porto de
Jeviré (na Ponta d’Areia). Este ancoradouro tinha caráter mais internacional,
pois mais especializado em receber mercadorias dos portos franceses de Rouen,
Dieppe, Saint-Malo, La Rochele e Havre de Grace, e as riquezas vindas da região
amazônica e do rio Mearim, a exemplo do sal (de salinas, na Baixada). Este
complexo ou reduto gaulês está descrito na tela “São Luís antes da fundação”,
em cartaz no Forte de Santo Antonio, na Ponta d’Areia. A outra fortaleza era o
Forte de Itapari, depois reformado em pedra por Daniel de la Touche, quando
recebeu o nome de Le Fort de Caillou (o forte de pedra), que virou Caur
e hoje é Caúra, em São José de Ribamar. Do pouco que é possível encontrar sobre
o Araçagi nas literaturas em tão distante período, pode-se extrair que o lugar
era dinâmico, produtor e bastante movimentado, com localização bem próxima à
Ilha de Curupu e do porto, onde hoje está a imagem de São José. Neste
ancoradouro da baía de Guaxenduba aconteciam muitas movimentações da produção
que descia o rio Itapecuru ou da Ilha Grande pelos pequenos portos de
Jussatuba, Quebra Pote, Arraial, etc. O Araçagi era, portanto, o elo
entre os dois fortes e os dois maiores portos da Ilha Grande, e possuía o que
seria o único engenho de açúcar de Upaon Açu, os demais estavam no rio
Itapucuru Mirim.
Mapa de São Luis antes da fundação com o complexo franco-tupi entre aPonta d´Areia e Megavilhe (Vinhais Velho) |
Em vários textos,
livros e mapas é possível encontrar o nome do lugar grafado de diferentes
formas, a exemplo de araju, araçaju, arasaju, arasagi, arassagi, araçoagi, arassoagi
e araçagy. Mas enfim, qual a grafia original e o significado da palavra
Araçagi? Verificando mapas (ver detalhes dos mapas dos anos mil e seiscentos),
livros e a própria história, chega-se ao termo original aracaju (ara = papagaio
+ caju), que em português quer dizer “cajueiro do papagaio”. É a mesma origem
etimológica do nome da capital sergipana. As principais variações se dão pela
troca do “c” pelo “s”, do “j” pelo “g” e do “u” pelo “i” (o “u” no francês
pronuncia-se “i”), como acontece no nome do rio “ItapUcuru”, pronunciado
“ItapIcuru”. Araçagi é, portanto, Aracaju, o cajueiro do papagaio.
Considerando que o
termo Araçagi já é uma tradição oral e escrita do tupi aportuguesado, quem
preza ou tem apreço pela cultura nativa deve, ao menos, escreve-la sempre com
“i” no final, pois a grafia com “y” termina por tutelar e encobrir uma história
antiga vivida por franceses e tupinambás que habitavam, comercializavam e
viviam em paz no “país do Aracaju”, região da Ilha Grande que mais cresce nos
últimos anos.
*Membro-fundador da
Academia Ludovicense de Letras (ALL), sócio efetivo do Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão (IHGM) e curador da “exposição França Equinocial para
sempre”, em cartaz no Forte de Santo Antonio, no Espigão da Ponta d’Areia