sábado, 27 de junho de 2015

AS LIVRARIAS DO RIO DE JANEIRO E DE SÃO LUIS

           Por: Benedito Buzar
Sou frequentador de livrarias desde que fui para o Rio de Janeiro, no final da década de 1950, após concluir o curso científico no Liceu Maranhense, que me habilitou a ingressar em faculdade de nível superior. Assim, cheguei à Universidade Rural, aprovado em Agronomia, curso que abandonei por não gostar de números, mas de letras. Por amar as letras, fui seduzido pelos livros, ferramentas que me conduziram às livrarias do Rio de Janeiro, onde morei quatro anos e ali iniciei a construção do meu modesto patrimônio cultural.
As livrarias cariocas, à época, abundantes, ricas e bem frequentadas, faziam parte de minhas andanças no centro da cidade, localizadas nas ruas Sete de Setembro, Uruguaiana, Ouvidor, México e Avenida Rio Branco, que sediavam as renomadas Civilização Brasileira, Record, Forense, José Olympio, Kosmos, Francisco Alves, Zahar e Da Vinci, esta, com os dias contados e vivendo os últimos dias de glória.
Eram todas essencialmente livrarias. Dentro delas nem pensar encontrar discos, brinquedos e material de papelaria. Em suas prateleiras, somente jornais, revistas e livros, nacionais e estrangeiros. As que vendiam livros usados ou de segunda mão e conhecidas por sebos, tinham como quartéis generais a Rua São José e a Praça Tiradentes.
Eu frequentava livrarias não apenas para comprar livros, prazer praticado com as sobras da minha mesada, mas, assistir aos lançamentos de obras, eventos realizados pelas editoras, em finais de tardes, com a presença de autores e convidados – intelectuais, jornalistas, artistas e políticos.
Perdi a conta de quantos escritores conheci em tão agradáveis ambientes, num período em que o Rio de Janeiro era o maior centro produtor e irradiador de cultura do país. Não foram poucas as vezes que, por conta de minha incontida impetuosidade, com alguns escritores, troquei palavras e pedi autógrafos.
Foi num evento, na Livraria José Olympio, que vi pela primeira vez, em carne e osso, o escritor maranhense Josué Montello, que lançava o romance – A décima noite. Perto de acabar a solenidade, bem concorrida e farta, dele aproximei-me e identifiquei-me como seu conterrâneo. Só por isso, ganhei o livro e o autógrafo. Guardo com imenso carinho este presente de Josué, não sabendo, ele e eu, que um dia seriamos confrades na Academia Maranhense de Letras.
Quando abandonei a Universidade Rural, por total incompatibilidade com o curso de Agronomia, regressei a São Luis, no final de 1961. No ano seguinte, ingressei na Faculdade de Direito, por meio de vestibular; na Assembleia Legislativa, por vontade do povo.
Em São Luis, abracei simultaneamente a vida política e cultural.  Para enfronhar-me nas atividades culturais da cidade, comecei pelas livrarias, que ainda encontrei funcionando: a Universal, no Largo do Carmo, a Moderna, na Rua de Nazaré, a Borges, na Rua do Sol e a Colegial, na Praça João Lisboa.
Nenhuma delas vendia exclusivamente livros. Também se comercializava material de escritório e papelaria.  A Universal e a Moderna, as maiores e mais sortidas, disponibilizavam livros e revistas nacionais e estrangeiras e orgulhavam-se de ter como fregueses figuras da elite maranhense, como os médicos Pedro Neiva, Matos Serrão e Bacelar Portela, os advogados Fernando Perdigão, Antenor Bogéa e Orlando Leite, sem esquecer os intelectuais José Nascimento de Moraes Filho, Domingos Vieira Filho, José Bento Neves. Ferreira Gullar, Lago Burnett, Lucy Teixeira, José Sarney, entre outros, que agitavam a cena cultural nativa, graças aos movimentos da Movelaria e do Centro Gonçalves Dias.
Aquelas livrarias, todavia, não chegaram aos anos 1960 com o pique do passado. Não demoraram a dar sinal de se aproximarem do fim, sobretudo porque eram empreendimentos familiares e capitaneados por gente cansada e sem substitutos para a continuidade dos negócios.
Resultado, uma a uma saiu de cena e São Luis só não ficou sem livraria porque um ex-vendedor da Livraria Universal, chamado Antônio Neves, tomou a si o encargo de inaugurar na Rua Oswaldo Cruz, que não tinha tradição de vender livro, a Galeria dos Livros.
A princípio, funcionava no corredor de uma casa, cuja maior parte era ocupada por um salão de cabeleireiro, propriedade de D. América Serra de Castro. Em 1963, com a desativação do salão, Antônio Neves expandiu o negócio e a Galeria dos Livros, por acompanhar o movimento editorial do sul do país, oferecia títulos para todos os gostos literários e fazer algo inédito em São Luis: lançar festivamente livros de autores maranhenses, em tardes ou noites de autógrafos.
Com a promoção desses eventos, que mobilizava a cidade, a Galeria dos Livros ganhou credibilidade e o seu proprietário conquistou a fama de mecenas. Intelectuais do porte de Bandeira Tribuzi, Arlete e Nauro Machado, José Chagas, Lago Burnett, Odilo Costa, filho, Josué Montello, Viriato Correia e José Sarney, então governador, ali, lançaram livros, com direito a sucessos retumbantes de público e venda.
Até o começo da década de 70, a Galeria dos Livros, incontestavelmente tornou-se dona do mercado livresco de São Luis. Mas a avançada idade de Antônio Neves levou o negócio a gradativamente perder força até desaparecer definitivamente.

Depois da Galeria, outras livrarias surgiram. Algumas razoáveis, outras nem tanto. Todas, contudo, sucumbiram diante da concorrência com a internet, que vem se encarregando de estrangular quem teve ou tem a iniciativa de montá-las. Nos dias hoje, aqui e alhures, livraria só subsiste se fizer parte de grandes empreendimentos. São os chamados mega store, em que o livro perdeu o seu charme e, lamentavelmente, virou um produto como outro qualquer.










