terça-feira, 3 de setembro de 2024

MANDIOCA, FITOTOPÔNIMO RIBEIRINHO DO ITAPEUCRU

      Tiago de Oliveira Ferreira, Prof.º Ed. Básica do Município de Itapecuru Mirim; Me. PPGLetras – UFMA. [1]

Resumo

O presente trabalho visa demonstrar os fatores linguísticos e extralinguísticos que motivaram a nomeação de um povoado ribeirinho do rio Itapecuru no Maranhão com o étimo Mandioca. Durante o percurso de construção da pesquisa é possível observar a presença, por meio dos termos encontrados das três principais etnias que formaram o Brasil os nativos americanos, os portugueses e os africanos utilizando-se dos mesmos conhecimentos em torno do vegetal mandioca para a sua cultura alimentar. Logo, é perceptível que foram os fatores da língua e da cultura alimentar dela que criaram a motivação necessária ou fundamental para a nomeação do topônimo    ribeirinho. Outrossim, foi preciso tecer a descrição histórica da povoação    das margens do rio Itapecuru,   assim         como, as características geográficas da região afim de       localizar o leitor no espaço temporal e geográfico deste povoado. A fundamentação teórica baseou-se em autores da       historiografia clássica do Maranhão, tais como: Assunção (2015),    Coutinho (2005), e no que tange, aos autores fundamentais do ramo toponímico e da gramática propriamente dita o texto foi construído pelos preceitos de Dick (1990), Sampaio (1987), Lima (1998), Mey (1998) e Bechara (2011). Fundamentando-se assim, nas principais referências de estudos teóricos linguísticos, variações e valores semânticos. Pois, o principal objetivo foi compreender os traços sociolinguísticos,        históricos e antropológicos     que motivaram a nomeação do espaço geográfico foco do artigo. Os dados analisados       foram embasados numa pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo e multidisciplinar.  Dessa forma, os resultados obtidos serão relevantes para o saber linguístico e do léxico da bacia do rio Itapecuru.

 Palavras chaves: Toponímia, Mandioca, Motivação, Nomeação.

 Abstract

The present work aims to demonstrate the linguistic and extralinguistic factors that motivated the naming of a riverside village on the Itapecuru river in Maranhão with the etym Mandioca. During the construction of the research, it is possible to observe the presence, through the terms found, of the three main ethnicities that formed Brazil, the Native Americans, the Portuguese and the Africans, using the same knowledge surrounding the cassava vegetable for their culture. to feed. Therefore, it is clear that it was the language and food culture factors that created the necessary or fundamental motivation for naming the riverine toponym. Furthermore, it was necessary to provide a historical description of the village on the banks of the Itapecuru River, as well as the geographical characteristics of the region in order to locate the reader in the temporal and geographic space of this village. The theoretical foundation was based on authors of the classic historiography of Maranhão, such as: Assunção (2015), Coutinho (2005), and regarding the fundamental authors of the toponymic branch and grammar itself, the text was constructed by the precepts of Dick (1990), Sampaio (1987), Lima (1998), Mey (1998) and Bechara (2011). Thus, based on the main references of linguistic theoretical studies, variations and semantic values. The main objective was to understand the sociolinguistic, historical and anthropological traits that motivated the naming of the geographic space that is the focus of the article. The data analyzed were based on a qualitative and multidisciplinary bibliographical research. In this way, the results obtained will be relevant to the linguistic and lexical knowledge of the Itapecuru river basin.

Keywords: Toponymy, Cassava, Motivation, Naming.

As implicações do entorno de uma pesquisa sobre Toponímia

No que tange aos estudos deste campo da Linguística, ratifica-se que estudar a Toponímia tendo como foco a língua, a história, a geografia e a cultura de um povo é fazer um resgate do vocabulário antigo dos povos originários, do português brasileiro preexistente em um território, já que é possível conhecer nomes próprios deixados por grupos étnicos já extintos do Itapecuru, a saber: barbados, uruatis, guaxinarés; nomes ligados à mineração: Areias; nomes de propriedades rurais: fazenda Santa Rosa, São Roque; nomes ligados a flora local: Pequi, Timbotiba e Mandioca topônimo alvo da pesquisa embasado nos estudos onomásticos. 

