João Batalha
Antigo circuito de diversão e prazer
Quando
vim a São Luís pela primeira vez, em 1961,
o ponto de chegada foi a Praia Grande, onde adentrei no universo dos casarões de arquitetura
colonial deslumbrante revestidos de azulejos e porcelanas vindos de
Portugal. Minha primeira hospedagem foi
na Rua da Palma, artéria pública onde funcionava o maior itinerário de prazer e
diversão da capital, desde a 14 de Julho,
até a Jacinto Maia. Era o
polígono da diversão noturna da metrópole maranhense. O reino encantado da
boemia de São Luís. A cidade atravessava um período de grande efervescência
política e cultural e o destaque da moda feminina era a minissaia, somente na década seguinte surgiu “a queima dos sutiãs”.
O
circuito de diversão e dos prazeres carnais
se concentrava na Zona do Baixo Meretrício, a famosa ZBM, na circunferência das ruas 28 de
Julho, Estrela, Saúde, Henriques Leal e Palma. Nesta última ficavam as mais
famosas pensões. Atrativas e seletas, com seus casarões seculares e suas casas
noturnas pomposas, frequentadas por gente da alta sociedade: políticos, desembargadores, professores,
artistas, poetas, cronistas, jornalistas,
escritores, empresários, oficiais militares,
e outros conhecidos reis da vadiagem.
Era onde se cobrava os cachês mais altos
pelas poucas horas de lazer. Pensões luxuosas e requintadas, iluminadas
por neons e meia-luz, que emprestavam
beleza às boates, entre as quais, a Class, Elite, Bela Vista, Novacap, Oásis,
City, Bangalô, Cristal e Monte Carlo.
Esfera repleta de bares e restaurantes. Era na
ZBM que os boêmios marcavam seus encontros e aventuras. Incitados por Whiski
e excitados pelos crepúsculos dos desejos sedutores e de alucinantes e
irrefletidas paixões, ao som dos velhos tangos, boleros e canções românticas de origens brasileira,
cubana caribenha e outras variedades hispanoamericanas que se faziam ouvir através das potentes
radiolas, com agulhas de diamante, que deslizavam sobre os discos de vinil (os
famosos Long Plays). Prostíbulos, cuja finalidade era aproximar os corpos de
sexos opostos em ambiente de músicas, bebidas e nostalgia. Meia-luz não
apenas para dar beleza ao ambiente, mas, também,
para encobrir a perda da jovialidade de algumas das raparigas, em
decorrência dos excessos da vida noturna.
No escuro, ou à penumbra, após ingerir alguns goles de Vermute, todas
pareciam bonitas. Ambiente vulgar e marginalizado para os estratos
conservadores da sociedade, glamour
dos liberais onde os boêmio procuravam sensualidade e prazer. As ZBMs não eram frequentadas somente pelos
raparigueiros. Era, também, lugar de diversão para o que a frequentavam somente
por distração ou para curtir belas músicas e tomar cervejas, além de servir
como espaço de encontro para acertos e negócios, onde corria dinheiro e se
discutia as influências sociais e econômicas do Estado e da Capital. À época, o homossexualismo era repudiado e
muito discriminado. Os homossexuais vistos por lá faziam os serviços pesados
dos cabarés ou então se especializavam como bons cozinheiros.
Nas
ruas 28 de Julho, Henriques Leal, Saúde
e Estrela, em casas coladas umas nas outras, ficavam os cabarés mais modestas e
menos importantes onde se abrigavam as mulheres que iam perdendo os atrativos do
corpo em decorrência da idade. Prostíbulos, com banheiros e sanitários
coletivos. Lupanares onde se concentrava a classe de menor poder aquisitivo: operários,
estudantes lisos, comerciários endividados, etc. Nesses locais, a possibilidade de contrair doenças venéreas
era maior. As pensões Itu, Filial da
Maroca e Monte Rei, também pomposas, ficavam na Rua 28 de Julho, onde, também,
mulheres bonitas e insinuantes, ociosas, transbordantes de sensualidade,
elegância e beleza, vendedoras de prazer desfilavam ante a luz negra dos
luxuosos salões.
Nesses casarões de dois andares
funcionavam as luxuosas boates Class e Elite.
No casarão da direita ficava a boate Bela Vista, uma das mais movimentadas
da cidade.
Na casa de esquina (D) próxima ao então Quartel Militar (Convento das Mercês) ficava
o comércio dos irmãos Bizica e Bizuca,
onde diariamente fazia meu lanche de pão com
refresco de maracujá. Ao lado
(casa de teto mais elevado), ficava a residência do Pe. Arthur Lopes Gonçalves
(atual redação do jornal A TARDE).
No
aposento da janela à direita, do terceiro andar deste prédio, (pensão da Dona
Geralda, de quem fui hóspede pela primeira vez que vim a São Luís), morei por vários anos na década de 1960.
Localizada
em área de tombamento de São Luís a Rua da Palma está decadente e exposta ao
abandono. Alguns dos seus casarões que
foram pomposos e importantes no passado estão correndo risco de
desabamento e necessitando de urgente recuperação. O Centro Histórico, do qual
faz parte da Rua da Palma clama por revitalização.
(*) Fotos de
Domínio Público colhidas na Internete, com créditos de Diego Chaves, Fernando
Cunha e Fernando Bezerra.