sexta-feira, 31 de agosto de 2018

SÃO RAIMUNDO DOS MULUNDUS




O SANTO DO POVO


Por: Jucey Santana

            Confesso que sempre me impressiono com tanta devoção a São Raimundo dos Mulundus e ouso mesmo a afirmar, que não perde em nada para o outro santo milagroso, São José de Ribamar. Conversei com vários romeiros que testemunharam as muitas graças alcançadas por intercessão do Santo Vaqueiro.

           Um exemplo é de Irismar de Jesus Lima Pereira a organizadora da romaria. Segundo ela ao três anos foi acometida de um eczema crônico nas pernas (dermatite), e sua mãe, dona Maria das Dores (Quita), usou todos os recursos disponíveis para o tratamento como, remédios de farmácia, unguentos, remédios caseiros recorreu até a benzedores,  sem êxito. Então resolveu apelar à São Raimundo, prometendo que se ficasse boa a jovem iria a pé até o  Santuário em Vargem Grande. Depois de curada – pelo santo – e a promessa paga,  Irismar organizou a Romaria que este ano completou 31 anos, com mais de 1500 associados e outros tantos simpatizantes.

Os devotos saem dia 29 de agosto, vencem os 59 quilômetros com uma pausa para descanso em Cigana outra no povoado Leite e depois de passar a noite andando chegam ao amanhecer em Paulica quando recuperam as forças para a chegada às 7 horas do dia 31, onde são recepcionados com a tradicional missa dos Romeiros, às sete horas da manhã.  Resolvi acompanhar a romaria em 2015, em uma bela noite de lua cheia, iluminando nosso caminho,  e me certifiquei emocionada,  da grandeza da fé e a solidariedade  que encontrei naquele povo simples, pagando suas promessas.

Um pouco da história
            A  história inicia-se ainda no Século XVIII. Por volta de 1700 nascia na fazenda Primavera (antiga Nova Olinda), Raimundo Nonato Soares Ganguçu. Ele foi criado como afilhado “liberto” da abastada portuguesa proprietária da fazenda e desfrutando de certas regalias se tornou muito querido, respeitado entre os vaqueiros e moradores da vizinhança. Homem  de muita fé e cumpridor dos suas obrigações,  era devoto do Santo do seu nome. Das muitas histórias que ouvi transcrevo o depoimento do pesquisador  José Mercedes Braga   de 98 anos (28.4.1919),  natural de Nina Rodrigues: “desde criança que ouvia histórias dos velhos vaqueiros do meu avô, que diziam ter escutado dos mais antigos. Segundo eles, a madrinha de Raimundo, autorizou que este,  pegasse uma rês para comemorar o seu aniversário  com os amigos vaqueiros. Ele foi campear com um cavalo e um cachorro e passou três dias desaparecido. Quando o encontraram estava morto ao lado do cão e do cavalo, ao lado e uma carnaubeira, petrificados, pareciam vivos. Alguns achavam que havia sido de raio, muito comum na região, batido a cabeça na palmeira ou simplesmente por obra e graça de Deus que o queria santo, hipótese mais aceita pelo povo do lugar ”. Houve uma comoção geral  daquela gente simples e  piedosa do interior,  que sofria pelo vaqueiro amigo que perdeu a vida no cumprimento do seu dever. Os anos se passaram e o povo não o esqueceu.  

 Com o passar do tempo passaram a rezar pela sua alma, muito comum na época,  e pedir graças e a noticia começou a se espalhar que o vaqueiro se tornara milagreiro e que em sonho indicava aos moradores,  carnaubeira, onde  foi encontrado morto,  como fonte dos milagres. De acordo com a crendice popular, a carnaubeira passou a ser usada como tratamento, para  todos os males incuráveis:  sua cascas, palhas e até as raízes serviam para os chás milagrosos.

            No início do século XIX, foi construída no local da morte do vaqueiro, em Mulundus, uma pequena ermida de palha,  para realizações de novenário no  aniversario da morte do vaqueiro Raimundo, 31 de agosto, e a devoção se espalhou se transformando em centro de peregrinação. 
           
