Tiago
Oliveira
A
fazenda da Palmeira Torta na margem esquerda do caudaloso rio Itapecuru, tinha
como vizinha, rio acima a Fazenda Santa Rosa e rio abaixo a maior povoação da
região, Areias que era ponto de encontro e rota de passagem dos moradores das
redondezas. Já na margem direita Porto Alegre e São Roque. Na fazenda da
Palmeira Torta moravam os Sousas há mais de um século, onde cultivavam
cana-de-açúcar, algodão, milho, arroz e mandioca e criavam algumas cabeças de
gado, contudo já corria a segunda década do século XX e por isso a mão de obra
escrava não existia, entretanto, os seus descendentes ainda estavam por lá. O sr.
Bernardino Cerqueira de Sousa cuidava da propriedade com sua esposa Sebastiana
Alves de Sousa e seu filho João de Sousa, que despertava suspiros das jovens
moças da região, mas só queria diversão nada de compromisso sério.
Num
certo dia do mês de janeiro caía um belo arrebol quando o velho ancião disse ao
seu filho, que acompanhasse sua mãe até o rio, e a colocasse na canoa grande
que os dois iriam para as novenas de São Sebastião em Areias. Como de costume
João de Sousa só iria durante o baile para conquistar as moças. Com o casal já
pronto para deixar o porto da fazenda, surge ao longe vindo em sua direção
outra canoa, já mais perto um grito percorre as águas do Itapecuru: Ei
compadre, Bernardino vamos! Que, responde: - vamos siô!
A
canoa trazia a família Vieira da Silva da Fazenda Santa Rosa, na popa: Patrício
Vieira da Silva, na proa: o seu filho José Vieira da Silva e no banco do meio:
Luiza Vieira da Silva e sua filha Eliete Vieira da Silva. João jogou-se no rio
para banhar e assim tentar olhar mais de perto a irreconhecível Eliete, enquanto,
as duas canoas sumiam na curva do rio que antecede o estirão de Areias. Para
espanto de todos João se arruma com a sua roupa de domingo e, a cavalo, ruma
para a Capela de São Sebastião, com o intuito de ver Eliete de perto. Durante
as ladainhas o jovem conquistador procura a todo custo encontrar o seu olhar ao
da moça, que já o deixara inquieto e afeiçoado, com tanta beleza.
Ao anoitecer os Sousas
já estão de volta a Fazenda da Palmeira Torta e João começa a questionar a sua
genitora sobre Elite, esta lhe responde: - filho esta menina, não é como as
outras daqui, ela é noviça em convento de São Luís e segundo sua mãe vai ser
freira, só veio para as novenas de São Sebastião, assim que terminar ela
voltará para São Luís. Seguem-se os dias de novenas e nada do rapaz receber
qualquer olhar de afeto, daquela que havia lhe deixado encantado. No
antepenúltimo dia João já se agoniava com o fim das novenas, até que ele
resolve ir até ao Povoado Porto Alegre pedir ajuda para a mais notável
benzedeira da região, Dodoca já em sua casa, indaga: - Dodoca, a senhora.
conhece alguma oração, reza ou feitiço que faça alguém me querer, eu pago
quanto for. Mas ouve da sábia benzedeira o indesejado: - Rapaz eu não faço
isso, pois ninguém pode mandar no sentimento dos outros, além disso, não
trabalho com feitiço, só uso minhas orações para o bem. Por que, você não
procura Siríaco? Ele é quem sabe dessas mandigas.
Ele, então pega sua
canoa e vai ao encontro de Siríaco, no povoado São Roque e ao fazer os mesmos
questionamentos ao curandeiro, este lhe responde: - João eu só sei de uma
mandiga, porém é difícil, já que não sei se funciona e o pior de tudo é que não
tenho o necessário, pois o que você precisa está incompleto. João rebate: mas,
eu quero tentar. Fala logo do que eu preciso?
Siríaco diz: - você
precisa de três olhos de Peixe-boi, dois tu colocarás em cada bolso da frente
de tua calça e o outro numa pequena bolsinha colocada em seu pescoço, enrolada
na oração da última ceia Quomodo corpus Domini tractet, qui in peccato est? e, além disso, tu
precisarás ser o primeiro a pisar em cima da marca do pé dela na areia, antes
que essa suma, por três vezes seguidas. Mas, João eu só tenho dois e custam:
cem mil réis.
João de Sousa
argumentou que: - os Peixes-boi comiam Campim-canarãna no porto de sua casa,
sempre ao entardecer; negociou com o velho Siríaco e correu para sua casa, para
tentar capturar o animal e assim conseguir o último olho que faltava para a sua
mandiga. Já em sua casa pediu para o ferreiro da fazenda, o velho Xingu preparar
um arpão grande e forte que suportasse matar um Peixe-boi, porém o velho lhe
alertou que isso era perigoso, pois, esses bichos pareciam gente, tinham muita
força e poderia matá-lo afogado. Seu pai soube desta invenção e falou que não
iria lhe emprestar a canoa grande da fazenda, porque precisava ir para as
novenas de São Sebastião, porém seu filho estava determinado com ideia de
conquistar a moça e não desanimou, afirmando que mataria o bicho a pé mesmo, da
beira do rio.
Às
16h, todos que iam para as celebrações em Areias, já estavam embarcando na
canoa grande, apenas Xingu resolveu ficar para a caçada incomum. Os dois
intrépidos caçadores ficaram um tronco de sabiá na barreira do rio, amarraram a
ele uma corda de náilon e na outra extremidade desta uma lançam com o arpão na
ponta. Com a saída de todos, as águas se acalmaram o suficiente para que os
animais se aproximassem da mira do arpão; não demorou muito, e logo os capins
se agitam é rebuliço para todo lado, alguns começam a subir a flor d’água para
respirar, mas ainda não o perto o bastante. O velho ferreiro disse: - João
espera, não jogue ainda! Esqueci-me do lampião e do fumo para passar na corda
para acalmar o bicho. Calma! Vou buscar e subiu a ribanceira do rio correndo.
Foi só Xingu sumir para um animal aparecer na flor d’água comendo os capins;
neste momento o jovem apaixonado, não pensou duas vezes e lançou sua arma na
direção do bicho. O arpão foi certeiro, mas faltava força para retirar a presa
do rio, era um puxa para cá, puxa para lá. Quando ficou claro que o morão de
sustentação quebraria o caçador enrolou parte da corda em seu braço direito e o
grande mamífero de uma puxada só levou com ele para às águas do Itapecuru o
jovem João de Sousa e o seu desejo de conquistar Eliete.
Quando
o velho Xingu voltou só encontrou as marcas na beira do rio e o banzeiro na
água deixado pela luta ferrenha dos dois. Este ficou desesperado e se jogou
atrás de seu patrão, mas já era tarde demais. Quando seus pais retornaram de
Areias, mobilizaram muita gente das povoações vizinhas. Porém, ninguém mais
encontrou o seu filho e aquele lugar às margens do rio Itapecuru ficou
conhecido até os dias de hoje como, João de Sousa.
Tiago de Oliveira
Ferreira é Graduado em Língua Portuguesa e Literatura (UEMA) e Pós-graduado
pelo Instituto Superior Franciscano (IESF). Professor de Santa Rita (MA) e
Itapecuru Mirim. Professor Substituto da Universidade Estadual do Maranhão –
UEMA, Campus CESITA – Itapecuru Mirim. Livros publicados: Caminhos do Itapecuru uma viagem, pelo
Jardim do Maranhão (2016); Areias de Santa Rita (2017). E
membro da Academia Itapecuruense de Letras, Ciências e Artes – AICLA.
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