TRIBUTO AO POVOADO TINGIDOR

           
            Por: Tiago Ferreira Oliveira
As terras que compõem atualmente o Povoado Tingidor pertenciam às Sesmarias de São Benedito e Contendas, que rementem ao período Colonial do Brasil e foram deixadas pelo seu senhor aos escravos e moradores da região. Um desses moradores (herdeiro) que foi possível catalogar o seu nome é o Sr. Luís Paulo, que teria chegado à região do lugarejo lá pelo fim do século XIX. As terras da comunidade pertencem atualmente ao Sr. Luís Cecílio de Paulo Carvalho, que é filho do Sr. Luís de Pulo, sendo que o primeiro afirma ter nascido na comunidade e ter mais de oitenta (80) anos de idade.
Além, disso existem mais de cento e setenta (170) famílias, totalizando quase mil (1.000) moradores residindo em uma área aproximada de trezentos (300) hectares, que está localizada a aproximadamente quarenta e dois (42 km) quilômetros da sede do Município.
Porém, há fortes indícios que esta localidade era rota de passagem e de descanso de viajantes entre a Vila da Manga (atual Nina Rodrigues) e a Vila do Itapecuru-Mirim, sendo que os viajantes pegavam os vapores ou gaiolas ou pequenas canoas, no Povoado Gaiola Grande. O Historiador Cezar Marques cita em seu Livro intitulado: Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão a existência do Povoado Gaiola e menciona que o mesmo foi palco de batalhas durante o período da Balaiada em 1840, fazendo do Povoado Tingidor rota de fuga ou de esconderijo dos rebeldes da época.
A origem do nome Tingidor é um pouco confusa e feita por deduções e historias ventiladas pelos moradores ao longo dos anos. Contudo, a teoria mais aceita seria esta: até o início da década de setenta (70) do século XX os moradores do interior do Maranhão por falta de hospitais e médicos tratavam dos seus doentes, com a medicina tradicional e era bastante comum quando um morador adoecia e ficava por vários dias doentes, os seus familiares e os vizinhos começavam a preparar o seu velório e a guardar (vela-lo ainda vivo) o doente, já que supostamente, quando se tratava dos moradores mais velhos, os mesmo conheciam o dia, de sua morte. Neste momento, moradores das localidades vizinhas ao povoado em tela e do próprio local se serviam das seguintes plantas: Paruru (a casca), Goiaba-Araça, Murici de Capote, Angelim e Jenipapo, que eram socadas dentro de um pilão adicionando água durante a socagem. O sumo (liquido) deste processo era colocado em vasilhas onde as roupas ficavam mergulhadas por vinte e quatro horas, após todo este processo no dia seguinte as roupas eram sujas com uma lama, que existia próximo ao um poço dentro do Satuba (áreas alagadas cheias de juçaras e buritis), que cerca o povoado. Todo este processo tinha a finalidade de deixar as roupas pintadas da cor preta, que eram tradicionalmente utilizadas nos atos fúnebres. Fazendo, desta a teoria mais aceita pelos moradores da localidade.
Aspectos Gerais:
1.                 A representação da comunidade é feita por meio de três associações locais, que são, a saber: Clube de Mães, Associação de Moradores e a Associação dos Produtores Rurais;
2.                 A geração de renda local é feita a partir do trabalho rural, por meio de roças tradicionais, aposentados, Bolsa Família, extrativismo do babaçu, juçara, buriti, caça e pesca;
3.                  Á comunidade é predominantemente cristã dividindo-se entre católicos e protestantes. Contudo, como de costume as religiões africanas coexistem em harmonia;
4.                 As moradias melhoraram substancialmente, já sendo grande o número de residências de alvenaria, mas ainda é possível observar casas de taipa cobertas de telha ou apenas taipa e palmeira de babaçu;
5.                 A comunidade possui dois (02) prédios escolares, que atende os moradores de toda a região, formando o alunado da educação infantil até a de nível médio;
6.                 O atendimento médico é feito por meio do Programa Saúde da Família e as consultas são realizadas no Posto de Saúde local, de maneira semanal;
7.                 A preservação ambiental não é feita a contento, primeiro pela falta de informação local, segundo pela falta de programas locais de coleta e beneficiamento dos resíduos residências;
8.                 As manifestações culturais são: Dança da Peneira, Dança do Coco, Bumba Boi, Tambor de Crioula (homenagem a São Benedito da Casa do Formo de Santa Rita-MA), Festejo Local com utilização de Radiolas de Reggae, Missas Católicas, Cultos Religiosos, Jogos de Futebol etc. 

REFERÊNCIAS
Jucey Santana;
Professora da Comunidade, Gracinha;
Monitora do Programa Mais Educação, Gilnália;

Luís Cecílio de Paulo Carvalho, proprietários.










quinta-feira, 25 de junho de 2015

TEMPORADA JUNINA DE ITAPECURU

Por Jucey Santana
O Arraial Junino do município de Itapecuru-Mirim, este ano será realizado entre as Praças da Cruz e a Gomes de Sousa e ocorrerá no período de 23 a 29 de junho. A temporada promete ser uma das mais animadas, sob os auspícios da Prefeitura Municipal tendo à frente o dinâmico secretário de Cultura Alexandre do Kid.
Diversos grupos culturaislocais, estão preparados para suas apresentações como a dança portuguesa Luz Arte Portugalense de Ricardo Richardson, a Ciranda, que é uma mistura de ritmos, da CIA ARTI dirigida por Alisson Rilkt, a quadrilha Rosa de Ouro, os grupos culturais das diversas escolas e da zona rural das comunidades Quilombolas.
Quanto ao Bumba Boi ecomo sendo a maior expressão da nossa cultura maranhense, terra de Mariana Luz está bem representada por duas tradicionais agremiações, ambas com características de sotaque de orquestra. Que sabem fazer bonito em todos os arraiais maranhense que se apresentam
Vale acrescentar que os grupos folclóricos do Bumba Boi, tem ligações com diversas tradições, africanas, indígenas, europeias e festas religiosas católicas.  É tombado, como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
O BOI APAIXONADO que completou este ano 18 anos de fundação, tem como amo o poeta imortal da Academia Itapecuruense de Ciências Letras e Artes – AICLA. Moaciene Lima. Este ano o grupo veio com a temática “Como Tudo Começou” relembrando a sua fundação e os percalços da sua trajetória.  Os compositores são Gleiciene Lima e o próprio Moaciene e o puxador das toadas este ano é o cantor Silas Gomes. Com uma bonita indumentária, promete fazer a alegria de todos.  O batizado aconteceu no dia 17 às dezoito horas, em frente a Paróquia Nossa Senhora das Dores, recebendo as bênçãos para atender aos diversos compromissos nas mais diversas cidades do interior e também na capital.
O BOI MOCIDADE ALEGRE, tendo à frente o animador Josivaldo Rodrigues, o conhecido     J.R.  À seis anos, anima os nossos arraiais.  Este ano o tema escolhido ficou por conta da“Diversidade Religiosa”, muito própria da brincadeira junina.  J.R. e´ um agente da nossa cultura com muita estrada.  Ele é oriundo dos grupos teatrais da cidade. Foi um dos fundadores do Grupo TEIT e continua incansável na militância pela nossa cultura.  É um boi bonito, e este ano trás uma comissão de frente composta de lindas criança, filhas de brincantes e de amigos da sociedade que lhes dá apoio.
Este ano segundo J.R.o grupo sofreu sérias restrições financeiras, quase que inviabilizando a sua preparação, porém com esforço e solidariedade dos amigos e da Prefeitura Municipal a Alegria de sua Mocidade continua encantando a todos.  A orquestra é comandada por Marcelo Alves e o puxador  das toadas é o experiente Emerson Barbosa o “Neguinho da Mocidade”.  

