terça-feira, 28 de agosto de 2018

JOÃO DE SOUSA E O PEIXE BOI



    

Tiago Oliveira

A fazenda da Palmeira Torta na margem esquerda do caudaloso rio Itapecuru, tinha como vizinha, rio acima a Fazenda Santa Rosa e rio abaixo a maior povoação da região, Areias que era ponto de encontro e rota de passagem dos moradores das redondezas. Já na margem direita Porto Alegre e São Roque. Na fazenda da Palmeira Torta moravam os Sousas há mais de um século, onde cultivavam cana-de-açúcar, algodão, milho, arroz e mandioca e criavam algumas cabeças de gado, contudo já corria a segunda década do século XX e por isso a mão de obra escrava não existia, entretanto, os seus descendentes ainda estavam por lá. O sr. Bernardino Cerqueira de Sousa cuidava da propriedade com sua esposa Sebastiana Alves de Sousa e seu filho João de Sousa, que despertava suspiros das jovens moças da região, mas só queria diversão nada de compromisso sério. 

Num certo dia do mês de janeiro caía um belo arrebol quando o velho ancião disse ao seu filho, que acompanhasse sua mãe até o rio, e a colocasse na canoa grande que os dois iriam para as novenas de São Sebastião em Areias. Como de costume João de Sousa só iria durante o baile para conquistar as moças. Com o casal já pronto para deixar o porto da fazenda, surge ao longe vindo em sua direção outra canoa, já mais perto um grito percorre as águas do Itapecuru: Ei compadre, Bernardino vamos! Que, responde: - vamos siô!

A canoa trazia a família Vieira da Silva da Fazenda Santa Rosa, na popa: Patrício Vieira da Silva, na proa: o seu filho José Vieira da Silva e no banco do meio: Luiza Vieira da Silva e sua filha Eliete Vieira da Silva. João jogou-se no rio para banhar e assim tentar olhar mais de perto a irreconhecível Eliete, enquanto, as duas canoas sumiam na curva do rio que antecede o estirão de Areias. Para espanto de todos João se arruma com a sua roupa de domingo e, a cavalo, ruma para a Capela de São Sebastião, com o intuito de ver Eliete de perto. Durante as ladainhas o jovem conquistador procura a todo custo encontrar o seu olhar ao da moça, que já o deixara inquieto e afeiçoado, com tanta beleza. 

Ao anoitecer os Sousas já estão de volta a Fazenda da Palmeira Torta e João começa a questionar a sua genitora sobre Elite, esta lhe responde: - filho esta menina, não é como as outras daqui, ela é noviça em convento de São Luís e segundo sua mãe vai ser freira, só veio para as novenas de São Sebastião, assim que terminar ela voltará para São Luís. Seguem-se os dias de novenas e nada do rapaz receber qualquer olhar de afeto, daquela que havia lhe deixado encantado. No antepenúltimo dia João já se agoniava com o fim das novenas, até que ele resolve ir até ao Povoado Porto Alegre pedir ajuda para a mais notável benzedeira da região, Dodoca já em sua casa, indaga: - Dodoca, a senhora. conhece alguma oração, reza ou feitiço que faça alguém me querer, eu pago quanto for. Mas ouve da sábia benzedeira o indesejado: - Rapaz eu não faço isso, pois ninguém pode mandar no sentimento dos outros, além disso, não trabalho com feitiço, só uso minhas orações para o bem. Por que, você não procura Siríaco? Ele é quem sabe dessas mandigas. 

Ele, então pega sua canoa e vai ao encontro de Siríaco, no povoado São Roque e ao fazer os mesmos questionamentos ao curandeiro, este lhe responde: - João eu só sei de uma mandiga, porém é difícil, já que não sei se funciona e o pior de tudo é que não tenho o necessário, pois o que você precisa está incompleto. João rebate: mas, eu quero tentar. Fala logo do que eu preciso?

Siríaco diz: - você precisa de três olhos de Peixe-boi, dois tu colocarás em cada bolso da frente de tua calça e o outro numa pequena bolsinha colocada em seu pescoço, enrolada na oração da última ceia Quomodo corpus Domini tractet, qui in peccato est? e, além disso, tu precisarás ser o primeiro a pisar em cima da marca do pé dela na areia, antes que essa suma, por três vezes seguidas. Mas, João eu só tenho dois e custam: cem mil réis. 

João de Sousa argumentou que: - os Peixes-boi comiam Campim-canarãna no porto de sua casa, sempre ao entardecer; negociou com o velho Siríaco e correu para sua casa, para tentar capturar o animal e assim conseguir o último olho que faltava para a sua mandiga. Já em sua casa pediu para o ferreiro da fazenda, o velho Xingu preparar um arpão grande e forte que suportasse matar um Peixe-boi, porém o velho lhe alertou que isso era perigoso, pois, esses bichos pareciam gente, tinham muita força e poderia matá-lo afogado. Seu pai soube desta invenção e falou que não iria lhe emprestar a canoa grande da fazenda, porque precisava ir para as novenas de São Sebastião, porém seu filho estava determinado com ideia de conquistar a moça e não desanimou, afirmando que mataria o bicho a pé mesmo, da beira do rio. 
Às 16h, todos que iam para as celebrações em Areias, já estavam embarcando na canoa grande, apenas Xingu resolveu ficar para a caçada incomum. Os dois intrépidos caçadores ficaram um tronco de sabiá na barreira do rio, amarraram a ele uma corda de náilon e na outra extremidade desta uma lançam com o arpão na ponta. Com a saída de todos, as águas se acalmaram o suficiente para que os animais se aproximassem da mira do arpão; não demorou muito, e logo os capins se agitam é rebuliço para todo lado, alguns começam a subir a flor d’água para respirar, mas ainda não o perto o bastante. O velho ferreiro disse: - João espera, não jogue ainda! Esqueci-me do lampião e do fumo para passar na corda para acalmar o bicho. Calma! Vou buscar e subiu a ribanceira do rio correndo. Foi só Xingu sumir para um animal aparecer na flor d’água comendo os capins; neste momento o jovem apaixonado, não pensou duas vezes e lançou sua arma na direção do bicho. O arpão foi certeiro, mas faltava força para retirar a presa do rio, era um puxa para cá, puxa para lá. Quando ficou claro que o morão de sustentação quebraria o caçador enrolou parte da corda em seu braço direito e o grande mamífero de uma puxada só levou com ele para às águas do Itapecuru o jovem João de Sousa e o seu desejo de conquistar Eliete.

Quando o velho Xingu voltou só encontrou as marcas na beira do rio e o banzeiro na água deixado pela luta ferrenha dos dois. Este ficou desesperado e se jogou atrás de seu patrão, mas já era tarde demais. Quando seus pais retornaram de Areias, mobilizaram muita gente das povoações vizinhas. Porém, ninguém mais encontrou o seu filho e aquele lugar às margens do rio Itapecuru ficou conhecido até os dias de hoje como, João de Sousa. 

 
Tiago de Oliveira Ferreira é Graduado em Língua Portuguesa e Literatura (UEMA) e Pós-graduado pelo Instituto Superior Franciscano (IESF). Professor de Santa Rita (MA) e Itapecuru Mirim. Professor Substituto da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Campus CESITA – Itapecuru Mirim. Livros publicados:  Caminhos do Itapecuru uma viagem, pelo Jardim do Maranhão (2016); Areias de Santa Rita (2017). E membro da Academia Itapecuruense de Letras, Ciências e Artes – AICLA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário