De
manhãzinha, tinha acabado de acordar, bem cedo mesmo, como de costume. Chegou
pra vó e pediu a bênção "-Deus te abençoe". Sua mãe já foi comprar
pão e o almoço do dia. O sol começava a subir e ensaiava os raios mais fortes
entre os galhos da mangueira do fundo do quintal. A varanda exalava cheiro de
café é de vó (uma mistura de perfume de alfazema com alecrim). Era quase um
ritual sentar no tamborete de madeira e ficar esperando o sol subir mais, pra
espertar. Era uma cena eterna e rodeada de signos e vazios.
O
garotinho se perguntava mil coisas enquanto ainda acordava, sonhava sentado
vendo o sol vez ou outra. Tinha uma tristeza escondida no fundo do olho dele,
com certeza. Esperava no sol um despertar, uma alegria que levaria pro seu dia.
Em dias de chuva era a mesma coisa, nada do sol, mas certamente sua mãe havia
saído pra comprar pão. Então era isso que esperava, sua mãe, não o sol. Não que
o sol não fosse importante, ele certamente era. Desde que seu pai morrera um
medo o assombra, por isso a espera matinal pela sua mãe e pelos pães. Será essa
a tristeza que tinha no seu olho? Sua avó estava refazendo o fogo no fogareiro
de barro. O cheiro da candeia queimando agora tomou conta do lugar. Ele não
sabia exatamente o que era candeia, sabia que aquele cheiro era candeia.
"Por que será que queimam uma madeira tão nobre e bonita?" Certamente
era isso que ele pensava. Ele nunca havia reconhecido uma peça de candeia, nem
sabia pra que servia essa madeira, mas gostava desse nome, parecia importante.
Como pau-d’arco, que sua avó sempre falava, ou mogno, que ouvia sempre falar na
televisão. Os nomes o rodeavam a mente agora. "-Preta" alguém chamou.
Preta era sua mãe, o portão abrira e a bicicleta capengava com sua corrente
mole e barulhenta. Parou na porta segurando a sacola de pão de um lado do
guidão e a carne de boi recém morto na cesta. Ele não gostava de boi, mas
preferia boi a porco quando era cozido; gostava de tudo assado. Porco lembrava
as folias de feriados ali mesmo naquela casa. Ele gostava e não gostava ao
mesmo tempo, aquela gente toda andando e gritando, comendo e bebendo, uma dúzia
de primos bagunçando e riscando seus livros, sua mãe no pé do fogareiro
lembrava as escravas que ouvira falar na escola; lá disseram que não existe
mais escravos, então sua mãe não era uma, disseram também que foi uma princesa
Isabel que os libertava, sempre soube que isso era uma grande mentira, sua avó
contava histórias de pretos fugitivos que faziam quilombos. Lembrou de novo das
confusões das festas. Não sabia se gostava ou não de tudo aquilo, tempos depois
descobriu que na verdade odiava. Ele gostava mesmo era de galinha, da granja ou
caipira, gostava de um ganhador, era seu pedaço preferido. Gostava de interior,
de correr livre no campo, estava correndo livre ou fugindo? Nunca sabemos.
Alguém
tinha morrido, sua mãe acabou de saber e contar. Disse pra minha avó que foi
infarto. Que triste, a senhora da história dormiu e acordou morta (isso é
possível?). Coitada, vai ter velório, é sua mãe vai. Não gostava de velórios desde
o do seu pai. Gostava de tomar café e isso foi fazer; tomar banho fazer suas
coisas. Vai limpar o quintal, limpar as várias folhas que caíram da mangueira
na noite e ajudará sua avó a regar as plantas. Afinal de contas um rei tem que
zelar pelo seu reino.
*Eduardo
da Silva Sandes, filho de Maria José Araújo da Silva e Edvaldo Viana
Sandes. Nasceu em Vargem Grande (MA)
em 27 de fevereiro de 2001. Estudou nas
escolas Farina, com uma breve passagem pela escola Raulina de Sousa Silva, depois ingressou na Escola Comunitária Dom
João Antônio Farina. Atualmente está inscrito no curso de História esse ano
(2020) na UFMA.
É
amante das artes entre as quais, música, literatura, artes plásticas, cênicas.
A leitura e escrita sempre fizeram parte do seu dia-a-dia. Atua em Movimentos
Sociais com foco na juventude, assim como na promoção e produção cultural.
Gosta muito de ler, ouvir música, escrever, conversar.
Parabéns, Eduardo, belo texto!
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