O escritor e
pesquisador Luiz de Mello concede entrevista a Wilson Martins sobre as três
décadas de pesquisas históricas no Maranhão.
Luiz Franco de Oliveira Melo é o
premiado escritor e pesquisador maranhense Luiz de Mello, nascido em São Luís a
6 de maio de 1944. Muito cedo enveredou pelo campo da literatura, tornou-se
funcionário público, passou por redações de dois jornais desta cidade e abraçou
a pesquisa histórica como forma de sobrevivência financeira. Como ficcionista
ele é um dos melhores do seu tempo. Como pesquisador ele é emérito. Aos 73 anos
de idade, o persistente Luiz de Mello parece carregar um fardo pesado demais
diante de sua saúde precária. Ainda assim, ele não tem repouso e movimenta-se
por acervos de bibliotecas da Capital, pesquisando e mantendo, além da
obstinação, uma luta constante para que os seus trabalhos sejam publicados.
Quando se deu o início da sua trajetória
no panorama literário maranhense?
Em 1961, aos 17 anos, comecei a escrever
contos e romances. Eu era apenas um adolescente, tinha imaginação fértil e sem
detença tratei de mostrar meus contos a duas escritoras, quase ao mesmo tempo:
Arlete Nogueira da Cruz e Helena Barros, e de ambas recebi o necessário
incentivo para continuar escrevendo.
Em 1963, um conto da minha autoria foi
publicado no jornal Correio do Nordeste. E foi nesse jornal que eu conheci a
poetisa Venúsia Neiva, os jornalistas Zuzú Nahuz e Alfredo Galvão, os poetas
José Chagas, Bandeira Tribuzi, Nauro Machado, José Maria Nascimento e outros.
Em 1964, já estava bem ambientado nos
meios literários de São Luís. Interessante é frisar que, havendo poucos
contistas nesta capital (os mais conhecidos eram Ubiratan Teixeira, Bernardo
Tajra, Fernando Moreira, Reginaldo Teles, Jorge Nascimento e Erasmo Dias), logo
chamei a atenção de diversos escritores e poetas, os quais se admiraram da
minha facilidade para escrever contos.
Entre 1962 e 1965, já havia escrito oito
romances, duas peças teatrais e dezenas de contos. Mas eu ia guardando tudo, de
modo que minha produção literária era do conhecimento de apenas sete ou oito
escritores, destacando-se entre estes o padre João Mohana, Henrique Augusto
Moreira Lima (médico e intelectual), Arlete Nogueira da Cruz, Bandeira Tribuzi
e Domingos Vieira Filho. Este último queria publicar o meu primeiro livro de
contos, quando dirigia o Departamento de Educação e Cultura do Estado, aí por
volta de 1964. Infelizmente, em 1966, durante uma crise de alcoolismo, toquei
fogo em quase tudo. Meus contos, romances e as duas peças teatrais viraram
cinzas, o que muito lamento até hoje.
Em 1989 publiquei o Meridiano Oposto (contos) e a pesquisa Os Pintores Domingos e Horácio Tribuzi. Houve um grande vazio, entre
o meu período de escritor iniciante, em 1961/62, e o de autor de livros
publicados, em 1989, ou seja, perto de duas décadas de raras produções
literárias.
Para resumir o panorama literário de São
Luís, no início dos anos 60, relembro a criação de suplementos literários nos
jornais da Capital, como o Correio do Nordeste, Jornal do Dia e o semanário
Jornal do Maranhão, que era da Igreja Católica, e neste último também figurei
como colaborador. Muitos contos, poesias e crônicas de jovens autores eram publicados
nos suplementos desses jornais, distinguindo-se o dirigido pelo poeta José
Maria Nascimento, no Correio do Nordeste, e o de Carlos Cunha no Jornal do Dia.
Era um tempo de renovação literária, embora estivéssemos muito distante dos
grandes centros culturais, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e
Porto Alegre.
Como
aconteceu a sua incursão na pesquisa?