Eia, Meu Boi!Que venha, São João, São Pedro e São Marçal.  Boa temporada a todos.



terça-feira, 23 de junho de 2015

FRAGMENTOS HISTORIOGRÁFICOS SOBRE ITAPECURU-MIRIM

Por João Carlos Pimentel
A transcrição ou cópia digitalizada de alguns fragmentos historiográficos que podem contribuir para o registro da história de Itapecuru-Mirim.  O primeiro deles é de autoria do Major Francisco de Paula Ribeiro.
Esse militar português recebeu a incumbência de estabelecer a divisão limítrofe entre as capitanias de Goiás e do Maranhão. Ao longo dessa missão, Francisco de Paula Ribeiro produziu memórias significativas sobre o Maranhão, publicadas postumamente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, nos anos de 1848 e 1849. A transcrição que fazemos aqui é de uma edição mais recente publicada na coleção Maranhão Sempre com a seguinte referência: RIBEIRO, Francisco de Paula. Memórias dos sertões maranhenses. Reunidas aos cuidados de Manoel de Jesus Barros Martins. São Paulo: Siciliano, 2002.
O capítulo que trás informações sobre Itapecuru-Mirim tem como título: Roteiro da viagem que fez o Capitão Francisco de Paula Ribeiro às fronteiras da Capitania do Maranhão e da de Goiás, no ano de 1815, em serviço de S.M. Fidelíssima.
Paula Ribeiro chegou à Itapecuru-Mirim no dia 4 de março 1815. Abaixo transcrevemos as suas impressões sobre a localidade:
Itapucuru-Mirim, segundo lugar notável deste mesmo rio [o primeiro era Caxias – grifo nosso], é fundado na sua margem leste. Está 3º e 45’ na latitude sul, e na longitude pouco mais de 30’ a oeste do que o porto do Maranhão. Tem pouco mais ou menos 320 fogos [casas – grifo nosso].
São térreos os seus edifícios, feitos de madeira e barro, cobertos de telhas alguns, e os mais cobertos de palha de palmeira, a que chamam de pindoba. As ruas não são bem reguladas, porém em melhor arrumação do que as do lugar do Rosário, e tem unicamente uma capela ainda não bem acabada.
São europeus pela maior parte os seus habitantes estabelecidos ali com lojas de fazendas secas ou molhadas: todo o resto é gente pobre, e vive miseravelmente. Não tem espécie alguma de lavoura, ainda mesmo entre os últimos, para manter-se, assim por natural indolência sua, como porque a natureza estéril daquele pedaço de terreno arenoso a ela não os convida. Vivem como os da freguesia do Rosário de tudo que lhe vem do Maranhão [São Luís – grifo nosso], 30 léguas distantes, à exceção do artigo carnes verdes, ou ainda secas, durante o tempo em que descem os gados dos sertões da capitania.
Neste lugar se ajuntam todos os anos, desde janeiro até julho, as boiadas que desta capitania e da do Piauí vêm a vender-se em feira aos contratadores do talho público da capital, ou aos lavradores do Itapucuru, que para o sustento das suas escravaturas compram a maior parte.
A causa por que é de muito comércio provém da feira acima dita, em cuja ocasião e sempre sucede deixarem os boiadeiros (nome que eles dão aos que conduzem o gado) o produto dos seus bois trocados em fazendas, que dali levam para gasto das suas famílias, ou para tornar a vender por outros bois, que ao depois ali conduzem. Exporta muito algodão para a sua capital, e o recebe dos lavradores do centro e dos da beira-rio em retorno dos gêneros que lhes fornecem para seu arranjo e maneio.

É o ponto principal da freguesia do mesmo nome, a qual se extrema para o norte na fazenda da Barriguda com a freguesia do Rosário, e para o sul na Cachoeira Grande com a da vila de Caxias. Também extrema ao centro pela parte de leste com a Iguará ou Mirim, distrito aquele pelo qual é a estrada por terra para a dita vila de Caxias; e pela parte de oeste se estende até aos primeiros despovoados das vertentes do rio Mearim, como em o seu lugar competente se vê do referido mapa incluso, descrito a n. 11 e debaixo das suas respectivas marcas. (RIBEIRO, 2002, pp. 72/73).

