domingo, 10 de maio de 2020

A MATERNIDADE PELO REVERSO

         
*Ceres Costa Fernandes

                 No Dia das Mães, invenção da classe média e do consumismo, deixemos de
lado as mães doces, os filhos dedicados, as festas, as flores e presentes.  Vamos falar no reverso de toda a conceituação da palavra mãe. Falar do que vemos, diariamente, na mídia: de filhos deixados em casa, acorrentados ao pé da cama ou ao botijão de gás; das crianças pequenas cuidando de outras menores ainda; das mães torturadoras queimando as mãos do filho que foi apanhado roubando, ou colocando ovo quente na boca dos mentirosos... A lista é longa e revoltante. Paremos por aqui.

            Horroriza-nos tudo isso. A tendência é condenar: merecem execração pública, cadeia, até linchamento. Algumas são criaturas que nunca deveriam ter tido filhos, megeras a desmerecer o nome de mães. Outras apenas vítimas da miséria e da cultura machista dos sem-classe-alguma, que estabeleceram ser apenas da mãe a responsabilidade de arcar com a criação e sustento dos filhos. É comum o abandono da mulher grávida pelo amante, com apenas um “te vira”, “quem disse que o filho é meu?”.

         Por pobres e ignorantes que as mães sejam, excluídas as degeneradas ou aquelas que, sob o descontrole do puerpério, cometem infanticídio, a esmagadora maioria assume a criação dos filhos solitariamente. Um correr de olhos sobre comadres, empregados domésticos e nossos prestadores de pequenos serviços nos diz quantas mães solteiras conhecemos assumindo a posição de mães-de-família. Muitas, não? E quantos pais assumindo, sozinhos, a criação dos filhos? Contam-se nos dedos de uma só mão.

        As mães que queimaram mãos e bocas dos filhos acreditam que assim estão “educando” os filhos, evitando que se tornem ladrões e sem caráter, perpetuando os ensinamentos que receberam dos pais. Retribuem a violência sofrida na própria infância. A que acorrentou a filha de doze anos conta que sai de casa pela manhã para trabalhar e só volta à noite. Alega que a menina, se solta, sai para a boca-de-fumo  próxima. Deixam as crianças sozinhas, trancadas por não ter como pagar alguém para cuidá-las, porque não há creches e nem escolas em tempo integral suficientes. Saem obrigatoriamente para trabalhar  e, às vezes, para se divertir, que ninguém é de ferro, esquecer um pouco a miserável vida, e provavelmente acrescentar mais um rebento ao rol dos infelizes.

        Não estou defendendo, nem justificando tortura de crianças. Digo apenas, a maioria é fruto da ignorância e da miséria, duas faces da mesma ignominia.   Em vez de ficarmos no horror, devíamos cobrar de nossos representantes a demonstração de como são aplicados os nossos impostos; não votar em quem “rouba, mas faz”, e muito menos em quem rouba e nem faz; observar os evidentes indícios  de enriquecimento ilícito de políticos e expurgá-los nas próximas eleições, com o cuidado de não substituir uma raposa de bolso cheio por uma raposa esperando para encher o seu.  Não nos deixemos levar por simpatias. Senhor Candidato, cadê o seu programa? Assim vão surgir melhores condições de vida. 

.        Digo que o principal problema do Brasil é a falta de educação. Não confundir com instrução, apenas parte do processo educacional.

         Se exigirmos e obtivermos Educação, no seu sentido mais abrangente, desde o lar, todo o resto nos virá por acréscimo. Quem é educado, não polui, defende o meio-ambiente, cuida da higiene pessoal, conhece as noções básicas de saúde, não usa de violência e sim procura o diálogo, cobra de seus governantes os seus direitos, conhece e cumpre os seus deveres, respeita os direitos alheios, em suma: é cidadão.

    Talvez assim possamos voltar a falar de flores no Dia das Mães.
    
    *Ceres Costa Fernandes Licenciada em Letras pela  UFMA, Mestra em Letras – pela Pontifícia UniversidadeCatólica – PUC, RJ, Professora aposentada do Curso de Letras da UFMA;  Membro efetivo da Academia Maranhense de Letras; membro efetivo da Academia Ludovicense de Letras.  Cronista, contista e ensaísta. Da sua vasta produção literária destacamos: Café Literário 2010 – 2014- Memória- São Luís . Edições AML. 2015; O narrador plural na obra de José Saramago. São Luís. Edufma. 2015 3 ed.; Surrealismo & loucura e outrosensaios.São Luís: Editora Uema, 2008; O narrador plural na obra de José Saramago.São Luís: Lithograf, 2003, 2 ed.; O narrador plural na obra de José Saramago. São Luís: Edufma,1990; Apontamentos de literatura medieval – literatura e religião. São Luís:Edições AML, 2000; Último pecado capital & outras histórias- seleta. São Luís: Edigraf, 2001, autora de inúmeras crônicas publicadas em Blogs, jornais e no facebook.

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