domingo, 28 de outubro de 2018

O NEGRO NA LITERATURA ITAPECURUENSE*¹


 Inaldo Lisboa*²

Dando seguimento aos artigos que estou escrevendo sobre a I Festa Literária de Itapecuru Mirim – FLIM, realizada nos dias 19, 20 e 21 de outubro de 2018, com uma vasta programação, hoje escreverei sobre questões afrodescendentes em Itapecuru Mirim e foco meu olhar para o negro na literatura itapecuruense. Fiz uma busca nas obras de escritoras e escritores de origem afrodescendente ou que escrevem sobre a referida temática, para verificar como questões étnico raciais, a cultura de origem africana ou a própria mulher e o próprio cidadão negro se relacionam com a literatura produzida no município.

 A princípio deve ser destacar que o município de Itapecuru-Mirim é uma região com sessenta e duas Comunidades Quilombolas certificadas e sete em fase de registro, conforme informação de Elias Pires Belfort,  presidente da União das Associações de Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Município de Itapecuru-Mirim -  UNIQUITA e da ex-vereadora Eliane Quilombola.

Também ao fazermos nosso abordagem não podemos deixar de dar ênfase que a nossa maior poeta, a professora Mariana Luz  era afrodescendente e foi a segunda mulher negra a ter assento na Academia Maranhense de Letras, fato este bastante memorável porque ela alcançou esse destaque como mulher e negra, numa época em que o preconceito ainda estava mais arraigado, não obstante a nossa imortal conseguiu deixar registrado seu nome na história das letras maranhenses.

Mesmo com essa conquista, Mariana Luz não deixou registrada em suas obras nenhuma alusão às questões afrodescendentes. Sabemos através de relatos orais sobre ela e que estão registrados no livro Mariana Luz: vida e obra e coisas de Itapecuru Mirim, publicado em 2014, de autoria de Jucey Santana, que havia muita maledicência sobre sua pessoa, chamavam-na de feia, má, bruxa, certamente escondia-se por trás dessas alcunhas, um grande preconceito racial.

Depois de Mariana Luz temos Raimundo Nonato Lopes, professor e poeta, homem negro, mas que não aborda em suas obras elementos étnico-raciais; e Maria Sampaio com uma literatura fortemente marcada pela oralidade, pelas questões populares, sem, contudo, focar na temática do povo de origem africana.   

Nas duas primeiras décadas do século XXI surgem os poetas Raimundo Soares e Júnior Lopes, este último também músico, inclusive criador da banda Cosme Black, numa alusão a Negro Cosme, líder quilombola que ficou preso e foi enforcado em Itapecuru, no século XIX, tendo sua luta como herói da Balaiada reconhecida somente mais de um século depois com toda a revisão que tem sido feita da história oficial especialmente pelo movimento negro.

Raimundo Soares, que se identifica como negro, reconhece que há muito pouco da cultura afrodescendente em sua poesia, contudo, no poema 33 de seu livro, ainda inédito, identificamos uma estrofe com esses versos: 

Pai velho, também no terreiro
um tambor evoca teu axé
entre corpos nus
e canto exposto
um deus velhos de antigos oratórios
se manifesta

Constato ainda nas minhas observações que o município de Itapecuru-Itapecuru, mesmo tendo em seu território um número de sessenta e nove comunidades quilombolas,  há pouquíssimos representantes dessas comunidades com algum destaque nas letras. Fiz essa sondagem com vários integrantes dessas comunidades. Verifiquei apenas um livro artesanal Santa Rosa: Esses pretos são danados, escrito no formato cordel pelo poeta Joércio Pires da Silva, popularmente conhecido como Leleco, da comunidade Santa Rosa. Além disso, parece que seus espaços têm servido de pouca inspirações para que escritores da região façam mais registro sobre as questões afrodescendentes. Existem grandes trovadores como, por exemplo, Dona Nielza e seu irmão Bernardo, da comunidade Felipa, mas ainda sem registro escrito, seus versos sempre com muito humor e nascido de improviso estão apenas no plano da literatura oral. 

Por isso, tomei a decisão de realizar um projeto de publicação que tem como objetivo documentar o trabalho dela, essa ideia está em sintonia com uma atividade que tenho feito como produtor cultural, mesmo sem recursos institucionais ou empresariais. Programei organizar e publicar um livro com poemas de Dona Nielza Nascimento para ser lançado durante a I FLIM, todavia não foi possível, mas ainda estou trabalhando para que o projeto seja concretizado em breve.
  


 Em 2005 quando lancei o livro Tudo Azul no Planeta Itapecuru, além de apresentar uma crônica sobre Mariana Luz, também fiz uma crônica sobre Joaquim Carcereiro, um dos primeiros brincantes de bumba meu boi em nosso município, rezador e figura marcante de nossa cultura. Quis, além de destacar sua importante atuação cultural, fazer o registro de sua história de homem negro, haja vista que a história oficial somente foca nas conquistas do homem branco e sua memória não recebe as homenagens oficiais.   

 Mais recentemente, no seu romance Cristal, publicado em 2017,  a escritora itapecuruense, Samira Diorama, apresentou a história de uma mulher que trava uma luta para descobrir um segredo de seu passado. Na investigação que faz, vai a Santa Rosa dos Pretos e muitos mistérios são elucidados com o aparecimento de outras personagens que moram nesta comunidade e têm seus conflitos incluídos no enredo, como por exemplo, fatos relativos a uma disputa de terra. Samira consegue registrar questões importantes deste povoado e também do povoado Felipa, ambos comunidades quilombolas ainda ameaçadas com ações de grileiros.  

O escritor itapecurtuense Teotônio Fonseca, em seu livro de poemas O batucajé das Iaras, publicado em 2016, aborda a temática afrodescendente mas de uma forma muito alegórica e romantizada, mesmo assim deve ressaltar o valor do trabalho por trazer, no seu bojo, fatos e aspectos importantes da cultura negra e de nossas tradições, como por exemplo nos poemas Um batuque em Santa Rosa e A musa e o Negro Cosme.

Em 2016 eu e Jucey Santana organizamos o livro João Batista: um homem itapecuruense e sua múltipla história, que teve como objetivo documentar o trabalho literário que ainda estava inédito do professor, compositor e poeta João Batista Pereira dos Santos, falecido em 02 de outubro de 1999, aos trinta e seis anos. Este escritor de origem afrodescendente teve uma atuação marcante e articulada na cultura, no movimento paroquial e esportivo de Itapecuru, fez uma grande produção textual com texto em verso, com abordagem de diversos temas, todavia nos seus poemas também não encontrei registros sobre questões étnico raciais. 
    
A I FLIM foi realizada e espero que em suas próximas edições poderemos ter uma maior participação dessas comunidades quilombolas e o florescer de produções literárias escritas por seus próprios representantes.
1* A primeira versão deste artigo foi publicada no Jornal de Itapecuru. Esta nova versão foi revista e atualizada.




2* Inaldo Lisboa, escritor e membro da Academia Itapecuruense de Ciências Letras e Artes.

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