Os vaqueiros e a fé

            Vale registrar  que toda a região era muito propícia a criação de gado que eram  comercializados no Arraial da Feira atual Itapecuru Mirim ou transportada para São Luis via rio Munim.

            As crianças desde muito cedo começavam a aprender o mister de vaqueiro, que era a função de maior status entre os escravos. A profissão de vaqueiro passava dos  pais para  os filhos.

 A região que compreendia Itapecuru Mirim, Vargem Grande, Chapadinha, Brejo, Anajatuba, Manga do Iguará (Nina Rodrigues), Araioses, Cantanhede e outras  existia grandes fazendas de gados o que justifica as   centenas de vaqueiros  devotos do Santo espanhol,  que segundo a lenda, enquanto fazia suas orações a Virgem Maria esta enviava um anjo para guardar os rebanhos sob os seus cuidados, daí a ter um “representante” conterrâneo melhor ainda.
           
A promessa

            Por volta dos anos 30 do século XIX, o tenente-coronel Antonio Bernardino Ferreira Coelho  adquiriu o Engenho Primavera que outrora pertencera a madrinha do vaqueiro Raimundo Nonato. Na constância do cargo de Deputado Provincial Antonio Bernardino transferiu a Vila  de Olho d’Agua para Vargem Grande pela em 1845.  No final dos anos cinquenta o deputado vendeu o Engenho Primavera ao coronel Francisco Solano Rodrigues. Ao comprar as  terras adquiriu também a escravatura dos antigos proprietários com todos seus costumes e crendices. No local se estabeleceu com a família depois do casamento com a senhora Luíza Roza Nina Rodrigues, onde tiveram sete filhos: Djalma, Joaquim, Raimundo, Themístocles, Antônio, Saul, e Maria da Glória. 

Muito religiosa Dona Luiza, quando chegou já encontrou a capelinha em Mulundus que fazia parte da propriedade da família. Passou a fazer a  manutenção  e  incentivar o culto a São Raimundo Nonato. Em 1862, enquanto gestava um dos seus filhos se sentiu muito doente então fez promessa, que se tivesse um bom parto, o filho receberia o nome do Santo, porque além de protetor dos vaqueiros é invocado como patrono e protetor das parturientes e das parteiras, porque durante o seu nascimento a sua mãe faleceu e ele foi extraído vivo. 
O pequeno Raimundo nasceu no dia 4 de dezembro de 1862, porém foi uma criança com a saúde frágil e mais uma vez Dona Luiza recorreu ao Santo pedindo proteção e saúde ao filho e em troca prometeu fazer vir da Espanha  uma imagem autêntica confeccionada na oficina sacra da  terra natal de São Raimundo. Quando o filho atingiu a juventude a imagem foi encomendada. A trajetória da imagem foi difícil. Ela foi enviada à  Portugal de lá foi feito o translado de navio para a capital, São Luís, depois foi levada de  barco a vapor até Itapecuru –Mirim quando as autoridades locais e eclesiásticas a transportaram até a igreja de São Sebastião e depois à  Mulundus. A chegada da imagem ocorreu no penúltimo quartel do século XIX. 

O filho da promessa,  Raimundo Nina Rodrigues  o mais ilustre filho da terra, foi  médico legista, psiquiatra, professor e antropólogo. Faleceu em 1906.

Dona Luíza figurou como responsável pela festa durante muitos anos  sendo seguida por seu filho o capitão Saul Nina Rodrigues que mesmo residindo no Engenho São Roque em Anajatuba, gerindo os negócios da família mantinha negócios em Vargem Grande tendo continuado como Mordomo da festa. Dona Luiza faleceu  em 17.12.1911. 

O tenente- coronel Francisco Solano Rodrigues, foi juiz de direito, Comandante Superior da Guarda Nacional, da Vila de Vargem Grande,  deputado constituinte, Presidente da Câmara de Anajatuba e grande benfeitor de Vargem Grande, tendo cedido uma das suas casas para servir de cadeia pública  à Vila.