Para se chegar aos resultados, é preciso observar os aspectos da linguagem local. Verificamos que para Lyons (2009, p. 7): “A linguagem, portanto, pode ser legitimamente considerada sob um ponto de vista comportamental (embora não necessariamente comportamentalista)”, isto é, para o autor ela tem a ver com as relações diárias que os falantes fazem entre o meio social a que pertencem e o conjunto de fatores que o cercam. Nessa linha de pensamento, a experimentação humana e os usos da fala no cotidiano são essenciais para o entendimento e embasamento dos fundamentos toponímicos.

Desta forma, o lugar de habitação é especial, é o chão onde fixamos nossas raízes, é por isso que, se lançarmos um olhar despretensioso sobre sua denominação, pode ser que não vejamos os variados motivos que teve o nomeador ao adotar um étimo como individualizador de onde fixa moradia, de onde escolhe como endereço, de onde constituirá família e, sem muito nos alongar, de onde alimentará sentimentos de pertencimento porque aquele lugar lhe é caro, por conta dos bens ali postos. O que queremos dizer é que o topônimo não serve apenas como o nome de lugar, mas como o elemento que está na vida das pessoas assim como estão seus documentos oficiais de identificação. 

Considerando esse caráter documental dos nomes dos lugares, nos vêm os questionamentos: (i) Por que nomear uma comunidade com um étimo indígena como mandioca? (ii) Por que usar uma palavra da flora sul-americana para perpetuar os usos e costumes locais de uma comunidade? (iii) Que importância local, municipal, estadual, regional, nacional ou continental teria um elemento da flora na gastronomia, na medicina popular, na língua, na história de vida das pessoas de um determinado lugar? Todas essas indagações perpassam pelo uso do termo mandioca para nomear uma comunidade localizada às margens do rio Itapecuru no município maranhense Itapecuru Mirim. 

O Povoado Mandioca, assim como Javi e Pequi, é uma localidade ribeirinha de Itapecuru Mirim. Distante 12 km da sede do Município, podemos chegar a ele tanto acessando o rio Itapecuru em canoas quanto pela estrada vicinal, passando pelos Povoados de Campestre, Coqueiro, Barriguda, Campo Rio e Pequi. Além dessas duas vias, há outro caminho alternativo, vindo das povoações do município de Santa Rita, tendo como rota os povoados São Tiago, Veneza, Pirical, Santa Luzia e Maria de Fogo. 

Fundamentação teórica

Como referencial tanto do uso toponímico, da descrição geográfica e da perpetuação histórica deste povoado, podemos citar, antes de adentrarmos nestes conceitos a miúde, o Mapa do Ministério do Exército – Departamento de Engenharia e Comunicações - Diretoria de Serviço Geográfico. Referência Itapecuru Mirim, nº MI 610. Ano de 1980. Nele aparece os nomes de todos os povoados supracitados, assim como o termo Mandioca, já com a grafia atual.  

Quando nos perdemos, é no nosso lugar de origem que nos encontramos, encontramos traços de nossas histórias, de nossa remanência. Se por algum motivo o nome do lugar for mudado (alteração toponímica/toponomástica) ou o lugar deixar de existir, a história das pessoas, de igual forma, desaparece também, por isso, o topônimo tem valor documental e de preservação da memória coletiva e individual, além disso, tem valor sentimental, muito discutido pela Topofilia.