sexta-feira, 19 de junho de 2015

MANOEL COBRA

por: Jucey Santana
As cobras eram assuntos frequentes nas histórias das crianças: as picadas, os perigos e os benzedores. E as jiboias que os comerciantes soltavam nos armazéns para devorarem os ratos.  Eram as cobras-gatos! Existiam cobras que não queriam ser chamadas de velhas, de vovó; outras davam chicotadas com o rabo; tinham as que não gostavam de fogo; outras astutas, que aproveitavam quando a mãe dormia, tiravam o bebê do peito e mamava enquanto enganava a criança que ficava chupando o rabo da cobra. As Sucurijus que engoliam tudo que encontravam cabritos, porcos, gente e até bois.
Tinham as com esporão no rabo; as traiçoeiras, que ficavam à espreita dos incautos viajantes; o abraço mortal das jiboias e tantas histórias que povoavam os nossos sonhos de criança. Quantos pesadelos!
Tratando-se de cobras, vale lembrar que na última metade do século XIX, morava em Itapecuru Mirim, um rico comerciante português, chamado Manoel Caetano Martins, conhecido como “Manoel Cobra”, proprietário de negócios no ramo de importações e exportações, barcos a vapor e criação de gado. (Jornal do Maranhão, 21.12.1893). O português foi um grande benemérito da cidade. Tendo sido incansável no socorro às vítimas da grande enchente do rio Itapecuru no ano de 1895.
Tendo perdido um irmão vitimado por mordedura de serpente, lançou uma campanha para acabar com os répteis peçonhentos da cidade, comprando ao valor de uma “pataca” (moeda) todas as cobras que lhes levassem, vivas ou mortas. Foi um festival de cobras!
O português Manoel não conseguiu seu intento, porém reuniu em suas prateleiras, grande variedade de coloridas cobras engarrafadas no álcool, que segundo eles, serviam de antídoto para as picadas mortais.
O citado português criou e educou o desembargador Itapecuruense Raimundo Públio Bandeira de Melo, encaminhando-o  à Recife e posteriormente ao Rio de Janeiro para conclusão do curso de Direito. Em homenagem ao seu benfeitor, o desembargador batizou o primeiro filho com o   nome de Manoel Caetano.
Convém registrar que Manoel Caetano, (1918-2008) o filho do desembargador itapecuruense, fazendo jus ao referencial de inteligência da família Bandeira de Melo, de Itapecuru Mirim, foi advogado, escritor, poeta e ensaísta, tendo sido ocupante da cadeira número 11 da Academia Maranhense de Letras, patroneada por outro Itapecuruense, João Francisco Lisboa.
Do livro Marianna Luz, vida e obra, e Coisas de Itapecuru Mirim de Jucey Santana


 

segunda-feira, 15 de junho de 2015

A LITERATURA EM FOCO

Com a Palavra o Escritor e o Leitor

            Por: Jucey Santana                                                                       
O Curso de Letras do Centro de Estudos Superiores de Itapecuru-Mirim   CESITA -  UEMA, promoveu um relevante evento de 8 a 11 do corrente, intitulado I CICLO LITERÁRIO, tendo como foco a literatura regional.
Como palestrantes foram convidados o escritor, pesquisador e membro da Academia Maranhense de Letras, o professor José Neres que em sua fala enfatizou a importância da valorização da literatura maranhense e Itapecuruense, lembrando que nossos autores muitas vezes são relegados ao esquecimento. A professora, escritora, dramaturga e roteirista Lenita Estrela Sá em sua palestra fez uma viagem na literatura maranhense narrando a origem do seu talento citando vários escritores maranhenses e divulgando a sua obra. E finalmente os autores itapecuruenses, membros da Academia Itapecuruenses de Ciências Letras e Artes.
O jornalista Brenno Bezerra falou sobre a criação e objetivos da AICLA, e fez uma demonstração dos membros efetivos e patronos da instituição, dando conhecimento ao público acadêmico das personalidades itapecuruenses, muitas das quais desconhecidas, que a Academia procura resgatar.
Jucey Santana fez um relato desde a época que o Maranhão recebeu o honroso título de “ATENAS BRASILEIRA”, e os itapecuruenses agregados a esse fenômeno literário, dando-lhe o subtítulo a Itapecuru de Atenas Maranhense, na oportunidade exortou ao acadêmicos que estudasse nos autores da terra como:
 João Lisboa, Henrique Leal, Lisboa Serra, José Candido de Morais e Silva, Mariana Luz, Hastimphilo de Moura, Pedro Nunes Leal, Gomes de Sousa, Viriato Correa, Salomão Fiquene, Enoi Nogueira da Cruz, Blandina Santos, Nascimento Araújo, Hermes Rangel, e os contemporâneos, Benedito Buzar, Benedita Azevedo, Josemar Lima, Inaldo Lisboa, Gomes Meireles e Arlete Nogueira Machado.
A imortal Assenção Pessoa discorreu sobre o seu trabalho, com vistas a literatura infantil, mostrando a importância na formação de leitores a partir da primeira infância.
No local foi montado exposição de livros de autores itapecuruenses.  O evento que foi coordenado pelas professoras de literatura Edneide Maria e Samira Fonseca, com o total apoio dos diretores Tácito Borralho e Hellen Mamede, foi coroado de êxito, tendo alcançado plenamente os seus objetivos.
Vale destacar o desempenho dos futuros professores: Brenno Bezerra, com dois livros de pesquisa à publicar, Gleiciene Monteiro, compositora renomada, os poetas, Alda Maria, Helena e Francisco Benedito. Outro destaque é o estudante Jônatas, coletando dados com vistas a escrever a história do povoado Tingidor e seus ancestrais, além da professora Samira Fonseca, já com obra publicada.
Com certeza com o curso de letras, surgirão inúmeros talentos, para a manutenção da tradição literária itapecuruense. Estão todos de parabéns. 






sexta-feira, 12 de junho de 2015

POBRE DO POBRE

           Mauro Rêgo
            Há alguns meses pensei em escrever alguma coisa sobre a exploração do pobre orquestrada pelo Governo Federal que se diz o defensor dos humildes e marginalizados, mas sempre que ouvia o comentário dos jornais acerca do assunto, ia deixando para depois.  Essa ideia ressurgiu quando do conhecimento de que os sorteios das Loterias foram se multiplicando até chegar à situação atual em que todos os dias há sorteios, sendo um, como a Quina, realizado diariamente.
            Falava-se outrora do “ópio do povo”, apontado como sendo a religiosidade. Na situação atual, o ópio tornou-se a esperança de acertar os números mágicos dos sorteios diversos através dos quais O Governo Federal consegue arrecadar milhões de reais diariamente, os quais “em tese” devem ser aplicados na educação, nos esportes e na saúde pública, mas também engordam as possibilidades para os mensalões, os petrolões, etc.
            E o pobre brasileiro, sabendo que acertar os números é a única oportunidade que tem para pagar dívidas e melhorar a situação de sua família, passa mais necessidades, reduz a ajuda na educação dos filhos e desleixa a sua saúde, para tirar alguns minguados reais para tentar a loteria.
            E mais uma vez, constatamos que aqueles que menos têm são os que engordam os cofres públicos. Já é um absurdo explorar os pobres com loterias diárias, e essa situação foi agravada recentemente, pois o valor das apostas aumentou em até 50%, e isso sem haver aviso, sem haver discussão, sem noticiário escandaloso da imprensa. O apostador, na quase totalidade, só teve conhecimento quando se aproximou do guichê. Alguns passaram vergonha.
            Se os dirigentes da Caixa Econômica elevaram o valor das apostas dessa forma criminosa, o fizeram com o apoio da Presidência da República e dos Ministros que deviam defender o povo, mas que, na ganância de lucros cada vez maiores, sujeitaram os pobres a diminuir as suas condições de vida, pois o “ópio” da loterias é tão oneroso quanto o uso do crack, da maconha e de outras substâncias que grassam no meio dos mais pobres.
            Sabemos que muitas pessoas de recursos gastam muito dinheiro nas apostas, mas a maior de todas as contribuições vem mesmo das camadas pobres que, com o valor mínimo continua sonhando com a liberdade financeira.
Pobre do pobre brasileiro, explorado até nas suas pouca esperanças. Lembro-me de um soneto de Camões em que ele reclama: “só não pode tirar-me a esperança, pois mal me tirará o que não tenho”.