De 1937 a 1942, no vicariato de um dos padres mais empreendedores da paróquia, Alfredo Bacelar, foi levado a efeito  uma grande reforma na igreja matriz  de São Sebastião e a  reforma e ampliaçao da capela e construçao do Altar-Mor em Mulundus.

Transferência da festa para Vargem Grande

Vale citar mais uma vez a conversa com o veterano José Braga, em sua grande mesa sempre as voltas com seus escritos: “Fui a primeira vez em Mulundus aos 16 anos, corria o ano de 1935. Nunca tinha visto tanta gente reunida. O que mais me impressionou foi a quantidade de foguetes e os cavaleiros desfilando com os cavalos muito bem arreados, com as mulheres nas garupas, já que na época não existia carros. Os cavalos eram uma beleza, verdadeiros desfiles de bonitas montarias com o rabo quase arrastando no chão e as crinas aparadas e penteadas.  Tudo lindo!”  Segundo ele lá fervilhava.  Eram carros de bois, desfiles de cavalos, ambulantes apregoando suas mercadorias, batizados, casamentos, pagamentos de promessas, procissão e os bailes com as orquestras de fora, divididos por categorias: Baile de primeira classe para brancos e ricos e de  segunda para os demais. Na época da festa Mulundus fervilhava.  Para a festa os romeiros improvisavam barracas de palhas e alegavam a falta de segurança motivando muitas escaramuças entre forasteiros e romeiros, resultando em mortes e feridos.

Desde o início do Século XX, começaram as campanhas pela imprensa,  pelos moradores e principalmente pelos comerciantes para a transferência da festa para a sede de Vila de Vargem Grande. O povoado de Mulundus, era desprovido de estrutura adequada para a celebração da festa que havia se tornado muito grande.

Porém os tradicionalistas resistiam, por achar que a festa deveria permanecer no local onde iniciou. Foram anos de negociações para solucionar o impasse. Somente em 1953, na gestão do arcebispo Dom José Medeiros Delgado,  houve a transferência da festa para Vargem Grande, passando a ter uma maior projeção. Os conservadores, no entanto, inconformados continuaram celebrar São Raimundo Nonato em Mulundus, que em consenso a igreja fixou a data do evento no povoado para o mês de outubro e assim respeitando a religiosidade popular. A festa reúne fiés de todo o Maranhão  também de outros Estados, em pagamentos de promessas.
O Santo Espanhol, São Raimundo Nonato foi um doutor da igreja, um grande Bispo e mártir da fé católica.

Roma não santificou (ainda) o vaqueiro Raimundo Nonato de Mulundus, porém, o povo o proclama SANTO.  Roga por nós, São Raimundo!


terça-feira, 28 de agosto de 2018

JOÃO DE SOUSA E O PEIXE BOI



    

Tiago Oliveira

A fazenda da Palmeira Torta na margem esquerda do caudaloso rio Itapecuru, tinha como vizinha, rio acima a Fazenda Santa Rosa e rio abaixo a maior povoação da região, Areias que era ponto de encontro e rota de passagem dos moradores das redondezas. Já na margem direita Porto Alegre e São Roque. Na fazenda da Palmeira Torta moravam os Sousas há mais de um século, onde cultivavam cana-de-açúcar, algodão, milho, arroz e mandioca e criavam algumas cabeças de gado, contudo já corria a segunda década do século XX e por isso a mão de obra escrava não existia, entretanto, os seus descendentes ainda estavam por lá. O sr. Bernardino Cerqueira de Sousa cuidava da propriedade com sua esposa Sebastiana Alves de Sousa e seu filho João de Sousa, que despertava suspiros das jovens moças da região, mas só queria diversão nada de compromisso sério. 

Num certo dia do mês de janeiro caía um belo arrebol quando o velho ancião disse ao seu filho, que acompanhasse sua mãe até o rio, e a colocasse na canoa grande que os dois iriam para as novenas de São Sebastião em Areias. Como de costume João de Sousa só iria durante o baile para conquistar as moças. Com o casal já pronto para deixar o porto da fazenda, surge ao longe vindo em sua direção outra canoa, já mais perto um grito percorre as águas do Itapecuru: Ei compadre, Bernardino vamos! Que, responde: - vamos siô!