No que tange à etimologia da lexia mandioca, sabemos que é um étimo de origem Tupi, que para Sampaio (1987, p. 277) seria: many-oga, procedendo de manyba ou mandyba”. Nos dicionários gerais da Língua portuguesa, há registro de que mandioca se refere tanto à planta quanto ao arbusto. Para Maranhão, por exemplo, (2012, p. 183) “maniva é “arbusto semelhante no lenho à macieira nova, com folhas retalhadas a modo de mão aberta. São várias as castas. Vale ressaltar, que castas para o autor refere-se as variedades de mandioca que temos na América do Sul, de onde a planta é procedente.

É no contexto histórico da doação e/ou ocupação das sesmarias das Belfort, com a presença de mão de obra escravizada (tanto de africanos quanto da população local), em que vamos ter acesso ao cultivo da terra e, a partir dele, o manejo de produtos da agricultura familiar e do comércio de subsistência, com a mandioca, arbusto nativo da América do Sul que é usado como topônimo de uma comunidade Remanescente Quilombola e ribeirinha itapecuruense, resgatando, dessa forma, um elemento de grande importância não só para os maranhenses, mas para os nordestinos, pois, da mandioca podemos usar todas as partes (raizes/tubérculos/batatas, caule, folhas).

Foto 1: Início do Povoado Mandioca

 

Foto 1: Acervo do autor

 O Povoado Mandioca é constituido de 22 moradias, onde habitam 41 famílias em casas de alvenaria[2] e também de taipa, isto é, feitas de barro e cobertas com palha de palmeira de babaçu. Esse lugar tem o título de Comunidade Remanescente Quilombola conferido pela Fundação Cultural Palmares (Santana, 2018), terras essas, vinculadas ao Terrítório Quilombola de Santa Maria dos Pretos, uma vez que fazia parte da sesmarias[3] da família Belfort, respectivamente de Ana Rita e Maria Rita Belfort, que de acordo com Coutinho (2005) as doações destas terras, pela Coroa Portuguesa, datam dos primeiros anos do século XIX.

A respeito da motivação toponímica do povoado ribeirinho itapecuruense Mandioca, temos o registro histórico do início do século XX, no Jornal maranhense, A Pacotilha (1901, p. 3), que noticiava que:

                                

O individuo José Romão, que residiu algum tempo em localidade d’este termo, ultimamente chegado do Pará, procurou-me em minha alludida residência, a pretexto de haver de mim a importância de ordenados como ex-empregado de minha casa no lugar Mandioca, cargo que desempenhou com todo desleixo durante quatro ou cinco mezes, há aproximadamente nove annos (sic). (A Pacotilha, 1901, p. 3).

 A partir dessa notícia do Pacotilha, podemos inferir várias informações sobre o Povoado Mandioca: (i) a contextualização geográfica do povoado, uma vez que ele é apresentado como termo, isto é, região ou território que se estende em torno de uma cidade, vila, neste caso, uma comunidade circunvizinha do Município e do Rio Itapecuru; (ii) a ocupação dessas terras por um donatário que a usufruía e que tinha posses, poder aquisitivo elevado; (iii) a existência documental do topônimo, comprovando, assim, seus mais de 2 séculos de nomeação, provavelmente sem alteração toponímica ao longo desse tempo.

A partir do que afirmamos, podemos perceber que o Povoado Mandioca tinha importância econômica no contexto do município de Itapecuru não só por ser uma sesmaria, mas porque lá havia intenso comércio fluvial entre 1840 e 1960, favorecendo com que Mandioca se tornacesse um porto ribeirinho de destaque, se consolidando como ponto de acesso a vários lugares da região, o que, acertadamente, serviu para consolidar a motivação toponímica, já referenciada tanto para os moradores, quanto para os transeuntes e comerciantes do lugar.

Vale a ressalva de que, mesmo que nosso estudo seja sobre o toponimo Mandioca, as variações do Tupis: manyba, mandyba e maniva também são usadas como topônimos nas áreas adjacentes ao Rio Itapecuru, a exemplo de Maniva, topônimo do município de Santa Rita, que por estar há mais de 2km da margem do rio Itapecuru, não foi inserido no locus desta pesquisa.

