Inaldo
Lisboa*²
Dando
seguimento aos artigos que estou escrevendo sobre a I Festa Literária de Itapecuru
Mirim – FLIM, realizada nos dias 19,
20 e 21 de outubro de 2018, com uma vasta programação, hoje escreverei sobre
questões afrodescendentes em Itapecuru Mirim e foco meu olhar para o negro na
literatura itapecuruense. Fiz uma busca nas obras de escritoras e escritores de
origem afrodescendente ou que escrevem sobre a referida temática, para verificar
como questões étnico raciais, a cultura de origem africana ou a própria mulher
e o próprio cidadão negro se relacionam com a literatura produzida no
município.
A princípio deve ser destacar que o município
de Itapecuru-Mirim é uma região com sessenta e duas Comunidades Quilombolas certificadas
e sete em fase de registro, conforme informação de Elias Pires Belfort, presidente da União das Associações de
Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Município de Itapecuru-Mirim - UNIQUITA e da ex-vereadora Eliane Quilombola.
Também
ao fazermos nosso abordagem não podemos deixar de dar ênfase que a nossa maior
poeta, a professora Mariana Luz era afrodescendente
e foi a segunda mulher negra a ter assento na Academia Maranhense de Letras,
fato este bastante memorável porque ela alcançou esse destaque como mulher e
negra, numa época em que o preconceito ainda estava mais arraigado, não obstante
a nossa imortal conseguiu deixar registrado seu nome na história das letras
maranhenses.
Mesmo
com essa conquista, Mariana Luz não deixou registrada em suas obras nenhuma
alusão às questões afrodescendentes. Sabemos através de relatos orais sobre ela
e que estão registrados no livro Mariana
Luz: vida e obra e coisas de Itapecuru Mirim, publicado em 2014, de autoria
de Jucey Santana, que havia muita maledicência sobre sua pessoa, chamavam-na de
feia, má, bruxa, certamente escondia-se por trás dessas alcunhas, um grande
preconceito racial.
Depois
de Mariana Luz temos Raimundo Nonato Lopes, professor e poeta, homem negro, mas
que não aborda em suas obras elementos étnico-raciais; e Maria Sampaio com uma
literatura fortemente marcada pela oralidade, pelas questões populares, sem,
contudo, focar na temática do povo de origem africana.
Nas
duas primeiras décadas do século XXI surgem os poetas Raimundo Soares e Júnior
Lopes, este último também músico, inclusive criador da banda Cosme Black, numa
alusão a Negro Cosme, líder quilombola que ficou preso e foi enforcado em
Itapecuru, no século XIX, tendo sua luta como herói da Balaiada reconhecida somente
mais de um século depois com toda a revisão que tem sido feita da história
oficial especialmente pelo movimento negro.
Raimundo
Soares, que se identifica como negro, reconhece que há muito pouco da cultura
afrodescendente em sua poesia, contudo, no poema 33 de seu livro, ainda
inédito, identificamos uma estrofe com esses versos:
Pai velho, também no
terreiro
um tambor evoca teu axé
entre corpos nus
e canto exposto
um deus velhos de
antigos oratórios
se manifesta
Constato
ainda nas minhas observações que o município de Itapecuru-Itapecuru, mesmo
tendo em seu território um número de sessenta e nove comunidades quilombolas, há pouquíssimos representantes dessas
comunidades com algum destaque nas letras. Fiz essa sondagem com vários
integrantes dessas comunidades. Verifiquei apenas um livro artesanal Santa Rosa: Esses pretos são danados,
escrito no formato cordel pelo poeta Joércio Pires da Silva, popularmente
conhecido como Leleco, da comunidade Santa Rosa. Além disso, parece que seus
espaços têm servido de pouca inspirações para que escritores da região façam
mais registro sobre as questões afrodescendentes. Existem grandes trovadores
como, por exemplo, Dona Nielza e seu irmão Bernardo, da comunidade Felipa, mas
ainda sem registro escrito, seus versos sempre com muito humor e nascido de
improviso estão apenas no plano da literatura oral.