A Presidente, os ministros e os dirigentes da Caixa jamais lerão esta crônica, que aparentemente é inútil, mas fica aqui um brado vindo do interior, que não será certamente “retumbante”.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

I CICLO LITERÁRIO DO CESITA, A LITERATURA MARANHENSE EM FOCO





EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE ITAPECURU-MIRIM

Por: Mauro Rego.
            No ano de 1818, três anos depois que o Brasil se tornara Reino, unido ao de Portugal e Algarves, sob o domínio do rei D. João VI, era fundada e instalada a vila de Itapecuru-Mirim, sede da freguesia e do município do mesmo nome.
            Os moradores da Ribeira do Itapecuru, estabelecidos no chamado Arraial da Feira, já haviam dirigido aos monarcas anteriores, em várias ocasiões e a partir de 1767, solicitação para que expedissem o alvará de sua confirmação como Vila, eis que, as povoações fundadas em terras de particulares, quando emancipadas, recebiam essa designação, enquanto as criadas em terras da Coroa eram as que recebiam o título de Cidade. Até o início do século passado, em 1920, as vilas e as cidades eram sempre sede dos municípios.
            No início do Séc. XIX, o Estado do Maranhão já novamente se desligava do Estado do Grão Pará, estendendo o seu território além do atual Estado do Piauí. Era independente do Estado do Brasil, cujos limites iam do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. A Ribeira do Itapecuru era uma das províncias desse Estado Colonial e se estendia da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário até Aldeias Altas, acima da cidade de Caxias, passando pela Freguesia de Nossa Senhora das Dores. Esta povoação ia crescendo graças à prosperidade de seus comerciantes e dos proprietários de terras, engenhos de cana e escravos.
            Os apelos feitos desde o reinado de D. José III encontraram acolhida somente no de D. João VI, que a 25 de setembro de 1801 havia expedido uma provisão régia para criação da Freguesia e a 27 de novembro de 1817 concedia ao Fidalgo da Casa Real José Gonçalves da Silva, autorização para fundar, à sua custa, uma vila nas terras que aqui possuía. Pela autorização transmitida pelo Rei ao Ouvidor da Comarca do Maranhão, deveria ser comprovada a residência de pelo menos 30 casais brancos e de estarem prontas a Casa da Câmara, a cadeia e as casas destinadas ao abrigo dos tabelionatos.
            Assim, comprovado o cumprimento da exigência real, o Desembargador Ouvidor e Corregedor da Comarca do Maranhão, Francisco de Paula Pereira Duarte juntou-se ao Alcaide-Mor José Gonçalves da Silva, representado pelo seu procurador Antonio Gonçalves Machado e, diante da Nobreza, do Clero e do Povo que se achavam reunidos na Praça da Cruz, fundou e instalou a Vila de Itapecuru-Mirim no dia 20 de outubro de 1818. Durante o ato cívico foi lida a Provisão Real expedida em 27 de novembro de 1817 em consequência do Decreto de 14 de junho do mesmo ano que decretava a criação da Vila.
            Fundada e instalada a Vila de Itapecuru-Mirim, foi empossada a primeira Câmara Municipal, à qual competia a administração pública do município até o final de 1889, quando proclamada a República.  As dificuldades de transporte e comunicação com a sede do Reino, fez com que somente a 20 de março de 1820 o Rei D. João VI aprovasse e confirmasse o feito, determinando a criação das repartições jurídicas.
            Os registros pesquisados ainda não nos dão conta exata dos vereadores dessa primeira Câmara Municipal, mas acredito ter sido a mesma que, no ano de 1823, proclamava a Adesão do Maranhão à Independência do Brasil. Confirma-se, entretanto, a sua instalação, pois a 3 de março de 1819, o mesmo Desembargador Francisco de Paula Pereira Duarte oficiava ao Presidente da Câmara para confirmar os limites do novo município.
            É esta a História que queremos resgatar. É o fundador e Alcaide-Mor José Gonçalves da Silva que desejamos revivificar nas tradições desta cidade. A história de um município de 197 anos, do qual se tem eliminado meio século de existência, de uma cidade cuja Câmara Municipal participou de grandes lutas e conquistas políticas que honram a sua tradição, enriquecem a sua cultura e enche de orgulho os seus filhos.

   O texto faz parte do livro inédito: “As Crônicas de Anajatuba” de Mauro Rego

quarta-feira, 3 de junho de 2015

ITAPECURU-MIRIM

As Curiosidades do Mês de Junho

Por Josemar Sousa Lima
SÉRIE CRÔNICAS – ANO II/nº 18/2015
Uma Irmandade de negros que esperou 31 anos para receber autorização para erguer uma capela na freguesia de Itapecuru-Mirim e outras histórias...

Muitos acontecimentos importantes aconteceram no mês de junho na trajetória histórica do município de Itapecuru Mirim, tendo como marco referencial o ano de 1630, quando Bento Maciel Parente, Capitão de Estradas do Maranhão, solicitou que a Capitania Geral fosse subdividida em quatro, sendo uma delas denominada de Ribeira do Itapecuru. A justificativa era a franca expansão econômica da região decorrente fertilidade de suas terras, piscosidade de suas águas, abundância de caças, implantação e expansão da atividade pecuária e a instalação de numerosos engenhos de produção de açúcar às margens do rio Itapecuru, situação que atraia a cobiça estrangeira.

Claro que temos outros marcos referenciais que remontam a trezentos milhões de anos, quando o nosso Candidodon Itapecuruensis se enroscou ai na margem do Rio Itapecuru, que se formava àquela época, e virou fóssil; o aparecimento dos indígenas, há aproximadamente onze mil anos; e os primeiros contatos dos indígenas com o homem branco, no nosso caso os jesuítas, ai por volta de 1616.