Nos países hispânicos sul-americanos onde percebemos a presença marcante da mandioca não só na gastronomia quanto nas lendas dos Impérios Incas, Maias e Astecas, a mandioca é chamada de yuca e é considerada como alimento presenteados pelos deuses, isto é, sagrado, enviado ao homem em período de extrema escassez de alimentos, em que os povos clamavam por ajuda, dos seus deuses e, forma atendidos com um alimento que poderiam plantar e se alimentar abundantemente.

De fundamental importância é frisarmos que o étimo mandioca, por vias do consumo (humano e animal) e comercialização de subprodutos (farinhas, tapioca, bolos, doces, bebidas), acabou se difundindo em outros continentes, chegando a ser cultivado em Angola, Moçambique, Índia, China, Espanha e Portugal. A respeito deste exportação da farinha de mandioca para Portugal, Lima (1998, p. 144) afirma que, já no século XVIII, em 1797, “D. Rodrigo de Souza Coutinho dirigiu-se ao governador do Maranhão D. Fernando de Noronha, transmitindo-lhe ordem régia de sua Magestade para que fose facilitado o cultivo da farinha-de-pau e sua remessa para o reino”.

A partir da etimologia de mandioca podemos pereber a grande influência que têm as línguas indígenas na nomeação de lugares no Maranhão, neste caso, se trata da adoção e manutanção de uma palavra do tupi que, mesmo sendo proibido o uso com a Lei pombalina (1758), foi sobrevivendo nessas pequenas amostras de resistência, isto é: (i) no uso de indigenismos para nomeação de elementos antropoculturais e da Terra/flora; (ii) na literatua oral, com as lendas e relatos que sustificam o surgimento de seus minhos e elementos étnicos; (iii) de algumas técnicas agríciolas de plantio e colheita de produtos como o milho, mandioca, abóbora, feijão, batata doce; (iv) na gastronomia com elementos da fauna e da flora, no consumo de alimentos in natura ou cozidos, moqueados, assados; (v) na medicina popular com o manejo das ervas medicinais; em técnicas de caça e pesca; (vi) em usos, costumes e hábitos que incorporamos à nossa rotina, como comer de cócoar, fazer punhados de comida para levar à boca, dormir de rede, entre outros.

No que tange aos indigenismos, ou seja, às contribuições de palavras, construção ou locução das Línguas indígenas que foram tomadas de empréstimo pela Língua Portuguesa, muita foram mantidas, outras foram adaptadas à grafia lusitana, mas o certo é que, na Toponímia maranhense é significativa a presença de nomes de lugares/topônimos indígenas, conforme podemos evidenciar na nomeação dos municípios do nosso Estado: Anajatuba, Bacabeira, Mirinzal, Itapecuru Mirim, Bacuri, Bacurituba, Peri-Mirin, Camboa, Anil, Bacanga, Itapiracó, entre outros.

 

A metodologia e os resultados esperados

A metodologia da pesquisa engloba a delimitação da área, o levantamento dos topônimos, a classificação e a descrição linguística por meio da classificação toponímica e da interpretação da nomeação do povoado como sinal discursivo do processo de identificação dos moradores ribeirinhos, que já estão consagrados na linguagem e cultura local. O foco é o espaço geográfico do topônimo ribeirinho, a beira do rio Itapecuru; a nomeação é o reflexo da prática discursiva ali operada que vai fazer com que o processo de identificação se manifeste pela historicidade local sinalizada na motivação dos topônimos.

No município de Itapecuru Mirim, essa regra que vale para o Estado, também se aplica, uma vez que temos muitos topônimos de origem indígena, caso do Povoado Mandioca, cujo étimo mandioca está entre as “plantas nordestinas mais significativas no contexto regional, ..., a pesar da sua generalidade por todo o território” (Dick, p. 164). O que a pesquisadora põe de relevo é que, entre os topônimos que são de origem física porque resgatam elementos da natureza, a planta da mandioca, figura como uma entre as principais que são usadas para nomear lugares no território nacional, essa é uma das importância desse fitotopônimo, memorizar no coletivo nacional, um elemento da flora nacional de fundamental importância na economia e cultura do brasileiro.

