Pages

quinta-feira, 9 de julho de 2020

MARIANA LUZ, LUÍS BANDEIRA DE MELO E JOAQUIM ARAÚJO

 
 Em um tambor de crioula na Praça do Mercado

*Samira Fonseca

Tocando seu clarinete em sua casa na Rua do Sol, Joaquim Araújo, contrito com seu ensaio e atento às partituras, parou de repente com o som de alguém batendo na porta de sua residência. Ao abrir, deu com Luís Bandeira que, já vestido em sua camisa e calça branca, chamava o músico para o tambor de crioula que acontecia na Praça do Mercado.
  O maestro guardou seu instrumento e ambos saíram para a praça. Porém, antes de chegar ao lugar, os dois homens encontraram Mariana Luz que vinha de uma novena na casa de sua comadre Zulmira Fonseca. Foi então que eles convidaram a poetisa para também apreciar a manifestação dos negros.
Os três seguiram para a praça, que já estava repleta de pessoas que contemplavam o tambor de crioula da Santa Rosa, acompanhando os instrumentos com o bater de palmas. O som dos tambores era forte e o São João da Barra alegrava a voz das mulheres e dos homens do tambor.
A jovem coreira de cabelos cacheados girava com os pés descalços segurando a barra de sua saia diante dos três tambores, depois rebolava de forma sedutora com os braços erguidos e chamava outra dançante para a tradicional pungada. Joaquim Araújo, olhando a cena, disse a Luís Bandeira, este que entretido com as morenas, batia palmas sem cessar:
— Jamais pensei que uma coisa dessas fosse acontecer algum dia. Negros dançando em praça pública!
— Ora Quincas, estas com preconceito? Veja que morenas lindas, não têm como não se encantar! E não te esqueças, você está do lado de dois negros, não é, Sianica?
Mariana Luz que se benzia ao ver a força da pungada dada por uma das coreiras, respondeu:
— Minha Nossa Senhora das Dores! Se eu receber uma pungada dessas, eu morro novamente! Mas é verdade, somos negros e sua frase soa de forma preconceituosa.
— Não é preconceito — respondeu Joaquim Araújo — é que o Brasil era tão atrasado, pensei que isso nunca iria acontecer. E estou feliz por isso. Vejam quantos brancos estão aqui contemplando esse tambor! Eles nem imaginam que os antepassados deles odiavam esse som.
Assim que o tambor de crioula terminou, os três resolveram ficar um pouco mais ali na Praça do Mercado. Mariana Luz ao sentar-se em um dos bancos disse:
— E pensar que aqui que o Negro Cosme foi enforcado, que ironia!
— É verdade — disse Luís Bandeira — E por falar em Cosme, não o vi aqui; vocês viram?
Os dois balançaram a cabeça negativamente e depois de um momento Mariana Luz disse:
 — Deve estar tocando na casa de Mãe Clarice... Mas, particularmente, sinto-me realizada, ver meus irmãos de cor, felizes, dançando para os brancos é de encher os olhos. A abolição foi tardia, mas graças a ela manifestações como essa podem ser vistas em plena praça pública. O primeiro passo foi dado.
Luís Bandeira levantou do banco para olhar o busto de João Lisboa e ressaltou:   
— Sim, agora o segundo passo é a abolição da ignorância do meu povo itapecuruense. A educação não vai bem e eu estou preocupado.
Todas as pessoas se retiraram da praça e só os três ficaram conversando. Mariana Luz disse com firmeza: 
Temos que agir urgentemente, irmanarmos, chamar os atenienses de Itapecuru e pela nossa história de vida, incentivar as crianças à prática da leitura, do estudo da Matemática e da Música.  
— Sianica, pare de chamar aqueles dois de atenienses; caso contrário eles não descem do Olimpo, principalmente Souzinha. — respondeu Joaquim Araújo.
O relógio de Luís Bandeira já apontava para as 23:00h e a convite dele os três saíram da praça com destino às suas residências. Como bons cavalheiros, o músico e o autor do hino de Itapecuru-Mirim acompanharam a poetisa e ao se despedir ela falou:
— A ideia é essa. Então vamos convocar todos e nos reunir na Casa da Cultura.
— É isso mesmo. Podem contar comigo. Vamos sacudir Itapecuru em todos os campos — disse Luís Bandeira tendo o apoio de Joaquim Araújo.
Os três se despediram e voltaram à suas casas no silêncio da noite do Caminho de Pedras Miúdas.





*Samira Fonseca é professora, romancista e dramaturga.
  

6 comentários:

  1. Belo texto, Samira, reunindo 3 imortais itapecuruenses!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Profa. Samira Fonseca!
    Excelente texto, como você tem uma criatividade incrível, gosto da forma que você trabalha com as palavras e dá vida ao emaranhado das letras.
    Agora é só reunir com os demais literatos de Itapecuru para despertar nas crianças a maravilha que é a arte da Literatura, sem deixar morrer a imagem preponderante dessa cigarra, como bem fala Jucey Santana, a poetiza Mariana Luz.

    ResponderExcluir
  3. Muito obrigada pela leitura e pelas palavras, professora. Um forte abraço.

    ResponderExcluir