A canoa trazia a família Vieira da Silva da Fazenda Santa Rosa, na popa: Patrício Vieira da Silva, na proa: o seu filho José Vieira da Silva e no banco do meio: Luiza Vieira da Silva e sua filha Eliete Vieira da Silva. João jogou-se no rio para banhar e assim tentar olhar mais de perto a irreconhecível Eliete, enquanto, as duas canoas sumiam na curva do rio que antecede o estirão de Areias. Para espanto de todos João se arruma com a sua roupa de domingo e, a cavalo, ruma para a Capela de São Sebastião, com o intuito de ver Eliete de perto. Durante as ladainhas o jovem conquistador procura a todo custo encontrar o seu olhar ao da moça, que já o deixara inquieto e afeiçoado, com tanta beleza. 

Ao anoitecer os Sousas já estão de volta a Fazenda da Palmeira Torta e João começa a questionar a sua genitora sobre Elite, esta lhe responde: - filho esta menina, não é como as outras daqui, ela é noviça em convento de São Luís e segundo sua mãe vai ser freira, só veio para as novenas de São Sebastião, assim que terminar ela voltará para São Luís. Seguem-se os dias de novenas e nada do rapaz receber qualquer olhar de afeto, daquela que havia lhe deixado encantado. No antepenúltimo dia João já se agoniava com o fim das novenas, até que ele resolve ir até ao Povoado Porto Alegre pedir ajuda para a mais notável benzedeira da região, Dodoca já em sua casa, indaga: - Dodoca, a senhora. conhece alguma oração, reza ou feitiço que faça alguém me querer, eu pago quanto for. Mas ouve da sábia benzedeira o indesejado: - Rapaz eu não faço isso, pois ninguém pode mandar no sentimento dos outros, além disso, não trabalho com feitiço, só uso minhas orações para o bem. Por que, você não procura Siríaco? Ele é quem sabe dessas mandigas. 

Ele, então pega sua canoa e vai ao encontro de Siríaco, no povoado São Roque e ao fazer os mesmos questionamentos ao curandeiro, este lhe responde: - João eu só sei de uma mandiga, porém é difícil, já que não sei se funciona e o pior de tudo é que não tenho o necessário, pois o que você precisa está incompleto. João rebate: mas, eu quero tentar. Fala logo do que eu preciso?

Siríaco diz: - você precisa de três olhos de Peixe-boi, dois tu colocarás em cada bolso da frente de tua calça e o outro numa pequena bolsinha colocada em seu pescoço, enrolada na oração da última ceia Quomodo corpus Domini tractet, qui in peccato est? e, além disso, tu precisarás ser o primeiro a pisar em cima da marca do pé dela na areia, antes que essa suma, por três vezes seguidas. Mas, João eu só tenho dois e custam: cem mil réis. 

