E Miganville (1594)? e a cidade de Nazaré (1536)? como fica
essa história??
*Leopoldo Gil Dulcio Vaz
A cada ano, ao chegar o dia oito de setembro, alguns
estudiosos levantam o tema: o que se está a comemorar? A fundação da cidade do
Maranhão – São Luís – e/ou a instalação da França Equinocial? Assim como a
eterna pergunta – já de pouco mais de um século: francesa ou portuguesa?
Vejamos: a 24 de julho de 1612, Daniel de La Touche,
Francisco de Rasilly e o Barão de Sancy largam âncora na ilha de Sant' Ana e, a
6 de agosto, a esquadra entra no golfo, indo fundear frente a Jeviré (ponta de
São Francisco), onde se localizavam as feitorias de Du Manoir e do Capito
Guerard. Os franceses atravessam o braço de mar, indo se fixar em um
promontório onde, a 12 de agosto, uma sexta-feira, dia consagrado a Santa
Clara, celebram o santo ofício da missa.
A 8 de setembro, uma quarta-feira, dia consagrado à
Santíssima e Imaculada Virgem Maria, é realizada a solenidade de fundação da
Colônia.
Du Manoir, Riffault, dês Vaux e os piratas de Dieppe,
encontravam-se fundeados no porto, confirmam a presença continuada dos
exploradores de todas as procedências nas costas do Maranhão, e do Norte em
geral: uma companhia holandesa presidida pelo burgomestre de Flessingue,
ingleses, holandeses e espanhóis negociando com os índios o pau-brasil;
armadores de Honfleur e Dieppe; o Duque de Buckigham e o conde de Pembroke e
mais 52 associados fundaram uma empresa para explorar o Brasil; espanhóis de
Palos.
O historiador Antonio Noberto continua: “[...] tanto comércio
fez com bretões e normandos se estabelecessem com feitorias na Ilha Grande, e
um desses lugares era a aldeia de Uçaguaba / Miganville (atual Vinhais Velho),
misto de aldeia e povoação europeia. O porto usado nessas atividades era o de
Jeviré (Ponta d'Areia)”.
Vê-se, na Grande Ilha dentre outros, Migao-Ville, propriedade
do intérprete de Dieppe, David Migan. Pianzola, em sua obra “OS PAPAGAIOS
AMERELOS – os franceses na conquista do Brasil (1968, p. 34) “[...] No último
quartel daquele século, o que era apenas um posto de comércio, sem maior raiz,
tornou-se morada definitiva dos corsários gauleses, vindos de Dieppe,
Saint-Malo, Havre de Grace e Rouen, que aqui deixavam seus trouchements
(tradutores) que viviam simbioticamente com os tupinambá (escreve-se sem “s” mesmo).
Entre estes estava David Migan, o principal líder francês desta época. Ele era
o “chefe dos negros” (índios) e “parente do governador de Dieppe”. Tinha a seu
dispor cerca de vinte mil guerreiros silvícolas e residia na poderosa aldeia de
Uçaguaba (atual Vinhais Velho), apelidada de Miganville[...].(NOBERTO SILVA,
2011).
Após a (re)conquista portuguesa, o pelo engenheiro Francisco
Frias de Mesquita iniciou a construção de um povoado, próximo ao forte deixado
pelos franceses, sendo a primeira povoação no Brasil a ter a sua planta
previamente traçada em uma malha urbana octogonal, posicionada no sentido dos
quatro pontos cardeais.
