domingo, 22 de março de 2020

CONFISSÕES DO MAR (I)

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 Wanda Cunha

Ilha Rebelde, talvez eu devesse dizer que te amo, ainda que eu nunca tivesse podido te amar. Talvez eu devesse calar o passado, os anos, nos quais te amei, sem poder usufruir - como usufruíram piratas e poetas - do teu corpo inteiro. Talvez eu devesse, sim, instigar as lembranças do mare clausum em que me transformaram   e do mare liberum que passei a ser, quando, dentro de mim mesmo, eu te perdi, ao propiciar a navegantes sedutores o direito de te conquistar com um amor que sempre fora meu.

Ilha dos Azulejos e Vitrais,  no teu próximo aniversário – já sei - receberás parabéns, receberás homenagens, receberás declarações de amor de todos os amantes que nunca, em momento algum, te amaram tanto quanto eu te amei. Nem Huig van Groot que, no “De Jure Predoe”, defendeu a tese da liberdade dos mares, seria capaz de contestar o cárcere de amor a que me sujeitei por tua causa.

Ilha dos Amores, que amores me deste naqueles tempos longínquos em que te livrei das garras portuguesas? Ou não sabes que eu, somente eu fiz fracassar a expedição de Aires da Cunha, em 1535? Por te amar demais, tentei evitar a povoação de Nossa Senhora de Nazaré, ainda que debalde. Senti ciúmes de Luís  de Melo e Silva, quando ele quis te conquistar, de Luís de Gamboa e de tantos outros que não sabiam que eu sempre fora o teu primeiro donatário, entre a letargia da minha baixa-mar e o frenesi da minha preamar.

Ilha da Trindade, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, escuta a minha voz!... Deixa que eu te confesse o ciúme que senti nos tempos em que todos os corsários  te seduziram. Como eu quis ser  Guérard e Roussel, em 1524, quando adentraram o teu corpo!... Quanta inveja  senti de Jacques Riffault, quando em ti estabeleceu uma feitoria!... Inveja de Charles de Vaux que abocanhou tua língua!... Quão idiota fui ouvindo as histórias de Claude d’Abbeville e Yves d’Evreux!.... As declarações de amor que eles te fizeram eram minhas: “suas árvores cheias de pássaro gorjeando entre frutos e flores...” e o “clima é são e salubre... desperta muito apetite... belo e magnífico o céu porque nele há estrelas maiores e brilhantes e mais luzentes do que em França...”.

Ó França Equinocial, até Gonçalves Dias, em sua “Canção do Exílio”, feita em Coimbra, invejou Abbeville e Evreux, sem saber que me invejava. E, em razão  disso -  confesso -  deixei que o poeta fosse um náufrago em minhas águas e morresse entre a fúria das minhas ondas,  para não mais poder te amar em palavras, como eu te amei em silêncio. Sua Canção do Exílio deveria ser minha. Eu, sim, sempre estive no exílio, na solidão do cais do porto, trazendo e levando gente para os abraços das tuas ladeiras, sem poder desfrutar dos teus carinhos, sem poder molhar teus vitrais e debruçar-me sobre as sacadas dos teus casarões!...

Ilha Grande, que pequeno amor me deste ante tão grande amor que te dei!.... Talvez não saibas, mas ainda tentei evitar que Charlotte, Saint’Anne e Regente chegassem aqui!... Fui um mar tenebroso. Mas Ravardière e Razilly me venceram no decurso de cento e dezesseis dias de minha agonia. Eles não queriam apenas a Ilha Pequena a que Razilly batizou com o nome de Sant’Ana. Eles te queriam, Upaon-açu. Queriam  teus tupinambás e conquistar tuas vinte e sete aldeias. E eu era apenas um mar, vassalo de Jeviré.

Upaon-Açu, teu nome originário dissolveu na boca dos nativos naquele oito de setembro de 1612... De onde eu estava, vi e ouvi o vento balançar tuas palmeiras, enquanto elas alardeavam que Razilly deu ao Forte, construído por Laravàrdiere, o nome de Saint-Louis. Aquela que eu tanto amara já não podia ser minha; era de um menino: Luiz XIII...

Atenas Brasileira,  foste dos franceses, sem nunca ter sido minha. E eu, mare liberum, desde aquele tempo, nunca mais amei ninguém...