João de Sousa argumentou que: - os Peixes-boi comiam Campim-canarãna no porto de sua casa, sempre ao entardecer; negociou com o velho Siríaco e correu para sua casa, para tentar capturar o animal e assim conseguir o último olho que faltava para a sua mandiga. Já em sua casa pediu para o ferreiro da fazenda, o velho Xingu preparar um arpão grande e forte que suportasse matar um Peixe-boi, porém o velho lhe alertou que isso era perigoso, pois, esses bichos pareciam gente, tinham muita força e poderia matá-lo afogado. Seu pai soube desta invenção e falou que não iria lhe emprestar a canoa grande da fazenda, porque precisava ir para as novenas de São Sebastião, porém seu filho estava determinado com ideia de conquistar a moça e não desanimou, afirmando que mataria o bicho a pé mesmo, da beira do rio. 
Às 16h, todos que iam para as celebrações em Areias, já estavam embarcando na canoa grande, apenas Xingu resolveu ficar para a caçada incomum. Os dois intrépidos caçadores ficaram um tronco de sabiá na barreira do rio, amarraram a ele uma corda de náilon e na outra extremidade desta uma lançam com o arpão na ponta. Com a saída de todos, as águas se acalmaram o suficiente para que os animais se aproximassem da mira do arpão; não demorou muito, e logo os capins se agitam é rebuliço para todo lado, alguns começam a subir a flor d’água para respirar, mas ainda não o perto o bastante. O velho ferreiro disse: - João espera, não jogue ainda! Esqueci-me do lampião e do fumo para passar na corda para acalmar o bicho. Calma! Vou buscar e subiu a ribanceira do rio correndo. Foi só Xingu sumir para um animal aparecer na flor d’água comendo os capins; neste momento o jovem apaixonado, não pensou duas vezes e lançou sua arma na direção do bicho. O arpão foi certeiro, mas faltava força para retirar a presa do rio, era um puxa para cá, puxa para lá. Quando ficou claro que o morão de sustentação quebraria o caçador enrolou parte da corda em seu braço direito e o grande mamífero de uma puxada só levou com ele para às águas do Itapecuru o jovem João de Sousa e o seu desejo de conquistar Eliete.

Quando o velho Xingu voltou só encontrou as marcas na beira do rio e o banzeiro na água deixado pela luta ferrenha dos dois. Este ficou desesperado e se jogou atrás de seu patrão, mas já era tarde demais. Quando seus pais retornaram de Areias, mobilizaram muita gente das povoações vizinhas. Porém, ninguém mais encontrou o seu filho e aquele lugar às margens do rio Itapecuru ficou conhecido até os dias de hoje como, João de Sousa. 

 
Tiago de Oliveira Ferreira é Graduado em Língua Portuguesa e Literatura (UEMA) e Pós-graduado pelo Instituto Superior Franciscano (IESF). Professor de Santa Rita (MA) e Itapecuru Mirim. Professor Substituto da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Campus CESITA – Itapecuru Mirim. Livros publicados:  Caminhos do Itapecuru uma viagem, pelo Jardim do Maranhão (2016); Areias de Santa Rita (2017). E membro da Academia Itapecuruense de Letras, Ciências e Artes – AICLA.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

LIXÃO A CÉU ABERTO: PROBLEMA SOCIAL, ECONÔMICO, AMBIENTAL E DE SAÚDE PÚBLICA






Carlos Aroucha

 Os impactos causados pelos lixões, nas áreas social, econômica, ambiental e de saúde pública são significantes e vergonhosos. O tema é amplamente discutido nessas esferas. Todavia, os órgãos ambientais do poder público e as autoridades competentes parecem desconhecer a gravidade e magnitude destes impactos ambientais, causados pela forma inadequada da disposição final de resíduos sólidos ou matéria-prima (lixo), que se caracteriza pela simples descarga sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública.
Geralmente, ainda se associam aos lixões fatos altamente indesejáveis, como a presença de animais, com a existência de famílias de catadores de resíduos sólidos ou matéria-prima (lixo), os quais retiram do lixo o seu sustento para sua sobrevivência, muitas vezes alimentando-se de resíduos encontrados nestes locais e residindo insalubremente nas áreas dos lixões.