Vimos na Crônica de Maio, que Bento Maciel Parente tinha interesses políticos e familiares na região e que toda essa expansão dava-se baseada na mão de obra indígena e, posteriormente, dos negros africanos escravizados.
Os índios e os negros não tinham acesso a quaisquer diretos, fossem eles de natureza econômica, social ou cultural.

Qualquer iniciativa de organização, principalmente dos negros, era encarada como uma ameaça à estabilidade social e econômica da região e reprimida a ferro e fogo.  Mesmo aqueles negros que possuíam Carta de Alforria (negros forros) e que até eram donos de engenhos e escravos eram esnobados pela elite branca.

Um fato, entretanto, acontecido em 10 de junho de 1816, quando a região já tinha avançado de uma Subcapitania para a condição de Freguesia de Itapecuru-Mirim, em decorrência da Provisão Régia de 25 de setembro de 1801, indica que as comunidades negras da região lutavam pelas mínimas conquistas possíveis. Nessa data foi concedida pelo vigário-capitular, Agostinho Ferreira, a autorização para que os membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos construíssem uma capela com a imagem da santa de devoção.

Essa solicitação tinha sido encaminhada ao promotor eclesiástico desde 12 de julho de 1785, que dela discordou alegando que a petição não atendia às formalidades de direito, simples desculpa burocrática! Passaram-se exatamente 31 anos para que a comunidade alcançasse a bendita autorização.

Há indícios, entretanto, que a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos já possuía uma capela ou mesmo uma igreja com a imagem da santa quando protocolou a petição, pois em 23 de julho de 1732 o provedor-mor da Fazenda Real, João Valente de França, questiona o rei D. João V sobre a representação feita pelo visitador José de Távora e Andrade acerca do estado em que se encontrava a igreja da Freguesia da Ribeira do Itapecuru-Mirim.

Então a irmandade, mesmo na clandestinidade, construiu sua igreja e nela colocou a imagem de sua devoção?

Tudo indica que não! É que a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos já existia formalizada no Brasil desde 1639, tendo inicialmente se constituído no Rio de Janeiro, sendo uma confraria de culto católico, criada para abrigar a religiosidade do povo negro, que na era da escravidão era impedido de frequentar as mesmas igrejas dos senhores.

No Brasil, ela foi adotada por senhores e escravos, sendo que no caso dos negros ela tinha o objetivo de aliviar-lhes os sofrimentos infligidos pelos brancos. Os escravos recolhiam as sementes de um capim, cujas contas são grossas, denominadas “lágrimas de Nossa Senhora”, e montavam terços para rezar.

A irmandade ainda existe em alguns estados brasileiros e com quase quatro séculos de existência, constitui-se numa referência para os movimentos de consciência negra, porque apresenta uma tradição religiosa que remonta aos tempos dos primeiros escravos.

E de se supor que a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Itapecuru Mirim tenha se constituído sob inspiração das irmandades já existentes no Brasil, talvez até recebendo auxílio delas para poder resistir e funcionar mesmo antes de receber a autorização oficial para construção da capela.

A igreja dos pretos realmente existiu, construída nas proximidades do prédio da Cadeia Pública, onde atualmente fica a Associação da Caema, conforme pesquisas realizadas pela escritora JUCEY SANTANA e registradas em seu livro “Mariana Luz - Vida e Obra e coisas de Itapecuru Mirim”, recém-lançado.

Tudo leva a crer que a capela servia inicialmente apenas aos negros e, que após a criação da Freguesia em 1801, passou a atender toda a comunidade, pois nela foi instalada a Paróquia de Nossa Senhora das Dores.
Essa tese ganha força quando se verifica que até na década de 60 havia em Itapecuru Mirim os bailes de primeira, segunda e terceira classes, sendo que nos bailes de primeira não eram permitida a presença de negros considerados comuns, mães solteiras, prostitutas, etc..

Essa igreja desapareceu do mapa, mais o nossos amigos Jamil Mumbarak e Dona Rosário Tajra afirmaram à escritora Jucey Santana que ainda se lembram de terem visto as ruínas de pedras das colunas de sustentação do prédio.

Há referências também à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos quando da execução de Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme. O Autor do livro “Brejo, aldeia dos Anapurus”, sem citar a fonte, afirma “A execução de Cosme ocorreu no dia 20 do supracitado mês (setembro), às dez horas, no largo da Igreja, assistida por muitas pessoas...”.

Ora, em 1842 ainda não havia sido construída a atual igreja, sendo ali um cemitério com uma pequena capela também da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Esse cemitério era conhecido como “Cemitério do Arreial”, que também desapareceu do mapa, mas suas lendas continuam povoando o imaginário popular.

Ali defronte da igreja atual existia até na década de 60 uma frondosa mangueira, que produzia anualmente belas frutas, mas que eram completamente desprezadas pela meninada sob a alegação de que eram mangas de cemitério e que uma visagem com túnica branca aparecia por lá à meia noite. Muitas vezes vi lindas mangas sobre à areia branca do largo da igreja; dava uma vontade enorme de comê-las, mas a lenda falava mais alto que a fome!


Em outro registro sobre o enforcamento de Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, escrito pelo Monsenhor Joaquim de Jesus Dourado (1969, p. 63-64), que serviu na paróquia de Vargem Grande, o autor descreve os últimos momentos vividos por Cosme:

Vila de Itapecuru-Mirim – A Praça do Mercado está cheia de curiosos. Todos querem ver, dependurado na forca, o corpo de Dom Cosme Bento das Chagas, o chefe dos negros rebeldes, na revolta da Balaiada...”.

Outra clara evidência de que a Cadeia Pública, a Igreja e o Mercado formavam um único conjunto arquitetônico, constituindo o núcleo gerador da cidade de Itapecuru Mirim.

Há, ainda, resquícios dos rituais adotados pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos nos atuais festejos religiosos realizados pela Paróquia de Nossa Senhora das Dores em Itapecuru Mirim, quando crianças se vestem de anjos ou com a túnica marrom de São Benedito, cumprindo promessas feitas pelos pais.

Busco essas referências para mostrar que ainda estamos necessitando de uma segunda abolição. Aquelas dificuldades enfrentadas pelos nossos antepassados escravizados, índios e negros, muitos deles atualmente transformados em “caboclos”, podendo ter qualquer cor, mas em comum a pobreza, ainda perduram. Queiramos ou não, o sangue que flui no oceano de nossos corações veio de rios e igarapés que nasceram nas aldeias e nas senzalas.

