*Benedito Buzar
Francisca ou Chiquinha, como queiram identificá-la, nasceu em Itapecuru a 2 de agosto de 1920, filha da itapecuruense Firmina da Conceição Carneiro e do rosariense Francisco Raimundo Serejo.
Um dia após o seu nascimento, a 3 de agosto, aconteceu uma fatalidade, que só teve a consciência da gravidade do fato anos depois: o falecimento repentino do pai, que deixou a mãe viúva, ainda jovem e bonita, e uma recém-nascida, na orfandade.
A situação só não ficou crítica porque o famoso coronel Catão Clímaco Bandeira de Melo, o principal chefe político e poderoso comerciante da ci dade, passou a ter um caso amoroso com a viúva. Vale dizer, sustentava a casa, a mãe e a filha, esta, que cresceu sob as suas bênçãos, sem que nada lhe faltasse enquanto ele viveu. Por isso, Chiquinha devotou-lhe, desde a infância, extremado carinho, tanto que o chamava de pai, em reconhecimento ao que fazia por ela e pela mãe.
ESTUDOS E EMPREGO
A assistência que Catão Bandeira de Melo dava à mãe e à filha, traduzida em afeto e dinheiro, fez com que Chiquinha tivesse uma infância sem maiores problemas. Estudou com as melhores professoras da cidade: Mariana Luz, Zulmira Fonseca, Maria de Lourdes Coelho Cassas e Sinhá Tavares, na época em que as aulas eram dadas em casas alugadas ou na residência de dona Áurea Nogueira, que serviu de sede provisória do Grupo Escolar Gomes de Sousa.
Daquelas professoras, guarda até hoje as melhores lembranças, pois delas só recebeu bons ensinamentos e exemplos edificantes, que procurou assimilar ao longo da vida.
Concluído o curso primário e já mocinha, achava que havia chegado o momento de arrumar um emprego, para não ficar na dependência do dinheiro que a mãe lhe dava.
Nessa época, vivia-se uma fase de transição política, em que os prefeitos não eram eleitos, mas nomeados pelos interventores federais. O prefeito de plantão era Mundiquinho Mendes, que procurado por Chiquinha, resolveu criar o cargo de secretária do gabinete da prefeitura. Ela, contudo, não chegou a ser nomeada, pois o atencioso prefeito foi exonerado pelo novo interventor federal. Quem a nomeou para o cargo recém-criado foi o prefeito João Pedro Pereira, a pedido do desembargador Raimundo Públio Bandeira de Melo, filho de Catão, que considerava Chiquinha irmã.
Ela não demorou muito tempo no cargo, porque os adeptos da candidatura do general Eurico Dutra a presidente da República, nas eleições de 1946, souberam que ela havia votado no candidato oposicionista, o brigadeiro Eduardo Gomes. Por conta disso, foi exonerada.
O desembargador Públio Bandeira de Melo ainda tentou reverter o ato, mas não conseguiu, em face da nova situação política reinante no Maranhão, pois, com o fim do Estado Novo, os interventores cederam lugar aos governadores eleitos.
A ALFABETIZADORA
Com a morte de Catão, seu pai de criação, Chiquinha e a mãe, Firmina, como meio de sobrevivência, passaram a fazer e a vender lingüiças. Embora o produto, preparado doméstica e artesanalmente, fosse de boa qualidade, o negócio não prosperou. Faltava dinheiro para comprar a matéria-prima.
Para não ficarem na miséria total ou viverem da comiseração pública, elas tiveram a feliz iniciativa de montar uma pequena e rudimentar escola, destinada à alfabetização de crianças. Enquanto Chiquinha, valendo-se do que aprendeu com as professoras no primário, ministrava as aulas, a mãe cuidava da casa, com vistas a mantê-la todo tempo limpa e arejada, para dar boa impressão às famílias dos alunos, que pagavam conforme as posses de cada uma.
Ao assumir o cargo em 1947, o prefeito eleito, Miguel Fiquene, vendo que Chiquinha realizava um bom trabalho na área de alfabetização de crianças, resolveu melhorar a vida da esforçada professora. Contratou-a para lecionar num pequeno colégio mantido pela prefeitura, no povoado chamado Mal Assado.
Anos depois, em reconhecimento à ação que desenvolvia como alfabetizadora, foi removida para o povoado Leite, localizado entre Itapecuru e Vargem Grande, onde passou a ter outras atividades também no magistério municipal.
Quando João Rodrigues elegeu-se prefeito chamou Chiquinha para uma conversa e prometeu nomeá-la funcionária da prefeitura e melhorar o seu ordenado, caso ela topasse ensinar em Cantanhede, à época, ainda não era um município emancipado política e administrativamente. Como era mulher de aceitar desafios, não fugiu da parada, e passou uma temporada em Cantanhede até virar município. Em seguida, peregrinou nos povoados Jundiaí, Filipa e Leão, sempre cumprindo com zelo e determinação, as instruções das autoridades educacionais do município.
CASAMENTO E FILHOS
Na mocidade, Chiquinha, por ser formosa e festeira, era muito cortejada e assediada pela rapaziada de Itapecuru. Nos bailes, que costumava freqüentar, as “cantadas” eram numerosas e irresistíveis. Chegou a ter dois namorados firmes: Raimundo Aleixo e Eduardo Duailibe, mas não assumiu compromisso sério com nenhum deles.
O casamento só veio acontecer quando morava no povoado Mal Assado, depois de um namoro de cinco anos com o principal galã da comunidade: Pedro Belmiro Martins Silva. O enlace matrimonial, celebrado pelo padre Altêredo Soeiro, na igreja de Nossa Senhora das Dores, em Itapecuru. a 2 de janeiro de 1947.