Segundo a Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (Abrelpe, 2013), dos 5.570 municípios que existem no Brasil, mais de 3.500 têm lixões oficiais a céu aberto, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Isso significa que 65% dos municípios brasileiro têm lixões. Lixão oficial a céu aberto caracteriza um crime ambiental e um atentado contra a saúde pública.
A Lei n° 12.305/10 institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regulamentada pelo Decreto 7.404/10. Essa lei cria metas e estratégias nacionais importantes sobre o tema, e determina a elaboração de um Plano Nacional de Resíduos Sólidos com ampla participação social, e determina que todos os lixões do país deveriam ter sido eliminados e fechados até 02 de agosto de 2014 e o rejeito (aquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado) encaminhado para aterros sanitários adequados. O que não aconteceu? Estima-se que mais da metade, ou seja, 65% dos municípios brasileiros ainda dispõem seus resíduos de forma inadequada, criminosa e ambientalmente incorreta.
Lixão a céu aberto  de Caxias, região dos Cocais (MA).
Apesar da determinação da Lei n° 12.305/10, que institui a PNRS ter surgido, a Lei de Crimes Ambientais (Lei Nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998), em seu Art. 54, classifica a poluição como um crime ambiental, ou seja, quem causar poluição e a mesma provocar danos à saúde humana e ao meio ambiente, isso incluindo a destinação inadequada de resíduos sólidos, estará sujeito a pena e multa para os seus responsáveis, neste caso, os gestores municipais, que por meio de seus atos destinam de maneira incorreta e criminosa os resíduos sólidos ou matéria-prima (lixo) para os lixões. 
Os resíduos sólidos ou matéria-prima (lixo), assim lançados a céu aberto, acarretam grandes problemas e impactos nas esferas sociais, econômicas, ambientais e de saúde pública. Veja abaixo um resumo das descrições dos problemas e impactos ambientais relacionados com essas esferas citadas acima.
Socialmente, os lixões configuram-se e evidenciam-se em um grande problema e uma realidade de exclusão social, dentro e fora dos lixões, pois atraem catadores que, por não possuírem outra perspectiva de renda, encontram nos lixões sua fonte de subsistência. Existe também um preconceito com relação aos catadores em razão de seu trabalho com o lixo (resíduos sólidos ou matéria-prima), por perceberem atitudes aversivas de pessoas em relação à sua própria imagem de catador de material reciclável.
Os lixões apresentam grandes impactos econômicos para a sociedade, pois o país perde bilhões de dólares por ano, por não reciclar tudo o que poderia, ou seja, os materiais descartados de maneira inadequada que poderiam ser inseridos em diversas cadeias produtivas, com isso reduzindo custos de produção e obtenção de matéria-prima.
Com relação aos problemas ambientais, os lixões agravam a poluição, gerando maus odores, gases do efeito estufa, poluição do ar, do solo e das águas superficiais e subterrâneas através do chorume (líquido de cor preta, mal cheiroso e altamente nocivo e com elevado potencial poluidor produzido pela decomposição da matéria orgânica contida no lixo), e por substâncias químicas como chumbo, cádmio, mercúrio, berílio, etc., oriundas de equipamentos eletrônicos, baterias, pilhas e metais, comprometendo os recursos hídricos, e ainda provocam poluição visual e/ou estética.
A saúde da população é afetada de maneira direta e indiretamente, devido à proliferação de macro e micro vetores de doenças (ratos, baratas, moscas, mosquitos, bactérias, vírus, etc.), que são responsáveis pela transmissão de várias doenças como leptospirose, dengue, cólera, diarreia, febre tifoide, hepatite, dentre outras.
Portanto, os lixões não apresentam problemas apenas de ordem ambiental, mas também social, econômica e sanitária. Têm-se discutido muito acerca da construção e/ou implantação de aterros sanitários consorciados com os municípios adjacentes de cada estado, uma vez que isso diminuiria os custos para a sua instalação. Mas, infelizmente, por ausência de políticas públicas ambientais voltadas para a solução do problema, o destino incorreto que ainda é dado aos resíduos sólidos urbanos e rurais, de mais da metade dos municípios brasileiros, ainda é o conhecido lixão a céu aberto. Haja vista, lixão é crime ambiental, é incorreto ambientalmente e ecologicamente, mesmo assim, é moralmente aceitável no Brasil.
     
            José Carlos Aroucha Filho  natural de  São Bento (MA), Graduado  em Engenheira Florestal pela Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA. É especialista em Gestão Interdisciplinar do Meio Ambiente e Educação Ambiental pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano – IESF. É também professor, escritor, ambientalista, agroecologista, palestrante, consultor ambiental e radialista, com  intensa atividade como palestrante na área ambiental e educacional. Na execução dos seus trabalhos vem contribuindo para o despertar  de jovens e adultos no âmbito da educação ambiental, da preservação ambiental e das práticas sustentáveis.