WANDA Cristina da CUNHA e Silva, filha do escritor, professor e jornalista maranhense Carlos Cunha e da professora Plácida Cunha, é poetisa, cronista, radialista, compositora, professora. Nascida em São Luís/MA,  graduada em Jornalismo e Letras, pós-graduada em Língua Portuguesa e em Comunicação e Reportagem, pós-graduanda em Música e Artes e Teoria da Literatura. Já publicou sete livros, nos quais reúne poesias, crônicas, conto infantil e teatro juvenil. Integra várias antologias nacionais e  já ganhou vários prêmios nas áreas de Literatura e Música

segunda-feira, 16 de março de 2020

MARIA DO ROSÁRIO MELO GOMES


 

            Sinhá Melo

Teresa Lauand 

Maria do Rosário Melo Gomes, conhecida em toda região iguaraense como Dona Sinhá Melo, integrava a prole de onze filhos do casal, Raimundo dos Santos Melo e Risoleta Mesquita Melo, nasceu em Vargem Grande (MA), em 9 de julho de 1927.

Dona Sinhá  Melo desde a juventude passou a atuar nos grupos de jovens, da igreja e com seu espírito de liderança nato  se  interessando  por movimentos culturais, sociais  e religiosos, seguindo os passos da mãe, Dona Risoleta que era extremamente devota de São Raimundo, o santo vagueiro,  atuante em todos  eventos regionais, como compositora,  musicista e oradora renomada, sendo conhecida como uma das  maiores incentivadoras das tradições regionais juntamente com dona Nini (Eurídice Garret).

Dona Sinhá era técnica de enfermagem e conhecida parteira de toda região. Entre os anos de 1960 a 1990, uma grande parte  dos vargem-grandenses que vieram ao mundo foram através de suas mãos, o que muito lhe dava orgulho. Enfrentava sol e chuva para atender as parturientes que necessitavam de seus serviços, da zona urbana ou rural a qualquer momento.  Por força do seu oficio ganhou centenas de afilhados e compadres.  Era muito conhecida e querida em toda a região, como se fizesse parte integrante de cada família. 

Era proprietária do conhecido Hotel São Raimundo onde recebia as famílias tradicionais na época dos festejos do santo vaqueiro. Sendo o principal hotel da cidade hospedava todos os funcionários públicos como juízes, professores, Promotores Públicos e servidores do Banco do Brasil, Emater e outros que trabalhavam na cidade se b tornando muito conhecida e querida.  O local  era mais conhecido como “Hotel da Sinhá Melo”.  
     
                   Dona   Sinhá e as festas tradicionais 

Alegre e festeira dona Sinhá deu continuidade ao legado cultural de Dona Nini e Dona Risoleta, como promotora e incentivadoras da cultura regional. 

Foi uma das fundadoras do Clube das Mães, realizando inúmeros eventos no local, com o apoio e participação da sociedade iguaraense.

Como atuante na sociedade e defensora das tradições familiares, criou a quadrilha junina dos casais, Festa das Rosas no mês de maio, bloco carnavalesco dos casais e o conhecido bloco infantil, com matinais e vesperais para criançada. A população esperava ansiosa os grandes bailes sociais promovidos por Dona Sinhá por ocasião dos eventos cívicos e populares como as festas das mães, festejo de São Raimundo, reisado,  carnavais, réveillons   e muitos momentos festivos. As grandes festas eram realizadas nos salões de sua própria casa.  

Muito religiosa, mantinha a tradição dos novenários do mês de maio e outubro com farta distribuição de quitutes aos participantes.

Ainda muito jovem casou-se com José Firmino Gomes Filho (22.04.1924)  de tradicional família vargem-grandense,  com quem teve  6 filhos: José de Ribamar, Maria do Perpétuo Socorro, Antônio Raimundo, José Firmino Neto,  José Adalberto  e José Roberto, que lhe deram várias dezenas de netos, bisnetos e trinetos  espalhados por esse Brasil afora. 

Com o seu falecimento em 24 de fevereiro de 1998, em plena terça feira de carnaval com grande repercussão e comoção, foram suspensos todas as festas momesca do dia e com muita tristeza a população vem registrando a descontinuação do seu valoroso trabalho, uma grande perda para a cultura a região.

A Academia Vargem-grandense de Letras e Artes, reconhecendo-lhe o mérito a elegeu como patrona da cadeira 28 da instituição cultural.

- Maria Francisca Teresa Lauand Fonseca, professora, cronista, promotora cultural e social, membro fundador da Academia Vargem-grandense de Letras e Artes – AVLA,