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domingo, 5 de julho de 2020

CANDEIA

     *Eduardo Sandes

De manhãzinha, tinha acabado de acordar, bem cedo mesmo, como de costume. Chegou pra vó e pediu a bênção "-Deus te abençoe". Sua mãe já foi comprar pão e o almoço do dia. O sol começava a subir e ensaiava os raios mais fortes entre os galhos da mangueira do fundo do quintal. A varanda exalava cheiro de café é de vó (uma mistura de perfume de alfazema com alecrim). Era quase um ritual sentar no tamborete de madeira e ficar esperando o sol subir mais, pra espertar. Era uma cena eterna e rodeada de signos e vazios.

O garotinho se perguntava mil coisas enquanto ainda acordava, sonhava sentado vendo o sol vez ou outra. Tinha uma tristeza escondida no fundo do olho dele, com certeza. Esperava no sol um despertar, uma alegria que levaria pro seu dia. Em dias de chuva era a mesma coisa, nada do sol, mas certamente sua mãe havia saído pra comprar pão. Então era isso que esperava, sua mãe, não o sol. Não que o sol não fosse importante, ele certamente era. Desde que seu pai morrera um medo o assombra, por isso a espera matinal pela sua mãe e pelos pães. Será essa a tristeza que tinha no seu olho? Sua avó estava refazendo o fogo no fogareiro de barro. O cheiro da candeia queimando agora tomou conta do lugar. Ele não sabia exatamente o que era candeia, sabia que aquele cheiro era candeia. "Por que será que queimam uma madeira tão nobre e bonita?" Certamente era isso que ele pensava. Ele nunca havia reconhecido uma peça de candeia, nem sabia pra que servia essa madeira, mas gostava desse nome, parecia importante. Como pau-d’arco, que sua avó sempre falava, ou mogno, que ouvia sempre falar na televisão. Os nomes o rodeavam a mente agora. "-Preta" alguém chamou. Preta era sua mãe, o portão abrira e a bicicleta capengava com sua corrente mole e barulhenta. Parou na porta segurando a sacola de pão de um lado do guidão e a carne de boi recém morto na cesta. Ele não gostava de boi, mas preferia boi a porco quando era cozido; gostava de tudo assado. Porco lembrava as folias de feriados ali mesmo naquela casa. Ele gostava e não gostava ao mesmo tempo, aquela gente toda andando e gritando, comendo e bebendo, uma dúzia de primos bagunçando e riscando seus livros, sua mãe no pé do fogareiro lembrava as escravas que ouvira falar na escola; lá disseram que não existe mais escravos, então sua mãe não era uma, disseram também que foi uma princesa Isabel que os libertava, sempre soube que isso era uma grande mentira, sua avó contava histórias de pretos fugitivos que faziam quilombos. Lembrou de novo das confusões das festas. Não sabia se gostava ou não de tudo aquilo, tempos depois descobriu que na verdade odiava. Ele gostava mesmo era de galinha, da granja ou caipira, gostava de um ganhador, era seu pedaço preferido. Gostava de interior, de correr livre no campo, estava correndo livre ou fugindo? Nunca sabemos. 

Alguém tinha morrido, sua mãe acabou de saber e contar. Disse pra minha avó que foi infarto. Que triste, a senhora da história dormiu e acordou morta (isso é possível?). Coitada, vai ter velório, é sua mãe vai. Não gostava de velórios desde o do seu pai. Gostava de tomar café e isso foi fazer; tomar banho fazer suas coisas. Vai limpar o quintal, limpar as várias folhas que caíram da mangueira na noite e ajudará sua avó a regar as plantas. Afinal de contas um rei tem que zelar pelo seu reino.

*Eduardo da Silva Sandes, filho de Maria José Araújo da Silva e Edvaldo Viana Sandes. Nasceu em Vargem Grande  (MA) em  27 de fevereiro de 2001. Estudou nas escolas Farina, com uma breve passagem pela escola Raulina de Sousa Silva,  depois ingressou na Escola Comunitária Dom João Antônio Farina. Atualmente está inscrito no curso de História esse ano (2020) na UFMA.
É amante das artes entre as quais, música, literatura, artes plásticas, cênicas. A leitura e escrita sempre fizeram parte do seu dia-a-dia. Atua em Movimentos Sociais com foco na juventude, assim como na promoção e produção cultural. Gosta muito de ler, ouvir música, escrever, conversar.


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