Minha primeira pesquisa data de 1965 e
teve como tema a vida e obra do comediógrafo Américo Azevedo, irmão de Aluísio
e Artur Azevedo. Levei o material pesquisado, inclusive seis comédias, para o
Rio de Janeiro em 1967, e imediatamente entrei em contato com o diretor do
Serviço Nacional de Teatro, o qual ficou ciente do assunto e decidiu que o
encargo de organização da obra, análise e apresentação de textos, caberia ao
escritor e diplomata Reis Perdigão (1900-1986), que eu conheci em São Luís, no
ano de 1965. Por uma ironia do destino, inesperadamente regressei ao Maranhão
em 1968, e as comédias do Américo Azevedo caíram no esquecimento, porque nada
foi publicado pelo Serviço Nacional de Teatro, atual Fundação Nacional de Arte
(Funarte). Uma pena!
Em 1985, desempregado havia cinco anos,
principiei a pesquisar para sobreviver financeiramente. Convidado por
Nascimento Morais Filho, fui contratado pela Secretaria da Fazenda do Estado,
para sozinho realizar uma longa pesquisa abrangendo o período de 1835 a 1981.
Era, em suma, a História do Tesouro Público Provincial, isto é, da Secretaria
da Fazenda do Estado. Essa pesquisa durou dois anos e meio.
Posteriormente surgiram convites de mais
duas Secretarias de Estado e de alguns escritores. E assim fui sobrevivendo,
ganhando dinheiro e pesquisando sem parar. Foram tantas as pesquisas que fiz,
mas tantas, que fica difícil relembrar de todas elas. E é bom esclarecer: era
um trabalho extenuante, eu tinha ordenado variável, porém não tinha emprego,
sempre fui um pesquisador autônomo, sem carteira assinada e sem direito a
férias.
Como é o seu processo de produção de
pesquisa?
Minhas pesquisas são 70% de assuntos
históricos e 30% de literários. Pesquisei sobre comércio, indústria, navegação
fluvial, estabelecimentos bancários, cinemas, fábricas de tecidos, terrenos na
Capital e seus primitivos proprietários, inúmeras sesmarias, ruas e outros
logradouros públicos, e também fiz estudos acerca da vida e atividades de
fotógrafos, pintores, escultores, desenhistas, e localizei obras como romances,
contos, crônicas e poesias de vários autores, dos séculos XIX e XX, enfim,
trata-se de uma extensa lista de textos pesquisados durante trinta anos.
Nas minhas pesquisas, jamais precisei de
fazer entrevistas. Quando o assunto era muito complicado e antigo, eu recorria
à releitura de algumas obras dos séculos XIX e XX, inclusive o muito útil
Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, de César Marques.
E, relativamente a usar da imaginação,
isso foi muito fácil para mim. Em certas ocasiões, eu fazia três pesquisas ao
mesmo tempo, para terceiros, mas nada contava aos que me contratavam, e assim
eu tinha três ordenados garantidos.
Pesquisas mostram que jovens estão lendo
menos. Houve tempo em que nossos escritores eram temas de vestibulares. Faltam
políticas para incentivar e disponibilizar acervos, onde jovens possam buscar a
leitura como devoção, ou esta realidade seria pelo fato de os educadores não
saberem identificar vocações literárias dos alunos?
A diminuição da leitura (estou me
referindo à literatura de um modo geral), por parte dos jovens, pelo menos em
São Luís, vem ocorrendo há décadas. Nos anos 70, por exemplo, diversos
escritores comentavam, até mesmo nos jornais, o declínio da leitura, afirmando
que os jovens daquele tempo liam bem menos que os dos anos 60 e 50. E agora, o
videogame, a internet e filmes de terror e ficção científica é que prejudicam
os mais jovens, afastando-os da leitura de livros sérios, da boa literatura.
Uma lástima!
No que se refere aos vestibulares,
afirmo que os nossos escritores estão esquecidos. As universidades maranhenses
não os incluem como temas de análise literária. E a política cultural, salvo
raros exemplos, pouco difunde a literatura entre a juventude, e os educadores
não se mostram exemplarmente interessados pelo assunto Cultura, nem na poesia,
nem na prosa. Devo assinalar que apenas estou fazendo alusão à nossa capital,
tendo em vista a existência de movimentos de entidades culturais em certas
cidades do interior maranhense, as quais têm Academias de Letras e Institutos
Históricos e Geográficos. Ainda assim, os educadores precisam estimular os
alunos, indicar a boa leitura, não só em São Luís, como igualmente no interior
do estado. E creio que, para total êxito, será preciso um projeto literário e
educacional, regularizado pela Sectur, Seduc, Semed e Secult, resultando na
fusão da Educação e Cultura.