 Os negros que sonharam com a liberdade e lutaram na Guerra da Balaiada, com a rendição, foram todos reescravizados e a reescravidão quando se manifesta abre chagas muito mais profundas e doloridas do que a própria escravidão, pois ela destrói sonhos e esperanças...

Aquela demora de trinta e um anos para responder a uma petição para construção de uma capela está tão presente na escancarada desigualdade atual de acesso à renda, à saúde, à educação de qualidade, à política, à infraestrutura básica e produtiva nos povoados, principalmente naqueles originários de quilombos ou aldeias.  São pequenos os avanços e as vítimas maiores são os idosos e as crianças, condenados a morrer à míngua de doenças epidêmicas e que podem ser perfeitamente evitadas. A senzala apenas se multiplicou em casebres sem as mínimas condições de salubridade.

Ando pelos povoados e vejo pessoas novas e idosas sendo progressivamente mutiladas pelo diabetes não diagnosticado e tratado – perdem parte dos membros, às vezes a visão, e ficam lá esperando a morte chegar. Há diferença entre isso e os grilhões, chicotes de couro de veado capoeiro e outros castigos que enfrentavam nas senzalas?

A luta pelas terras que cultivaram para sustento de uma elite econômica e política, que ainda vive, se arrasta em volumes e volumes de processos que tramitam nos órgãos públicos sem qualquer prioridade e, de quando em quando, uma liderança que emerge e manifesta sua indignação é eliminada a tiros de pistola 1.40, aquela preferidas dos matadores de aluguel.


Neste mês de junho também celebramos os aniversários de nascimento do Professor JOÃO DA SILVA RODRIGUES,  nascido em 23 de junho de 1901, GRACIETE DE JESUS COELHO CASSAS,  nascida em 02 de junho de 1931 e de JOÃO BATISTA PEREIRA DOS SANTOS, nascido em 24 de junho de 1963, todos já falecidos, integrantes da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA,  na condição de Patronos ou Patronesses, mas que não podem ser esquecidos pelo legado que deixaram para o desenvolvimento de Itapecuru Mirim e, hoje, integrantes da Legião do Além, ajudam  e orientam a todos nós na busca de caminhos margeados pela ética e pela justiça.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A GUERRA DOS BEM-TE-VIS

A Balaiada, no Maranhão, foi descrita pela historiografia como um levante de facínoras e ladrões movidos pelo ódio aos brancos. Hoje já se tem uma ideia bem diferente do conflito
Matthias Röhrig Assunção
     A Balaiada foi um levante de ban­doleiros que infestavam os ser­tões do Maranhão e do Piauí, durante os anos 1838-1841.Facínoras, ávidos de rapina, o chamado "povo de cor" não tinha outras aspirações políticas além de um ódio genérico contra os brancos. Terá sido assim mesmo? É esta, pelo menos, a vi­são que perdurou até bem recentemente. Hoje já se tem uma outra ideia da Balaiada, movi­mento popular que não pode ser compreendi­do, evidentemente, fora do contexto dos conflitos políticos da Independência e da Regência. Na verdade, examinan-do-se de maneira isenta a documen­tação do período, percebe-se que o discurso dos rebeldes, ao contrário do que diz a historiografia oficial, aparece profundamente impregnado de ideais nativistas e liberais.
     O nome dado à revolta derivou-se da alcunha de um dos seus líderes, o Balaio, reputado, pela tradição, como o mais cruel e sanguinário dos rebeldes. Entre as suas façanhas constaria a de haver mandado costurar um leitãozinho vivo na barriga de uma de suas vítimas, na cidade de Caxias (MA). Esta visão satanizada do movimento deriva, em larga medida, do relato do escritor Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), secretário de Luiz Alves de Lima no governo do Maranhão durante o conflito. A memória histórica e documentada da revolução foi pu­blicada poucos anos depois da revolta, em 1847. Nela, Magalhães pinta um quadro pouco favorável da pro­víncia do Maranhão, cuja população viveria, segundo ele, ainda em estado semisselvagem. A indolência dos maranhenses, tão deplorada por Magalhães e seus contemporâneos letrados, reflete sobretudo o seu des­prezo pelo modo de vida dos caboclos do interior.
     Tanto para a burocracia imperial quanto para os fa­zendeiros, somente o comércio ou a grande lavoura de exportação eram considerados fontes de riquezas. No caso do Maranhão, milhares de escravos do eito (a po­pulação cativa constituía 52% dos 216 mil habitantes recenseados da província) produziam o algodão e al­gum arroz para exportação. Trabalhavam também nas fazendas de gado no Piauí, na "baixada" e no sul do Maranhão. A área da grande lavoura se restringia às melhores terras dos vales de alguns rios e seus afluen­tes, como o Itapecuru, onde se concentrava a popula­ção escravizada. Nos interstícios desta economia es­cravista havia se desenvolvido uma produção campo­nesa. Os "caboclos" - termo que no Maranhão desig­na não somente o descendente de índio, mas qualquer pequeno produtor - plantavam mandioca, milho e feijão para sua subsistência, vendendo o eventual ex­cedente. Complementavam suaDIETAcom a colheita de frutas silvestres, a caça e a pesca.
     Eram justamente estas atividades que a elite es­cravista condenava, pois não as considerava como trabalho. Além do mais, o agricultor de subsistência não pagava impostos, e portanto era visto como inútil para o Estado. Desde a época colonial as au­toridades se queixavam da independência dos cabo­clos e tentavam controlar esta população por todos os meios. O recrutamento para as forças armadas era tido como a melhor solução para tirar o caboclo de sua "indolência" e forçá-lo a ser útil à sociedade.
     No Maranhão e no Piauí, a Independência foi conquistada pela força das armas de um exército de voluntários, alistados desde o Ceará, contra uma eli­te portuguesa, ou de origem portuguesa, que preten­dia manter a província dentro do império lusitano. Sua derrota, em 1823, quando as duas províncias "aderem" ao Império do Brasil, foi relativa, pois rapi­damente os portugueses reconquistaram posições de poder na esfera provincial. Por esta razão, ações con­tra "os portugueses" assumiram dimensões impor­tantes até bem depois da Independência. Reivindica-va-se a remoção dos portugueses de cargos impor­tantes ou mesmo a sua expulsão da província.
     Os conflitos políticos e sociais no Maranhão ten­diam a se sobrepor a antagonismos étnico-raciais. Após a Independência, por motivos de legitimação, os liberais tendiam a identificar a elite conservadora com "os portugueses" (independentemente do fato de que muitos tivessem nascido no Brasil), enquanto se apresentavam como o partido "brasileiro". Assim o Partido Liberal, ou "Bem-te-vi", como era chamado no Maranhão, reivindicava ser o legítimo represen­tante da nação brasileira. A hora dos liberais chegou com a abdicação de d. Pedro I (1831), quando a Re­gência introduziu reformas descentralizadoras que resultaram na eleição de assembleias provinciais e de autoridades locais, como os juízes de paz. Estes últi­mos passaram a deter o poder de polícia nos municí­pios e presidiam as mesas durante as eleições.

