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quarta-feira, 29 de julho de 2020

PRIMEIROS VERSOS


   *Eduardo Sandes

I
Chuva.
Chuva para curar as dores, enxugar as lágrimas, lavar o sangue.
Chuva para cicatrizar, pra ler um bom livro. Chuva pra molhar.
Chuva pra nostalgia, chuva pra roupa no varal. Chuva pra curar a ressaca. Chuva pra namorar.
Chuva pra chorar, chuva pra se molhar.

II
 Do alto dos meus 19.
Consigo ver tantos vislumbres. Tantas utopias possíveis que nem sei mais. Os livros me fascinam e aos poucos me torno Dom Quixote  (na loucura e na triste figura).

III
 Olhei o céu hoje e, ele estava incrivelmente melancólico.
Tinha acabado de chover e eu tinha acabado de chorar, sem motivo relevante aparente.
Havia acabado de chover e o céu estava aberto. Estrelas egoístas dividiam o céu imenso em três. A Lua, soberana, imóvel e calada. Parecia o céu das 4, mas ainda era 11. Havia acabado de chover e o céu estava aberto. Eu tinha acabado de desabar e cover junto com as nuvens. Estava livre.

IV
A tabacaria silenciosa do Pessoa me grita.
Na mesa, uma pilha de cartas da Boemia.
Lamentos escritos e medrosos, implorando minha volta.
Nunca mais os bares foram os mesmos (Buarque cantaria tão bem esse ambiente. Belchior certamente o faria).
Ouço uma música sem fim, uma quase elegia, não na forma, mas no conteúdo.
Passeia o gato ao meu lado. Olhou no meu olho como que vendo minha alma (tão juiz e superior como todos os gatos)
Na mesa ainda uma pilha de cartas.
Dessa vez sem destinatário. Sem remetente. Elas não pertenciam a ninguém, mas estavam ali como se fossem minhas. Nada escrito nelas. Só papéis em branco ( modo de dizer, já que o papel era pardo)

V
Gritaram de longe quando souberam.
Subiram alto com os gritos.
-Corram e avisem. Mais um dos nossos caiu.
Uma Pietá preta caída no pé do Morro.
Gritos e sirenes.
Velhos pretos apareciam.

VI
Sobretudo caminhou,
seguiu.
No olhar o mesmo semblante abandonado
no colo o cachorro
la na frente a irmã gritava
aqui atrás, a perna da boneca
pendeu, chorou
arranhou o joelho
andou com raiva
seguiu

VII
Ainda há razões para seguir em frente.
Ainda a motivos pra levantar.
Paz não há mais, só guerra.
Brincadeiras desistiram.
Há apenas armas e flores
(E gritos
Raiva é mãe.
Choro é pai.
Se morreres ao menos uma vez ao dia.... é a chave pra evolução.
Três.

VIII
Meu corpo é arte Manifesto.
É pedido de socorro.
Grito de liberdade
É sangue que corre das minhas mães travas.
É sangue preto que corre.
É cor que se levanta.
É amor que se promulga.
É respeito que se outorga.
É clareza de um país assassino.
É permanência da luta.
Meu corpo é meu.
Meu corpo é grito. Meu corpo é arte. Meu corpo é amor.

IX
Fazer das pessoas morada, é ato de consciência do retorno.
De que quando tudo desmoronar você tem pra onde voltar.
Ou quando, depois de uma noite de porre, voltar bêbado e dormir a noite inteira.
Fiz de ti morada.
 Aquele dia que eu saí com aquelas pessoas pra beber e voltei pra casa muito mal.
Te liguei, mas você não atendeu. Já devia estar dormindo.
Tomei banho sozinho e me deitei. A cabeça rodava,
o peito doía.
Meu pé, que eu machuquei quando corria da chuva voltando do trabalho também doía,
(mas não tanto).
Pensava tanta coisa e pensava em ti.
A agonia de não saber o que éramos,
nem sabia se éramos amigos; queria ao menos isso.
Sentia em ti porto e todos os dias havia uma tempestade.
Sentia em ti casa e eu chorava na chuva lá fora.
No final talvez trate disso, de casas e de pessoal. Talvez pessoas sejam casas que visitamos. Talvez façamos das pessoas morada.
(Quantas casas você tem?)
Fiz de ti morada.
Isso é perigosos e tenho muito medo de ficar desabrigado.