Além de valorizar a presença da mandioca na Toponímia nacional no norte, nordeste, centro-este, assim como das suas variações fitotoponímicas: Carimã, Croeira, Tapioca, Tapiti, Tipiti, Manituba e Maniva, Dick (p. 195-196) nos assegura que:

 

A importância e a função motivadora da vegetação na toponímia estão, portanto, caracterizadas, não apenas na variedade de fatores determinantes, (...), como, também, no processo distributivos dos nomes das áreasespecíficas de referência, de acordo com o elemento predominante. De maior valiapara o estudo científico se torna, assim, o topônimo, quando a espécie por ele lembrada se encontra em conjunção com a área geográfica de sua ocorrência. (Dick, p. 195-196).

A partir dessa afirmativa da pesquisadora pontuamos que o Povoado Mandioca reflete exatamente isso, por ter sua nomeação motivada por fatores: (i) econômicos, por ter surgido em área de porto fluvial e de sesmarias; (ii) físicos-geográficos, por ser comunidade ribeirinha e rural, onde há a grande incidência da agricultura familiar e/ou de subsistência; (iii) étnico-cultural, por ser demarcada, delimitada como sendo parte integrante de uma Comunidade remanescente Quilombola, comprovando, dessa forma, que o que assegura Mey (1998, p. 76-77), quando afirma que a

Língua se relaciona com a sociedade porque é a expressão das necessidades humanas de se congregar socialmente, de construir e desenvolver o mundo. A língua não é somente a expressão da ‘alma’ ou do íntimo, ou do que quer que seja, do indivíduo, e é, acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade se expressa como se seus membros fossem a sua boca. (Mey, 1998, p. 76-77).

Na literatura cuja temática gira em torno do ameríndio, são abundantes as lendas ou mitos etiológicos, isto é, aqueles que explicam a origem de seres, coisas, técnicas, instituições da cultura indígena, dessa forma, destacamos a publicação de Savary (2016) e uma obra publicada pela Embaixada da Espanha que trata das lendas da Amazônia. No livro, de edição bilíngue (Português/Espanhol) Gómez Platero (2011) aborda 17 lendas, dentre elas encontramos a que trata da mandioca. tanto a narrativa de Savary (2016) quanto a de Platero (2011) conta que a filha do cacique de uma tribo tupi engravidou sendo virgem/sem namoro, pariu uma indiazinha chamada mani, que adoeceu misteriosamente e morreu antes dos dois anos de idade, após a morte de mani, as mulheres e todas as pessoas da tribo regavam diariamente a cova da cunhã com água do rio, ocorre que, um dia Gómez Platero, 2011, p. 31:

    

Na medicina popular maranhense, a mandioca ou seus subprodutos estão presentes nos mais diversos usos, a exemplo: (i) do mingau da farinha seca ou de puba que é usado para aumentar o leite das parturientes/mulheres paridas; (ii) do cataplasma da farinha seca ou farinha d’água que é usado para dores e inchaços; (iii) do costume de engolir punhados ou caroços de farinha d’água para desengasgar de espinhas de peixe; (iv) do uso da macaxeira dissolvida no vinho branco para curar/tratar sífilis; (v) do cataplasma da raspa da mandioca para curar/tratar erisipela; (vi) do uso da cachaça ou álcool misturado à tapioca com mel de abelha para tratamento de queimadura de sol.

A respeito da lexia cataplasma que citamos duas vezes aqui, vale o esclarecimento oportuno para evitar incertezas, pois cataplasma nada mais é do que uma espécie de papa medicamentosa feita de farinhas, polpas ou pó de raízes e folhas que se aplica sobre alguma parte do corpo dolorida ou inflamada. Lima (1998, p. 126), explica que para fazermos um cataplasma é necessário triturar/amassar/socar/pilar as ervas até que virem um pó, misturar água e farinha de mandioca e aplicar quente no local doente, entre dois ou três pedaços de pano, medicina popular genuína!