    Os conservadores, se não goza­vam de grande prestígio entre as classes populares, puderam contar com o apoio do governo central durante o Primeiro Reinado, e ain­da mais durante a reação centrali­zadora que, a partir de 1837, nova­mente alterou o equilíbrio das for­ças políticas no Império. Como su­cedeu em algumas outras provín­cias, o presidente do Maranhão, Vicente Camargo, um conservador, criou prefeituras em 1838. Os pre­feitos concentravam o poder de polícia em cada comarca e eram responsáveis pelo recrutamento. Nomeados pelo presidente da província, costuma­vam abusar de suas atribuições, perseguindo adver­sários políticos e procurando controlar, por todos os meios, a população pobre e livre.
     Os liberais se viram eliminados do poder não so­mente no âmbito regional, mas também na esfera política local, já que os juízes de paz eleitos tinham perdido suas atribuições mais relevantes. O recrutamento, em particular, era a arma predileta dos prefeitos para dispensar favores, disciplinar os recalcitrantes, e se li­vrar dos elementos considera­dos perigosos. Com cada fi­lho recrutado, a família camponesa perdia uma importante força de tra­balho. Por esta razão, muitas famílias caboclas decidiram esconder seus filhos em idade de servir nas matas, que nes­ta época ainda eram abundantes em toda a província. Levavam co­mida a lugares predeterminados, e assim muitos jovens conseguiram escapar daquilo que a memória oral passou a chamar de "Pega".
     O tempo do "Pega" pode ser con­siderado a fase de incubação da Ba­laiada, pois na segunda metade de1838 já havia muitos caboclos vi­vendo escondidos na mata para fu­gir ao recrutamento. Em novembro, Francisco Ferreira, apelidado de o Balaio, libertou um filho seu que, por ter resistido ao recrutamento, fora levado preso por uma pequena força, junto com mais alguns indivíduos considerados desertores. Este episódio é lembrado pela memória oral como o início da Balaiada. Foi também registrado nas fontes de arquivo, apesar de não ser mencionado pela historio­grafia. Esta, até agora, prefere a versão de que o Balaio, enfurecido pelo estupro de sua filha por um oficial do exército, jurou vingança e por isso cometeu toda sorte de latrocínios. Como este episódio é tão verossímil quanto o outro, podemos concluir que tal­vez tenham existido vários Balaios na Balaiada.
     No dia 13 de dezembro de 1838, o vaqueiro Rai­mundo Gomes, junto com nove companheiros, as­saltou a prisão da Vila da Manga para libertar seu ir­mão, preso, como recruta, pelo subprefeito da locali­dade. A ação de Gomes elevou a resistência ao "Pega" a outro patamar. Ele não somente empregou de for­ça para liberar um recruta, como fizera o Balaio, mas também fez uma proclamação política, inspirada nos princípios liberais. Nela, exigia o fim das prefeituras e do recrutamento arbitrário. Foi o estopim que atearia o fogo da revolta. Em pouco tempo, milhares de rebeldes, que se proclamavam do partido Bem-te-vi, se levantaram. E em cada região, a Guerra dos Bem-te-vis, como o episódio é conhecido na memória oral, assumiu características próprias.
     No sertão de Pastos Bons do Maranhão e na maior parte do Piauí, fazendeiros liberais de algu­mas posses, como Lívio Lopes, aderiram à revolta. No baixo Parnaíba e Maranhão oriental, milhares de caboclos também se levantaram. E no vale do Itapecuru, cerca de 3 mil escravos fugiram e consti­tuíram um formidável quilombo, na Lagoa Amare­la. Seu líder, chamado Cosme, se intitulava "Defen­sor das Liberdades Bem-te-vis" e buscava explicita­mente uma aliança com os rebeldes livres. Alguns autores acham que a distância entre livres e escravos aquilombados era grande demais para compor uma aliança viável. No entanto, muitos dos pobres livres viviam uma opressão muito próxima do cativeiro. O trabalho compulsório nas embarcações e estradas dos "índios domésticos", os habitantes das antigas aldeias, guardava muitos traços da antiga escravidão indígena. A repressão à liberdade de movimento dos forros também. Durante a primeira fase da re­volta, as forças da legalidade sofreram várias derro­tas importantes, e em julho de 1839 a cidade de Ca­xias foi tomada pelos rebeldes. Somente a remessa, pelo governo central, de tropas, dinheiro e de um general qualificado -Luiz Alves de Lima, o futuro duque de Caxias, que assumiu o comando unifica­do da província em fevereiro de1840 - consegue re­verter a situação.
     O general se utiliza da anistia imperial para dividir o movimento, forçando os rebeldes livres que se entregam a capturar os quilombolas. Alguns chefes bem-te-vis permanecem no mato fingindo que ainda são rebel­des, quando na verdade estão caçando escravos. Nesta últi­ma fase milhares de campo­neses, incluindo mulheres e crianças, se refugiaram nas matas. A memória oral registra que a tropa do governo "aparava crianças na ponta de espada", sugerindo que a repressão à Balaiada assumiu características de genocídio da população cabocla. No início de 1841, os últimos bem-te-vis são forçados a se entregar. Raimundo Gomes foi morto em circunstâncias pouco esclarecidas. O escravo rebelde Cosme é capturado e executado, após julgamento. Caxias enfim submeteu a província, mas a preço certamente muito alto.
Matthias Röhrig Assunção é professor na Universidade de Essex, Inglaterra, e autor de artigos e livros sobre a história do Maranhão, entre os quais A Guerra dos Bem-te-vis. A Balaiada na memória oral. São Luís: SIOGE, 1988.
Janaina Mello é professora assistente de História do Brasil na Universidade Estadual de Alagoas (FUNESA/ESPI) e doutoranda em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Nossa História - Ano 4 nº 37 - Nov. 2006


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