Benedito Buzar
Nestes
dias, de tantos fatos inusitados e acontecimentos surrealistas, um assunto
domina os meios jurídicos e políticos: o protesto contra o fim do
auxílio-moradia, que mais de 17 mil juízes, desembargadores e membros dos
tribunais superiores recebem mensalmente, mesmo que atuem nas próprias cidades
em que moram e tenham imóveis próprios.
O
auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados, e, embora
discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 2015 e que, pela
lei, deviam ser anualmente reajustados.
Lendo esta notícia, recuo no tempo e no
espaço e fixo o meu pensamento na minha inolvidável cidade de Itapecuru-Mirim,
a dos anos 1950 e 1960, em que os juízes Caetano Martins Jorge, Pitágoras
Gonçalves de Moraes, Kleber Moreira de Sousa, Juvenil Ewerton e Antônio
Guerreiro exerciam suas atividades judicantes numa comarca de segunda
entrância, que tinha como termos as cidades de Anajatuba, Cantanhede e Vargem
Grande.
Eram tempos em que os magistrados faziam
questão de residir na cidade onde exerciam a judicatura, o que vale dizer não
faziam parte dos chamados “Juízes TQQ”, epíteto conquistado pelos que trabalham
apena nas terças, quartas e quintas-feiras.
Esses bravos magistrados, quando designados
para a prestação de serviços jurisdicionais no interior do Estado, enfrentavam
um grave problema: a inexistência de imóveis para abrigá-los, eles que se
faziam acompanhar dos familiares, onde permaneciam até o dia da transferência
ou da promoção para comarcas de entrância mais adiantadas.
Como naquela época as cidades não eram
dotadas de hotéis, os magistrados valiam-se geralmente das casas de pensões,
lamentavelmente, precárias e destituídas de conforto para alojá-los com a
família.
Em Itapecuru, onde esse problema também
infernizava a vida dos juízes, um magistrado encontrou uma solução para
contorná-lo, que, nesse sentido, idealizou uma proposta e a encaminhou ao então
prefeito do município, o meu pai, Abdala Buzar.
Pela proposta do juiz Emésio Dario de
Araújo, lançada em 1963, a prefeitura, com recursos próprios, avocava o
direito de adquirir ou construir um prédio para servir de residência aos juízes
de Direito da comarca.
Sensível
ao problema e também empenhado em resolvê-lo, o prefeito Abdala Buzar de
imediato abraçou a proposta do magistrado e a encaminhou à consideração da
Câmara Municipal que aprovou o projeto por unanimidade, que se
transformou na Lei nº 246, imediatamente sancionada pelo chefe do
Executivo, em 18 de junho de 1963.
Como a lei autorizava a prefeitura a abrir um
crédito de trezentos mil cruzeiros para fazer face às despesas para construção
ou aquisição de um imóvel, o prefeito Abdala Buzar sem pestanejar comprou uma
ampla e confortável casa, localizado na parte mais valorizada da cidade,
na Praça Gomes de Sousa, e que pertencia aos herdeiros do honrado tabelião,
Alfredo Vidas da Cunha, onde os magistrados passaram a residir quando estavam
no exercício de suas atividades judicantes.
Este fato
mostra como, naqueles idos de 1960, o prefeito Abdala Buzar teve o
discernimento e a coragem de resolver um problema que se arrastava ao longo do
tempo e causava dissabores aos juízes de Direito que assumiam a comarca de
Itapecuru-Mirim.
Se naquela
época existisse o Prêmio Inovvare, certamente o meu pai seria aquinhoado com
este troféu.