Corroboram a afirmativa da existencia de outros fundadores –
além de LaTouche e Razzily (FERRO, 2014) – as discussões em torno de
comemorações do aniversário de São Luís, ocorrida no inicio do século passado,
conforme publicação dos jornais “Diário de São Luís”, e “A Pacotilha”, de 26 de
agosto de 1922. A proposta - feita pelos Professores Raimundo Lopes, Ribeiro do
Amaral e Raimundo Silva - de um marco comemorativo – projeto de Paula Barros -
em que deveriam constar o nome dos fundadores; incluo Migan; no Diário de São
Luis, sob o titulo O Centenário: O município escolheu o dia 8 de setembro para
a sua parte nas festas do centenário, por ser esse o dia da fundação da cidade
de São Luiz em 1612, pelos franceses comandados por La Raverdiére. [...] Entre
outras homenagens à data, o Sr. Coronel prefeito municipal, depois de se
entender com os Srs. Dr. Antonio Lopes, professor Ribeiro do Amaral e Raimundo
Silva, resolveu inaugurar na Avenida Maranhense, em frente à CSA do Município,
um marco comemorativo da fundação da cidade, que perpetue o acontecimento e
lembre os nomes dos fundadores. [...] O projeto, elaborado pelo Sr. Paula
Barros de acordo com as indicações dos professores acima, comporta um obelisco
de mármore em assente num plinto do mesmo material. Numa das faces do plinto
será gravada a flor de lis simbólica da França ao tempo da fundação. Na parte
oposta, o escudo do Estado. Nas duas outras faces inscripções, sendo uma alusva
a inauguração com a data – 8 de setembro de 1922 – e a outra com os nomes de Charles
dês Vaux, Ives d´Evreux e Claude d´Abeville, os funddores de São Luis, e a da –
8 de setembro 1612. O marco terá ao todo 5m, 24 de altura.
E na Pacotilha, sob o título A festa do Centenário: Tendo o município escolhido, dia 8 de setembro para as suas homenagens ao centenário
da independência nacional esta sendo elaborado um programa para esse dia, do
qual sabemos constar a inauguração do marco comemorativo da fundação da cidade
de S. Luis, ocorrida no dia 8 de setembro de 1612. É uma ideia feliz. Não há na
cidade uma lembrança do feito inicial da vida do Maranhão, essa aventura da
França Equinocial que tanto se individua como episódio à parte da história do
Brasil. Sabe-se o dia em que se fudou São Luis, sabe-se que o ato solene da
fundação teve lugar na esplanada hoje correspondente á Avenida Maranhense, e
não há nada na cidade que rememore o seu começo. O marco que isso lembre será
um momento indispensável. O marco comemorativo da fundação da cidade foi encomendado
hoje. Executá-lo-á, sob projeto do sr. Paula Barros, e dentro da brevidade do
prazo daqui até 7 de setembro, o marmortista sr. A. F. Brandão. O projeto
consta de um obelisco de mármore que assentará sobre um plinto em cujas faces
se lerão uma inscrição alusiva a inauguração, com a data de 8 de setembro de
1922 e outra com os nomes de La Raverdiere, Charles des Vaux, Claude
d´Abbeville e Ives d´Evreux. Nas duas outras faces, a flor de lis símbolo da
França e o escudo do Maranhão. O monumento terá, ao todo 5,m24. Para comemorar
a tomada de São Luis pelos portugueses, ergue-se, remodelada, com a estatua de
N. S. da Vitória, a nossa Catedral.
Ou conforme consta no Diário de São Luís, de 20.06.
1946: MARCO COMEMORATIVO DA FUNDAÇÃO DA CIDADE, na avenida Pedro II, praça do
tempo da Missão Francesa, foi levantado o “Marco Comemorativo da Fundação da
Cidade de S. Luiz”, erigido pelo município, no centenário da independência
nacional, a 8 de setembro de 1612. Sobre uma base tosca de pedras do Estado foi
assentado um prisma retangular revestido de mármore, ao cimo do qual descansa
uma pirâmide de granito maranhense, levantada por garras da mesma pedra. Numa
face do pedestal foram gravados os nomes das proeminentes figuras da missão:
Charles dês Vaux, Rasilly, La Ravardiére, Ives d´Evreux, Claude d´Abeville – 8
de setembro de 1612.
Como se vê, a ‘fundação francesa’ e a data de 08 de setembro,
remonta ao princípio do século passado...
E se considerarmos a Cidade de Nazaré? Que é de 1536? Com a
implantação do sistema de Capitanias hereditárias (1534), pela Coroa Portuguesa
no Brasil, a costa do atual estado do Maranhão ficou dividida em dois lotes, o
primeiro da altura do rio Gurupi à baía de Cumã, doado a João de Barros e a
Aires da Cunha, e o segundo, da baía de Cumã até à foz do rio Paraíba, doada a
Fernando Álvares de Andrade. Os três donatários, associados, organizaram uma
frota de dez navios, transportando novecentos colonos e cem cavalos, para
colonizar a região (1535).