Na gastronomia, os usos da mandioca são tão abundantes quanto os da medicina popular, uma vez que as guloseimas preparadas a partir dos subprodutos ou partes da planta/alimento, levam qualquer amante das farinhas, tapiocas ou bebidas, a cometerem o pecado da gula, dessa forma, temos duas espécies de mandiocas a amarga e a doce, o que difere uma da outra é que a primeira é venenosa e precisa de tratamento especial para expurgar o veneno, já a primeira pode ser consumida sem tratamentos especiais. Vejam na sequencia as partes das plantas que usamos, assim como seus subprodutos, que comprovam a polivalência desse alimento divino, a mandioca/yuca.

 

ARTES

PRODUTOS

PLANTA

 mandioca amarga, mandioca brava

Tubérculo, raiz, batata

farinha d’água ou amarela, farinha seca ou branca, grossa ou fina/mimosa, farinha carimã/massa-d’água ou puba, pirão, farofa, papas, mingau suco/molho tucupi, tiquira

mandioca doce, mandioca mansa, macaxeira, aipim

Tubérculo, raiz, batata

tapioca de caroço, tapioca fina polvilho, goma, bolo, pudim, beiju, maniocaba[5] consumida cozida, assada, frita, em forma de purês

Caule

usado como pedaços ou toras para plantio

Uma nova planta, nascida sem sementes

folhas da mandioca mansa

Folha inteira ou picada

usada como se fosse espinafre

No que se refere ao tucupi, Lima (1998, p. 147) explica que esse “suco é no começo venenoso[6], mas, depois de fermentado torna-se bastante inofensivo para servir de bebida.” Acrescenta ainda que esse líquido pode ser “misturado com sal, pimenta e alho se transforma no tucupi simples e quando fervido ao fogo é chamado de tucupi cozido, excelente molho para caça ou pescado”. Os bons glutões de plantão quando ouvem tucupi, o associam também ao irresistível pato no tucupi, ao tacacá, iguarias paraenses! Já nós maranhenses não resistimos a uma garrafada de pimenta feita com o tucupi! Coisas de quem vive na região da Amazônia Legal (Lima, 1998, p. 149).:

A farinha é sempre bem-vinda à mesa maranhense, d’água ou seca, escaldada como pirão, em farofa torrada ou molhada, no angu, engrossando o chibé, com café, leite, melado, socada com arne na paçoca, acompanhando a manga, o abacate, a melancia, encorpando a juçara, o buriti (Lima, 1998, p. 149).

Salientamos ainda, que poucas palavras representam tão bem a cultura e a língua dos nativos como mandioca, pois, desde os primeiros registros de que temos notícia, a mesma aparece atrelada aos hábitos alimentares dos aborígenes, além dos rituais sagrados da religião cristã na América do Sul, quando os seus derivados farinhas, beijus e bolos são produzidos durante as Ceias de Natal, Semana Santa e festejos tradicionais, sem esquecer é claro da tiquira[7].

 

Há pelo menos 9 mil anos, os indígenas sul-americanos domesticaram a mandioca, raiz que hoje é um dos alimentos mais básicos da população brasileira. O estado de Rondônia foi o pioneiro no plantio da raiz, que se espalhou por todo o território brasileiro e foi recebendo diversos nomes, conforme a língua da tribo ou da variedade cultivada. (Mendonça, Alves, 2020, p. 123)

 

Estudiosos das coisas do Maranhão, como Lima (1998), Maranhão (2012) e Mendoça e Alves (2020) fazem um arcabouço detalhado sobre a planta e o tubérculo. Esses pesquisadores são enfaticos em afirmar que há duas espécies de mandiocas: a amarga e a doce, como podemos evidenciar a seguir na afirmação de Maranhão (2012, p. 183) sobre a planta que: 