Você
acredita que a pesquisa, como arsenal da memória cultural é capaz de preencher
lacunas de ordem política, cultural e social?
Lógico. A pesquisa preserva o passado
artístico-cultural, influindo também na política e na ordem social. A
literatura faz parte da História de qualquer país. Já escrever sobre a
literatura maranhense, é uma tarefa a que bem poucos se habilitaram, em São
Luís.
Nas pesquisas você usa a arquitetura
intelectual e o realismo testemunhal. Por que não na prosa?
Nas pesquisas, longas, que realizei,
exatamente usei o esforço intelectual, em busca de referências básicas para
destrinçar assuntos de difícil assimilação. Já na prosa, ou melhor, nos contos,
muito utilizei a experiência de vida, o realismo testemunhal e, às vezes, o
surrealismo.
Em “Os Segredos de Guímel” você emprega
uma característica universal, com personagens e tramas complexos. A iniciativa
foi apresentar um mundo diferente para o leitor?
Guímel é um livro
diferente, as tramas bem delineadas, os personagens totalmente divergentes dos
outros nos contos que eu anteriormente havia escrito. Evidentemente, esse livro
causou impacto no leitor. Vendi cerca de 350 exemplares, entre 1996 e 1997, o
que, em se tratando de São Luís, significa uma boa venda. Diria mesmo que foi
um livro bem aceito por mais de trezentos leitores, embora saiba que essa cifra
surpreenderá escritores de outros estados ou de cidades mais adiantadas que
porventura lerem esta entrevista. Jamais tivemos editoras para a compra de
direitos autorais, e, se elas houvessem existido, provavelmente teriam falido
em pouco tempo. Com tal lacuna, e sem apoio do Governo, certos autores publicam
livros por conta própria, como é o caso de Arlete Nogueira da Cruz. Mas a
verdade é esta: poucos escritores vendem mais de quinhentos exemplares de obras
publicadas em São Luís.
Você acredita na relação de cumplicidade
entre o leitor, o texto e o autor, ou que o escritor deve subverter até as
normas gramaticais, escrevendo como a maioria?
Obviamente, em obras de ficção, sempre
existiu a cumplicidade entre o leitor, o texto e o autor. Para ser sincero,
todo bom escritor tem estilo próprio, embora certos críticos vislumbrem
influências de determinados literatos mestres do passado. Este mundo é um
rosário de bolas, conforme disse o escritor Guimarães Rosa. E as bolas são
analógicas, as cores é que são diferentes. Um escritor não pode ser
papel-carbono de outro, eis o problema.
Na literatura maranhense, quais as
autoras e autores você destaca?
Na literatura ludovicense (já declarei
que não mais podemos nos referir ao Maranhão tendo como centro cultural a
Capital) são estes os mais importantes: Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, José
Chagas, Mário Meireles, Jomar Moraes, Arlete Nogueira da Cruz, Ubiratan
Teixeira, Bernardo Almeida, Fernando Braga, Francisco Tribuzi, Josué Montello,
José Louzeiro, Carlos Cunha, José Maria Nascimento, Gullar, Lucas Baldez,
Fernando Moreira, Ceres Costa Fernandes, Domingos Vieira Filho, Nascimento
Moraes, Clóvis Ramos, José Fernandes, Lenita de Sá, Manoel Caetano Bandeira de
Mello, Wilson Martins, Alberico Carneiro, Paulo Melo Sousa, Joaquim Haickel,
José Sarney, Lucy Teixeira, Laura Amélia Damous, Carlos Gaspar, Alex Brasil,
Ivan Sarney, Joaquim Itapary, Sebastião Jorge, Cunha Santos Filho, Lourival
Serejo, Waldemiro Viana, Américo Azevedo Neto, Benedito Buzar, Álvaro (Vavá)
Melo, Valdelino Cécio, Lino Moreira, Cursino Raposo, José Ribamar Caldeira,
Wanda Cristina, João Mohana, Dagmar Destêrro, J. Ewerton Neto, Herbert de Jesus
Santos, etc, etc.