X
"Escrevo diante da janela aberta.
Minha carne é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta
                                          (Quintana)
Escrevo sentado na cadeira sem balanço.
A varanda sussurra os versos e o sol brinca com as plantas
Minhas petecas me esperam e minha avó chama as galinhas
Meu olho é da cor do chão. Meu peito é da cor do céu. Minha alma, nem sei...

XI
 As ruas são aquilo que há de mais democrático. É lá que tudo acontece e, ao mesmo tempo, não acontece nada. É por lá que entram os bons e os maus ventos pelas janelas preguiçosas. A rua e as praças devem ser conquistadas , ocupadas, transformadas. Deve haver arte, para que os dias estejam menos fúlgidos. São as praças e os parques os grandes monumentos, os pequenos palcos dos grandes feitos, dos beijos, dos abraços, das traições, das amizades, dos roubos, das coisas perdidas e encontradas; de tudo que é e não é nomeado. Passamos pela rua e "CLIC", eternizamos o segundo. "Podemos entrar na sua casa e te mostrar essa fotografia que acabei de tirar?"

XII
20 de julho
Amigo é quem conversa besteira contigo quando sabe que tu não tá bem. É quem te da conselhos de vida na beira do mar.
Amigo é uma coisa difícil de dizer o que. Por que é um monte de coisas.
Amigo é amizade, é um falar uma história e o outro confirmar. É diário de segredos, é refúgio.
As vezes amigo tem nome: João, Maria, Pedro, Miguel. As vezes não tem não, é só amigo.
Amigo é aquele que reza por ti, mesmo sem ter muita fé. É quem se irrita quando o outro faz besteira.
Amigo não é aquele que sempre bebe nos bares contigo. Amigo é quem te liga depois do porre e te leva pra casa bêbado. É aquela rede cativa na casa dela. É quem te liga e pergunta se tá bem, se já tomou o remédio ou tomou dois litros de água necessários no dia.
Amigo é quem conversa besteira contigo quando sabe que tu não tá bem. É quem te aconselha na beira do mar.
Amigo pode ser uma parede riscada, um travesseiro quentinho, um chão do quarto bem gelado e encharcado de lembrança e choro.
Amigo as vezes são títulos, autores; tantas vezes músicas.
Amigo é respiro da alma, é alívio do soluço de uma noite inteira de tristeza.
Amigo é a casa, amigo é abraço. As vezes, chamamos amigo de Mãe, outras vezes de Praga, as vezes de prima, irmão...
Amigo é caminhada. É quem divide o lanche contigo.
Amigo é aquela cadeira vazia na espera do banco, é a vaga solitária no estacionamento, é o último pão da sacola. Amigo é teu livro preferido, é tua companhia indo pra escola, é teu guarda-chuva pra dois, é sapato dentro da bolsa no dia de chuva.
Mas amigo também é raiva. É briga sem motivo, é separação passageira, tudo volta, e se não volta...
Amigo não é mentira, não é história; amigo senta e conversa. Amigo é paciência.
Amigo é rir junto, é chorar junto, é correr junto, é cair junto. Amigo é lar no abraço forte. É tesouro que não vale nada, pros outros; pra ti é riqueza.
Amigo é o olhar. É o te amo. É o "volta quando", é "cuidado", "avisa quando chegar". Amigo é "tá se alimentando direito?" é o "faz aquela atividade pra mim".
Amigo é...
Amigo é casa!
XIII
Se os caminhos forem tortos? Vamos parar e pintá-los. Pintaremos de cor também as dores.
Seremos obrigados a conviver com elas mesmo!
Que seja do nosso jeito.
Melancólico e colorido!

*Eduardo da Silva Sandes, filho de Maria José Araújo da Silva e Edvaldo Viana Sandes. Nasceu em Vargem Grande  (MA) em  27 de fevereiro de 2001. Estudou nas escolas Farina, com uma breve passagem pela escola Raulina de Sousa Silva,  depois ingressou na Escola Comunitária Dom João Antônio Farina. Atualmente está inscrito no curso de História esse ano (2020) na UFMA.
É amante das artes entre as quais, música, literatura, artes plásticas, cênicas. A leitura e escrita sempre fizeram parte do seu dia-a-dia. Atua em Movimentos Sociais com foco na juventude, assim como na promoção e produção cultural. Gosta muito de ler, ouvir música, escrever, conversar.

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