Por: Jucey Santana
Chamam-me imortal porque faço parte da
Academia Itapecuruense de Ciências Letras e Artes – AICLA, mas na realidade sou
uma simples mortal e não estaria hoje contando histórias de ilustres
itapecuruenses se não fosse pela intervenção de uma nobre filha da terra. Passo
aqui a relatar o fato: Quando pequena, talvez com três ou quatro anos, isto não
me lembro... Morávamos na Rua do Egito, atual Coronel Catão. A minha irmã
Jacira desceu ao rio para lavar roupas e nadar e eu a acompanhei. Enquanto
minha irmã nadava com as amigas eu certamente quis segui-las, caindo no rio sem
que ninguém visse. As lavadeiras sentiram minha falta e uma delas perguntou: “Onde
está a menina de dona Margarida”?
Esta senhora que sentiu a minha falta ao lado da tábua de
lavar, me localizou rio abaixo subindo e descendo ao sabor da correnteza. Então
corajosamente nadou e me resgatou no meio do rio. Depois de muito vomitar eu fui considerada salva
do afogamento, graças a ela. Houve um alvoroço em toda beira-rio e vizinhança. Minha mãe, em agradecimento, a partir de
então, me obrigou a chama-la de mãe. Daí para frente, já me lembro... Tinha muita vergonha de chamar aquela
lavadeira de mãe. Eu a achava feia e pescoçuda. E ainda por cima ela vendia
bolos e chocolates nos festejos da igreja. Minha mãe me obrigava a tomar a
bênção na frente de todo mundo. Depois
da bênção e afagos ganhava invariavelmente, o seu famoso chocolate, muito
quente que me queimava a boca. Para falar a verdade, nunca gostei de chocolates.
E ela toda satisfeita com aquela filha especial, que não se cansava de contar a
história do rio. Eu fazia tudo para não encontra-la. Nunca nem me importei de
saber seu nome.
O tempo passou e não esqueci o episódio. Tempos atrás
resolvi buscar informações sobre a minha salvadora. Então soube tratar-se de
Ana Júlia. Gostaria de tê-la conhecido para poder abraça-la e me desculpar por
ter sido uma filha tão ingrata!
Ana Júlia Silva Correa,
nasceu em Itapecuru Mirim, em 1901. Era filha de Benedito Antônio Correa e
Cândida Flora Correa. Foi casada com José da Silva, mais conhecido por José da
Laranjeira, por ser oriundo da localidade Porto das Laranjeiras, atual
Assentamento Conceição Rosa. Teve três filhos:
Maria das Dores, e os músicos Luís Venâncio e Manoel, conhecido por Manoca.
Ana Júlia, sempre foi benquista, hospitaleira e popular em
Itapecuru-Mirim. Ninguém saia de sua casa sem fazer uma refeição ou pelo menos
um lanche. Muito católica, organizava dois grandes festejos por ano, em sua
casa, auxiliada pelos filhos, netos e a comunidade que assumiam compromissos
como noitantes, que eram os responsáveis pelas noites. Em janeiro era a
Festa de São Sebastião e em junho celebrava o Sagrado Coração de Jesus. Nas novenas
as rezas, Ladainhas e Ofício de Nossa Senhora, eram cantados em latim. As
festas eram bastante concorridas com farta distribuição de bolos e chocolates. Também
foi caixeira do Divino durante muitos anos na Festa do Divino Espírito Santo
organizada por Raimundo Veras e nos diversos festejos das comunidades rurais.
Ana Júlia, foi
doceira e quituteira renomada. Nos festejos realizados pela Paróquia, como de
Nossa Senhora das Dores, São Benedito e Divino Espírito Santo e Festa da Cruz,
Ana Júlia era presença certa com sua banca de venda de bolos e doces. Por
muitos anos foi lavadeira no rio Itapecuru, juntamente com Nhaju, Janoca, Quita,
Eliosina, Mariana Serra, Maria do Cabelão e outras, para famílias abastadas, em
época que não havia água encanada.
Como parteira, ajudou muitos conterraneozinhos virem ao
mundo. Em 1973 participou do curso de aperfeiçoamento de parteiras leigas
ministrado pelo médico José Curtius Carneiro e o auxiliava no posto médico da
cidade. Atendia a qualquer momento, quer
na área urbana quer na zona rural, onde enfrentava locais de difíceis acessos, com
atoleiros e sem estrada e sem luz elétrica para socorrer uma parturiente que
precisasse de ajuda.
Ana Júlia aposentou-se pelo antigo Funrural no início dos
anos oitenta e faleceu em oito de janeiro de 1992. Tenho muito orgulho de ter tido aquela nobre
mãe!
O presente texto
faz parte do livro inédito, Itapecuruenses Notáveis, de Jucey Santana.
Foto restaurada por Ailson Lopes.