Dia em homenagem à mulher maranhense
*Dilercy Adler
Sabe-se que atribuir uma data comemorativa a alguém ou a algum fato de reconhecida importância, é uma grande deferência. Desse modo, torna-se premente o conhecimento, a divulgação e a comemoração dessa data e as circunstâncias da indicação da homenagem. É este o maior objetivo deste texto: dar lume ao dia da mulher maranhense.
Antes, no entanto, se fazem necessários alguns esclarecimentos acerca do contexto e das variáveis que motivaram tal agraciamento à Maria Firmina dos Reis para a maior compreensão do leitor.
Destarte, iniciamos pelo redescobrimento dessa grande mulher, entre tantos títulos, o de primeira romancista brasileira, primeira romancista abolicionista e a única romancista do século XIX.
As pesquisas que resultaram nesse importante achado, segundo registros, foram iniciadas na década de 60, e ainda, segundo Lobo (2007, pp. 343-344),
A biografia da autora é aos poucos arrancada da obscuridade pelos pesquisadores José Nascimento Moraes Filho e Horácio de Almeida. Em 1962, este último comprou um lote de livros usados, entre os quais estava Úrsula: romance original brasileiro, por “Uma maranhense”. [...] O historiador José Nascimento Moraes Filho descobriu referências à obra de Maria Firmina dos Reis em 1973, nos porões da Biblioteca Pública Benedito Leite, em São Luís do Maranhão, ao compulsar velhos jornais.
A esse respeito, Arlete Nogueira da Cruz, em seu livro Sal e Sol (2006), explicita:
[...]. Não fosse José Nascimento Morais Filho, o nosso Zé Morais, este contumaz andarilho de trilhas nunca antes percorridas, Maria Firmina dos Reis não teria vindo à luz. E quando ele a trouxe (no momento em que também a trazia o escritor paraibano Horácio Almeida), lembro bem, foram alvo de zombarias em São Luís: Zé Morais, Maria Firmina e o seu livro Úrsula; muitos considerando que era de pouca serventia aquele achado e exagerada a relevância que Zé Morais dava à sua descoberta. Pelos daqui, Maria Firmina dos Reis deveria permanecer onde se achava: no limbo. E a sua obra sob o tapete (CRUZ, 2006, p.265).
Segundo Nascimento de Morais Filho, aos 80 anos, Maria Firmina retratava o quadro da velhinha negra de cabelos grisalhos, amarrados atrás da nuca, vestida de roupas escuras e sandálias, tendo falecido pobre e cega, no dia 11 de novembro de 1917, aos 92 anos. Imagino a cena... E vejo-a com o peso dos anos somado à dor de um tempo cruel, a exemplo de outros tantos, que rouba partículas essenciais de vida, sugando de forma perversa e incessante o que de mais belo um ser humano pode ter (ADLER, 2014, p.18).
Maria Firmina, segundo Agenor Gomes, sete anos antes da sua morte, foi visitada pelo então governador Luís Antônio Domingues da Silva, quando este esteve na Vila de Guimarães para inaugurar o Telégrafo, em 1910. Na ocasião, a professora, já idosa, com 88 anos, residia em uma casa de taipa, coberta de palhas, de propriedade de um filho de criação – Leudes Guimarães, na Rua Firmiano de Barros, onde foi morar em 1861, deixando a residência da Praça da Independência (hoje, Luís Domingues). O governador, ao presenciar o seu estado de saúde, decidiu contratar, às expensas do Estado, uma pessoa da vila para cuidar dela, a Dona Bárbara (Babu), moradora da Rua Riachuelo (hoje, Filomena Archer da Silva).
Mas, em 1975, ano do seu sesquicentenário de nascimento, muitas homenagens foram a ela prestadas. Assim, como já me referi em outros trabalhos, gostaria de eleger esse ano como um marco na vida da autora, intitulando-o de o seu “ano Rosa de Jericó”. Essa rosa é também chamada de flor-da-ressurreição por sua impressionante capacidade de "voltar à vida".