Reconheço que há muitos escritores, do
passado, que estão esquecidos, e somente menciono os seguintes: Jamil Jorge,
Hermínio Bello, Cecílio Sá, Assis Garrido, José Brasíl, Cleber Ribeiro
Fernandes, Lauro Serra (todos teatrólogos), Durval Cunha Santos (romancista) e
Jorge Nascimento (contista e poeta), o único ainda vivo.
Como você analisa a produção literária
maranhense hoje, em relação ao mercado e à política editorial no estado?
A produção literária, em São Luís, está
muito aquém do esperado. Excetuando os lançamentos de autores que dispõem de
recursos próprios, a política editorial do estado está meio emperrada. E, pelo
que me consta, apenas a Academia Maranhense de Letras vem editando livros, de
uns tempos pra cá, devidamente amparada pela Lei Estadual de Incentivo à
Cultura. Por outro lado, pouco sabemos dos planos editoriais da Sectur,
instituídos pelo Estado, e do Concurso Literário e Artístico Cidade de São
Luís, da Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura.
Só relembrando: a única Antologia de
Contos Maranhenses, coordenada por Arlete Nogueira da Cruz, data de 1972, sendo
exato que, até hoje, ninguém teve a ideia de editar uma nova Antologia de
Contos, a qual seria mais abrangente, mais atual. Tudo isso é lamentável,
entretanto, não sei quando São Luís sairá desse marasmo literário, no qual
mergulhou há muito tempo.
Em São Luís não é raro encontrar um
autor que não seja poeta. Você fez alguma incursão na poesia?
Na
juventude, eu rabisquei alguns sonetos, depois me dediquei exclusivamente à
ficção, isto é, aos contos e às pesquisas históricas. Hoje em dia há, na
capital maranhense, muitos jovens escritores e escritoras de talento,
contistas, romancistas e ensaístas. O tempo de “só poetas” já passou.
Luiz
de Mello é autor dos seguintes livros:
Os
Pintores Domingos e Horácio Tribuzi (pesquisa histórica) 1989; Meridiano Oposto (contos) 1990. A 2ª
edição é de 2005, com recursos próprios do autor.
Os terroristas e
os outros (conto).
Prêmio do Concurso de Contos da UFMA (1993).
Os segredos de
Guímel
(contos) 1996; Primórdios da telefonia em
São Luís e Belém (pesquisa) Edições AML/ALUMAR 1999, integrando a série
Documentos Maranhenses; Pintores Maranhenses do Século XIX (pesquisa). Edições
Func (2002). Livro publicado com recursos aprovados pela Lei Municipal de
Incentivo à Cultura; Cronologia das Artes Plásticas no Maranhão (1842–1930)
pesquisa. Edições Secma, 2004.
Organização de textos:
O
Maranhão Histórico (ensaio), de José Ribeiro do Amaral. Ed. Instituto Geia,
2003. Coleção GEIA de Temas Maranhenses.Vol.1.
Informação
sobre a Capitania do Maranhão dada em 1813, de Bernardo José da Gama (Visconde
de Goiana) 2013. A 1ª edição desta obra data de 1872, publicada em Viena
(Áustria), por iniciativa de Francisco Adolfo de Varnhagen (Barão de Porto
Seguro). A 2ª edição de 2013, publicada com recursos próprios do organizador.
Dois
Estudos Históricos de Jerônimo de Viveiros – Escorço da História do Açúcar no
Maranhão/No tempo das eleições a
cacetes. 2016 (Publicado com recursos próprios do organizador).
Quadros
da Vida Maranhense, de Jerônimo de Viveiros (obra a ser publicada pela Academia
Maranhense de Letras).
Páginas
de Saudade, crônicas de Crysosthomo de Souza (inédito).
Coisas
do Nosso Folclore, artigos de Nonnato Masson (inédito).