Em
um tambor de crioula na Praça do Mercado
*Samira Fonseca
Tocando seu clarinete em
sua casa na Rua do Sol, Joaquim Araújo, contrito com seu ensaio e atento às
partituras, parou de repente com o som de alguém batendo na porta de sua
residência. Ao abrir, deu com Luís Bandeira que, já vestido em sua camisa e
calça branca, chamava o músico para o tambor de crioula que acontecia na Praça
do Mercado.
O maestro guardou seu instrumento e ambos
saíram para a praça. Porém, antes de chegar ao lugar, os dois homens
encontraram Mariana Luz que vinha de uma novena na casa de sua comadre Zulmira
Fonseca. Foi então que eles convidaram a poetisa para também apreciar a
manifestação dos negros.
Os três seguiram para a
praça, que já estava repleta de pessoas que contemplavam o tambor de crioula da
Santa Rosa, acompanhando os instrumentos com o bater de palmas. O som dos
tambores era forte e o São João da Barra alegrava a voz das mulheres e dos
homens do tambor.
A jovem coreira de
cabelos cacheados girava com os pés descalços segurando a barra de sua saia
diante dos três tambores, depois rebolava de forma sedutora com os braços
erguidos e chamava outra dançante para a tradicional pungada. Joaquim Araújo,
olhando a cena, disse a Luís Bandeira, este que entretido com as morenas, batia
palmas sem cessar:
— Jamais pensei que uma
coisa dessas fosse acontecer algum dia. Negros dançando em praça pública!
— Ora Quincas, estas com
preconceito? Veja que morenas lindas, não têm como não se encantar! E não te
esqueças, você está do lado de dois negros, não é, Sianica?
Mariana Luz que se benzia
ao ver a força da pungada dada por uma das coreiras, respondeu:
— Minha Nossa Senhora das
Dores! Se eu receber uma pungada dessas, eu morro novamente! Mas é verdade,
somos negros e sua frase soa de forma preconceituosa.
— Não é preconceito —
respondeu Joaquim Araújo — é que o Brasil era tão atrasado, pensei que isso
nunca iria acontecer. E estou feliz por isso. Vejam quantos brancos estão aqui
contemplando esse tambor! Eles nem imaginam que os antepassados deles odiavam
esse som.
Assim que o tambor de
crioula terminou, os três resolveram ficar um pouco mais ali na Praça do
Mercado. Mariana Luz ao sentar-se em um dos bancos disse:
— E pensar que aqui que o
Negro Cosme foi enforcado, que ironia!
— É verdade — disse Luís
Bandeira — E por falar em Cosme, não o vi aqui; vocês viram?
Os dois balançaram a
cabeça negativamente e depois de um momento Mariana Luz disse:
— Deve estar tocando na casa de Mãe Clarice...
Mas, particularmente, sinto-me realizada, ver meus irmãos de cor, felizes,
dançando para os brancos é de encher os olhos. A abolição foi tardia, mas
graças a ela manifestações como essa podem ser vistas em plena praça pública. O
primeiro passo foi dado.
Luís Bandeira levantou do
banco para olhar o busto de João Lisboa e ressaltou:
— Sim, agora o segundo
passo é a abolição da ignorância do meu povo itapecuruense. A educação não vai
bem e eu estou preocupado.
Todas
as pessoas se retiraram da praça e só os três ficaram conversando. Mariana Luz
disse com firmeza:
— Temos
que agir urgentemente, irmanarmos, chamar os atenienses de Itapecuru e pela
nossa história de vida, incentivar as crianças à prática da leitura, do estudo
da Matemática e da Música.
— Sianica, pare de chamar
aqueles dois de atenienses; caso contrário eles não descem do Olimpo, principalmente
Souzinha. — respondeu Joaquim Araújo.
O relógio de Luís
Bandeira já apontava para as 23:00h e a convite dele os três saíram da praça
com destino às suas residências. Como bons cavalheiros, o músico e o autor do
hino de Itapecuru-Mirim acompanharam a poetisa e ao se despedir ela falou:
— A ideia é essa. Então
vamos convocar todos e nos reunir na Casa da Cultura.
— É isso mesmo. Podem
contar comigo. Vamos sacudir Itapecuru em todos os campos — disse Luís Bandeira
tendo o apoio de Joaquim Araújo.
Os três se despediram e
voltaram à suas casas no silêncio da noite do Caminho de Pedras Miúdas.
*Samira
Fonseca é professora, romancista e dramaturga.
Belo texto, Samira, reunindo 3 imortais itapecuruenses!
ResponderExcluirMuito obrigada.
ResponderExcluirProfessora, fiquei fascinado!
ResponderExcluirObrigada pelo carinho e leitura.
ExcluirParabéns Profa. Samira Fonseca!
ResponderExcluirExcelente texto, como você tem uma criatividade incrível, gosto da forma que você trabalha com as palavras e dá vida ao emaranhado das letras.
Agora é só reunir com os demais literatos de Itapecuru para despertar nas crianças a maravilha que é a arte da Literatura, sem deixar morrer a imagem preponderante dessa cigarra, como bem fala Jucey Santana, a poetiza Mariana Luz.
Muito obrigada pela leitura e pelas palavras, professora. Um forte abraço.
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