 Produz na raiz uma espécie de batata denominada mandioca, comprida e grossa de casca áspera e grossa. Desta    batata descascada, ralada, bem espremida, e depois torrada em grandes alguidares de barro ou cobre, chamados fornos e assentados sobre fornalhas, aqui se faz a farinha chamada da terra, e em Portugal, farinha-de-pau, e que serve de pão aos habitantes do país. (Maranhão, 2012, p. 183)

No que se refere à técnica de plantio e fabricação de farinhas da mandioca, tradicionalmente o processo dessa cultura, ainda é familiar ou de subsistência e obedece ao seguinte processo: (i) preparo do terreno/roça com queima, arrancamento de tocos, adubagem com as coivaras; (ii) abertura de covas, de tamanho regulares, de 5 a 6 polegadas para o plantio do caule; (iii) consorcio do plantio da mandioca com outros produtos alimentícios, como o milho, melancia, feijão, maxixe, quiabo, vinagreira, para otimizar o uso do terreno; (iv) arrancamento da mandioca ou colheita dos tubérculos/raízes/batatas, no período de 15 e 24 meses, a depender da terra, do clima e da necessidade do agricultor; (v) processo primitivo de industrialização caseira com a lavagem, descascamento, moagem, fermentação, prensa da massa e torragem na casa-de-farinha (Cf. foto 2).

                                          Fonte – Acervo do Autor (2021

Foto 2: Agricultor torrando farinha seca.


Quanto à técnica de fabricação da farinha de puba toda a carga de mandioca/bubérculos é posta num local chamado de pubeiro (Cf. foto 3), que pode ser em igarapés, fontes ou tanques de cimento, lá fica depositada de 2 a 3 dias para que possa amolecer ou mesmo apodrecer, para então, obter um tipo de massa de mandioca fermentada (a massa de puba), que pode ser usada para fazer iguarias gastronómicas, dessa forma, o processo é simples: (i) a mandioca é posta no rio para amolecer e é protegida das correntezas com palhas de babaçu; (ii) na sequência ela é retirada do rio e transportada em jacás, no lombo de jumentos para a casa-de-farinha; (iii) lá a mandioca é processada a partir da prensa no tapiti para enxugar a massa obtida; (iv) a massa obtida é torrada, transformando-se em farinha.

Foto 2: Pubeiro em Igarapé


                                                     Fonte –
Acervo do Autor (2021).

Vale lembrar que, caso a farinha seja seca ou branca, o que difere desses dois processos de fabricação, acima descritos, é o ato de pôr no pubeiro, pois a farinha seca não precisa apodrecer as raízes na água para ser produzida. Outra curiosidade a respeito do manejo da mandioca para consumo, é muito comum, nas casas de forno/casa-de-farinha, os agriculotres fazerem um tipo de lanche com a farinha escaldada, isto é, quando ela não possui mais a toxina, que já fora extinta pelo calor do forno e ainda não secou o suficiente, eles a temperam com se sal, pimenta, limão, cheiro verde e se come com peixe assado, camarão, carne seca! Em algumas regiões do município de Itapecuru Mirim e Presidente Vargas, essa iguaria é chamada de cafofa, no vale do Itapecuru, é mais conhecida como macaco.

 

Análise dos dados

As pesquisas em Toponímia no Brasil, em nível de academia, têm fundamentalmente como objetivo macro: a coleta e a formação de um banco de dados em textos discursivos, que são arquivados e catalogados por meio das fichas lexicográficas-toponímica ou/e artigos científicos. Desta forma: 

I - Analisamos qualitativamente as informações a fim de encontrar o que motivou a nomeação do topônimo selecionado dentro do que observa a onomástica toponímica e do que já fora descrito nesta pesquisa sobre a taxe de natureza antropocultural;

II - As informações toponímicas presentes nesta pesquisa partem de um período histórico do século XVII, que ficou conhecido, para a posteridade, como o da Fundação da França Equinocial ou simplesmente invasão francesa do Maranhão, uma vez que é das narrativas descritivas de D’Abville (2002), que remete ao ano de 1612, de onde tiramos o primeiro registro toponímico referente ao rio Itapecuru, ou seja, a zona de pesquisa do povoado;

III – Buscamos por meio da investigação dos fatores linguísticos e extralinguísticos traçar a origem do topônimo. Esse percurso pode ser visualizado pelo contexto histórico e na taxonômica do topônimo, que respectivamente apresentam os primeiros registros do termo e as suas alterações toponímicas.