Por
isso, tomei a decisão de realizar um projeto de publicação que tem como
objetivo documentar o trabalho dela, essa ideia está em sintonia com uma
atividade que tenho feito como produtor cultural, mesmo sem recursos
institucionais ou empresariais. Programei organizar e publicar um livro com
poemas de Dona Nielza Nascimento para ser lançado durante a I FLIM, todavia não
foi possível, mas ainda estou trabalhando para que o projeto seja concretizado
em breve.
Mas
voltando a minha abordagem, os escritores que começaram a despontar nessas duas
primeiras décadas do século XXI, dentre eles eu me insiro, registramos muito
pouco o modus vivendi dessas
populações, seja numa produção ficcional, seja numa produção poética, fato este
lamentável, porque essa forte herança da cultura negra
possui uma contribuição relevante na história do município e durante muitos
anos ficou apenas à margem das discussões. O que temos dessas comunidades são
relatos de pesquisadores, de fora da comunidade, que felizmente documentam
aspectos importantes sobre a trajetória dessas pessoas, a luta pela posse da
terra e suas tradições culturais, como por exemplo, o livro Quilombo Santa Rosa dos Pretos, de
Fernanda Lucchesi, publicado em 2008 e integrante da coleção Terra de
Quilombos.
Em 2005 quando lancei o livro Tudo Azul no Planeta Itapecuru, além de
apresentar uma crônica sobre Mariana Luz, também fiz uma crônica sobre Joaquim
Carcereiro, um dos primeiros brincantes de bumba meu boi em nosso município,
rezador e figura marcante de nossa cultura. Quis, além de destacar sua importante
atuação cultural, fazer o registro de sua história de homem negro, haja vista
que a história oficial somente foca nas conquistas do homem branco e sua
memória não recebe as homenagens oficiais.
Mais recentemente, no seu romance Cristal, publicado em 2017, a escritora itapecuruense, Samira Diorama,
apresentou a história de uma mulher que trava uma luta para descobrir um
segredo de seu passado. Na investigação que faz, vai a Santa Rosa dos Pretos e
muitos mistérios são elucidados com o aparecimento de outras personagens que
moram nesta comunidade e têm seus conflitos incluídos no enredo, como por
exemplo, fatos relativos a uma disputa de terra. Samira consegue registrar
questões importantes deste povoado e também do povoado Felipa, ambos comunidades
quilombolas ainda ameaçadas com ações de grileiros.
O
escritor itapecurtuense Teotônio Fonseca, em seu livro de poemas O batucajé das Iaras, publicado em
2016, aborda a temática afrodescendente mas de uma forma muito alegórica e romantizada,
mesmo assim deve ressaltar o valor do trabalho por trazer, no seu bojo, fatos e
aspectos importantes da cultura negra e de nossas tradições, como por exemplo
nos poemas Um batuque em Santa Rosa e A musa e o Negro Cosme.
Em
2016 eu e Jucey Santana organizamos o livro João Batista: um homem itapecuruense e sua múltipla história, que
teve como objetivo documentar o trabalho literário que ainda estava inédito do
professor, compositor e poeta João Batista Pereira dos Santos, falecido em 02
de outubro de 1999, aos trinta e seis anos. Este escritor de origem
afrodescendente teve uma atuação marcante e articulada na cultura, no movimento
paroquial e esportivo de Itapecuru, fez uma grande produção textual com texto
em verso, com abordagem de diversos temas, todavia nos seus poemas também não
encontrei registros sobre questões étnico raciais.
A
I FLIM foi realizada e espero que em suas próximas edições poderemos ter uma
maior participação dessas comunidades quilombolas e o florescer de produções
literárias escritas por seus próprios representantes.
1* A primeira versão deste artigo
foi publicada no Jornal de Itapecuru. Esta nova versão foi revista e
atualizada.
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