Na altura da ilha de Trindade (atual São Luís), Aires da
Cunha pereceu num naufrágio. Os demais colonos fundaram, na própria ilha, uma
colônia com o nome de Nazaré, em março de 1536. Para a sua defesa, foram
erguidas três fortificações: uma à entrada da barra de Nazaré, outra na
confluência dos rios Mearim e Pindaré, e uma terceira no curso do rio Pindaré,
até onde era possível a navegação. (ESCOBAR, s.d.:67).
Se o ensaio colonizador de Duarte Coelho no Nordeste - o
primeiro bem-sucedido, em 1535 -, não passara de uma rede de “vilas” de pequeno
porte, a tentativa frustrada de Barros na costa Norte tinha o alto estatuto
oficial de “cidade”, só igualado por Salvador da Bahia 15 anos mais tarde.
(Rafael Moreira. 2021)
Talvez seja esse o motivo porque a historiografia dominante
no Brasil - de maioria sulista - tem ignorado o feito da cidade de Nazaré,
relegada ao domínio do mito e do malogro histórico (VARNHAGEN, 1907, p.
187-192).
Comenta Moreira (20121): Cremos ainda não ter sido notado que
o conhecido mapa da Biblioteca Nacional do Brasil (Rio de Janeiro) 'Descripçam
dos Rios Para e Maranham' de João Teixeira Albernaz de cerca 1632 (cota:
CAM.01.002 - Cartografia), apresenta bem visível na margem esquerda do rio
Itapecuru, acima da 'Cachoeira' e 'Fortaleza' que seguem à sua foz, frente a um
'Emgenho de asucar' e antes de outro, uma vasta área terraplanada tendo do lado
a legenda: “Aqui se ha de fazer a Pouoação pera cabeça do estado”.
Tem escapado aos historiadores que o foco do poderio militar
francês, o Fort Saint-Louis fundado no alto da acrópole da Ilha Grande do
Maranhão (onde hoje está a esplanada do Palácio do Governo e a Sé Catedral de
São Luís), foi erguido sobre as ruínas da antiga cidade portuguesa de Nazaré,
despovoada e abandonada quatro décadas antes. Afirma-o sem lugar a dúvidas um
relato oficial espanhol de c.1640 (“Descripcion y principio de aquel estado”
[Brasil], na miscelânea “Sucessos del Año 1624”: BIBLIOTECA NACIONAL DE ESPAÑA,
Madri, Ms. 2355, fols. 51-56). O anônimo relator espanhol escreve, depois de
narrar a tentativa frustrada da cidade de Nazaré: “Los que entraron con Juan de
Barros, discurriendo el Marañon, y siendo la navegación en aquel tiempo menos
entendida, nos se consumieron, y otros pasaron a Indias Occidentales, y no
quedó de su fundación mas memoria que en la Isla de San Luís algunos vestígios
de una fortaleza que empeçaron los fundadores, cuyos cantones y esquinas eran
de piedra de Alcantara [calcário branco dos arredores de Lisboa], y sobre estos
erigió Monsieur de la Reberdiere la que hallamos el año de 1615.” (f. 53v); e
mais adiante: “...la isla que llaman de San Luís en que los franceses tenían la
fuerça de San Luís, que mudamos el nombre en el año de 1615 quando se echó de
ella a Monsiur de Rauardiere, y la llamamos San Phelippe, y aqui fue la
población que empeçaron los hijos de Juan de Barros, y no continuaron por no
ser en aquel tiempo la nauegacion para alla tan bien entendida, y les faltó socorros.”
(f. 56v).
*Leopoldo Gil Dulcio Vaz, nasceu em Curitiba
(Pr), especializado em Educação Física, mestre em Ciências da Informação, especialista em Metodologia de Ensino e em Lazer e Recreação,
professor, escritor e pesquisador, faz parte das seguintes
instituições literárias: Academia
Poética Brasileira,
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e
Academia Ludovicense de Letras. Com vários prêmios em pesquisa histórica,
estaduais e nacionais. Editor das seguinte revistas: Nova Atenas, de
Educação Tecnológica (IFMA) eletrônica: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão - Edições 29 a 43: ALL em Revista - Eletronica da
Academia Ludovicense de Letras: Revista do Léo, Maranha-y e LUDOVICUS:
Condutor da Tocha Olímpica - Olimpíada Rio 2016.