Com Pedro Belmiro teve dois filhos: Bento, já falecido, e Maria Firmina, que morou muito tempo em Brasília, mas mudou-se para São Luís, a fim de dar melhor assistência à sua mãe.
O casamento não durou três anos. Motivo: Chiquinha descobriu que o marido tinha amante. Como não era mulher de conviver com homem “raparigueiro”, mesmo sendo o pai de seus filhos, não pensou duas vezes: abandonou o marido e o povoado, voltando para a terra natal e recomeçar a vida. Passou então a criar e vender galinhas e frangos e morar na casa das Irmãs Josefinas, estas, trazidas de Fortaleza, pelo bispo Dom Delgado, para o trabalho de catequese na paróquia de Itapecuru.
MUDANÇA PARA SÃO LUÍS
Em 1977, não satisfeita com o que fazia em Itapecuru, tomou uma decisão inexorável: arranjar um emprego público em São Luís, pois só pensava no futuro dos filhos e na sua velhice.
Com a cara e a coragem bateu às portas do gabinete do secretário de Educação do Maranhão, professor José Maria Cabral Marques. Depois de várias tentativas, afinal, conseguiu falar com o próprio, ao qual contou suas dificuldades, o que sabia fazer e o que seria dela e dos filhos se não contasse com um emprego do governo.
Cabral simpatizou com a itapecuruense, admirou a sinceridade dela e prometeu falar com o governador Antônio Dino, substituto de José Sarney, para nomeá-la para um cargo na secretaria de Educação.
O governador Dino, sensibilizado com a situação de Chiquinha, nomeou-a para trabalhar na Assessoria Técnica, para o cargo de auxiliar de serviços gerais. Nessa atividade, trabalhou com tanta abnegação e responsabilidade, que logo se fez estimada e respeitada pelas técnicas que ali prestavam serviços, dentre as quais Socorro Neiva, Nizete Medeiros, Socorro Carneiro, Hortênsia Araújo, Diomar Mota Maria de Jesus Ayoub, Maíba Maluf. Dali só saiu quando chegou o tempo de aposentar-se.
Aposentada, com mais disponibilidade de tempo, passava, de vez em quando, temporadas em Brasília, onde a filha trabalhava de enfermeira. Na capital da República, ainda que contasse com a assistência e o desvelo de Maria Firmina, não se deu bem com a cidade, porque lá não podia fazer algumas coisas que gosta de praticar diariamente em Itapecuru: anda livre e tranquilamente nas ruas, entra nas casas dos amigos e ainda se dá ao luxo de jogar conversa fora.
A POLÍTICA E O PENDÃO
Além de festeira, Chiquinha cultivou na juventude o gosto pela política. Quem a levou a apreciar e a participar das atividades partidárias, em Itapecuru, foi o pai de criação, Catão Bandeira de Melo, que teve sob suas mãos, durante bom tempo, na chamada República Velha, o controle da vida política e administrativa do município.
A participação dela na política ocorreu com mais desenvoltura na época em que a luta pelo poder no Maranhão girava em torno de Magalhães de Almeida e de Marcelino Machado.
Como Catão era magalhãesista, ela, por lealdade e apreço a quem a criara, participava e atuava nas campanhas e nas batalhas políticas, fazendo o que estava a seu alcance para impedir que os marcelinistas conquistassem a prefeitura e a maioria de vereadores na Câmara Municipal.
a ser conhecida por Chiquinha Pendão, apelido que carrega, como muito orgulho, até os dias de hoje.
Por conta disso, a popularidade dela foi para o alto. Quando desfilava com o estandarte, o povo criou e cantava uma curta música, com a seguinte letra: “Dona Firmina e seu Catão acompanham a passeata com alpercata de verão. Firmina disse e Catão confirmou: o pendão de Magalhães foi Chiquinha que carregou”. Nem por isso ela quis ou tentou algum dia ser candidato a qualquer cargo eletivo.
Ao chegar aos 87 anos de vida, Chiquinha, em função de sua vulnerabilidade física, não pode mais, como até recentemente o fazia, andar pela cidade que tanta ama e venera, para dialogar com as pessoas de seu tempo, que já são tão poucas.
Se por um lado, perdeu essa capacidade, de outro, dispõe de uma privilegiada memória, que ao retroagir ao passado, lembra e evoca eventos, episódios e acontecimentos que marcaram a vida de Itapecuru e que hoje em dia poucos ou quase ninguém têm interesse em saber.
Sempre que vou à minha terra natal, faço uma parada obrigatória na casa de Chiquinha Pendão, não apenas para reverenciá-la, mas extrair dela depoimentos de fatos e de atos que só ela sabe e que guarda, sem qualquer risco de erro, na sua extraordinária memória e que fazem parte da história de um passado não tão remoto de Itapecuru.
Do livro Púcaro Literário III (2021), organizado por Jucey Santana e João Carlos Pimentel Cantanhede
*Benedito Bogéa Buzar, Itapecuruense, jornalista e bacharel em Direito, professor, escritor e pesquisador. Membro da Academia Maranhense de Letra da qual é presidente, professor aposentado da Universidade Estadual do Maranhão, funcionário público estadual, no exercício do qual ocupou cargos importantes, como chefe de gabinete da Superintendência do Desenvolvimento do Maranhão, chefe de gabinete do prefeito de São Luis, secretário de Educação e Cultura de São Luis, presidente da Empresa Maranhense de Turismo, secretário da Cultura do Estado do Maranhão, Diretor-presidente do SIOGE, Gerente de Desenvolvimento Regional de Itapecuru Mirim. É membro fundador da Academia Itapecuruense de Ciências Letras e Artes.
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