Notadamente, houve buscas em outros momentos emblemáticos, perpassando pela expulsão dos franceses do Maranhão, pela invasão e expulsão dos holandeses, distribuição das cartas de sesmarias e datas pelos portugueses, assim como registros em mapas, documentos oficiais da administração pública, jornais antigos e autores consagrados da historiografia maranhense. 

 

Considerações finais

Deste modo, com a conclusão dos dados, a formulação do corpus da pesquisa e após termos alcançado os resultados esperados, acreditamos que as informações produzidas por este artigo de natureza toponomástica podem contribuir na formulação de novos estudos acadêmicos sobre a toponímia ribeirinha do rio Itapecuru e, por conseguinte, da maranhense, assim como motivar os habitantes ribeirinhos a conhecerem as suas raízes linguísticas, tendo como parâmetro o resgate da linguagem dos topônimos, servindo de consulta para trabalhos escolares na Educação Básica do Ensino Fundamental I ao Ensino Médio, principalmente das escolas localizadas nos topônimos investigados. Assim, como possibilitar o desenvolvimento de novas pesquisas acadêmicas sobre a temática.   

 

Referências 

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SAMPAIO, Teodoro. O Tupi na Geografia Nacional. 5ª ed. São Paulo: Editora Nacional; Brasília – DF – INL, 1987. 

 SANTANA, Jucey. Sinópse da História de Itapecuru Mirim. Pesquisa histórica, autora: Jucey Santana. São Luís: AICLA, 2018. 

SOUZA, Antônio Cândido. Informes. Pacotilha, Maranhão, n. ilegível na fonte. 14 març. 1901. Do Itapecurú, p. 3. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx. Acesso em: 22 de out. de 2022.  

 

    

 



[1] Professor da Educação Básica do Município de Itapecuru Mirim; Professor do Programa Ensinar da Universidade Estadual do Maranhão -UEMA; Professor do Programa Caminhos do Sertão da Universidade Estadual do Sul do Maranhão -UEMASUL; Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Email: tiagouemanet2018@gmail.com

 

[2] Moradias construídas a partir de Programas Habitacionais federais, estaduais, municipais e da iniciativa privada?

[3] As sesmarias eram terrenos abandonados ou sem cultivos que os reis de Portugal cediam aos novos povoadores para que estes fixassem moradia e, consequentemente, cultivassem, dessa forma, a ocupação territorial poderia desenvolver-se com fazendas, criação de gado, engenhos, entre outros.

 

[4] para grande surpresa e alegria de todos os membros da tribo, do chão onde estava enterrada a bela Mani, brotaram algumas folhas e uma majestosa planta com fortes raízes grosas. Mais tarde, descobriram que as raízes, quando cozidas, se convertiam em um excelente alimento muito nutritivo y saboroso. Todos os índios se reuniram, (...), a bela índia, mãe saudosa da pequena Mani, em memória de sua filha, deu à aquela planta o sugestivo nome de maniva (Gómez Platero, 2011, p. 31).

[5] Mingau feito com o suco da macaxeira e arroz.

[6]De certa qualidade de mandioca, a brava, extrai-se um líquido amarelo que, após ferver, torna-se um veneno perigosíssimo chamado curare (Gómez Platero, 2011, p. 26).

[7] Bebida, aguardente, obtida a partir da fermentação da polpa da mandioca, legada a nós pelos povos originários/indígenas.

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