É então nesse ano, 1975, que em São Luís e em Guimarães várias homenagens deram lugar de destaque a essa escritora maranhense que passou considerável tempo em completa deslembrança, que vai dos últimos anos de sua existência a um século depois do lançamento das suas obras, momento em que foram marcadas pelo reconhecimento da crítica da época. Em relação às homenagens prestadas a ela em São Luís, destaco:
Foi lançado o livro de Morais Filho: Maria Firmina Fragmentos de uma vida; foi criado também um carimbo em sua homenagem, uma marca filatélica produzida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos com um detalhe digno de realce na parte inferior, representado por um grilhão de ferro rompido, como marca significativa da Campanha Abolicionista que Maria Firmina empreendeu durante toda a sua vida por meio, principalmente, da literatura, mas também por intermédio de outras vertentes da arte, como a música, pois compôs o Hino da Libertação dos escravos, além de toda a sua postura e ideologia pautar-se em ideias de uma sociedade mais justa; foi também confeccionado um busto com o empenho do Deputado Estadual, à época, Celso Coutinho, vimarense, e do Presidente da Assembleia Legislativa, Alexandre Colares Moreira, tendo o governador do Estado, Osvaldo da Costa Nunes Freire, inaugurado o busto da escritora na Praça do Panteon, em São Luís, e promovido a publicação da edição fac-similar do romance Úrsula, da autora. Foi criada, em sua homenagem, a Medalha de Honra ao Mérito, pela Prefeitura Municipal de São Luís, e ainda o Deputado Estadual, Celso Coutinho, propôs em 1975 o Projeto de Lei instituindo o dia 11 de outubro - dia de nascimento de Maria Firmina dos Reis - como Dia da Mulher Maranhense na Assembleia Legislativa, o qual foi aprovado em 1976.
No entanto, não tenho conhecimento de nenhuma alusão à comemoração desse dia por nenhuma instância governamental ou qualquer outra.
Vale ressaltar, porém, que pesquisas recentes demonstraram novos dados acerca da escritora e foram anunciadas por mim, em ocasiões diversas, como trabalhos, jornais e canais de televisão da capital maranhense, entre elas que o aniversário de Maria Firmina dos Reis é dia 11 de março. As divulgações referidas também apresentaram circunstâncias específicas de acesso a esses novos dados, os quais transcrevo a seguir:
Recentemente encontrei-me com a Profa. Mundinha Araújo, Doutora Honoris Causa pela Universidade Estadual do Maranhão, escritora, pesquisadora e militante do Movimento Negro, entre outros trabalhos de destaque. Na ocasião me mostrou anotações, conforme documentos coletados na APEM, que versavam sobre etnia, estrato socioeconômico e data de nascimento da escritora. Dirigi-me ao Arquivo Público para ter acesso aos documentos originais e coletar mais dados e, dentre os documentos pesquisados, selecionei os seguintes: Autos de Justificação do dia de nascimento de Maria Firmina dos Reis, datado de 25 de junho de 1847 (Câmara Eclesiástica/Episcopal, série 26, Caixa n. 114 -Documento-autos nº 4.171); Certidão de Justificação de Batismo (Fundo Arquidiocese - Certidão de Justificação de Maria Firmina dos Reis - Livro 298 – fl. 44v), Livro de Baptismo (Fundo Arquidiocese Batismo de Maria Firmina dos Reis, Livro 116- fl. 182) e Portaria de Nomeação (Fundo Secretaria do Governo, Série: Portarias de Nomeação, Licença e Demissões: (1839-1914), Livro 1.561 (1.844-1.851- fls. 55 e 55V), no qual constava a da professora de primeiras lettras do sexo feminino da Villa de Guimarães, Maria Firmina dos Reis.
O primeiro documento, Autos de Justificação do dia de nascimento de Maria Firmina dos Reis, datado de 25 de junho de 1847, Câmara Eclesiástica/Episcopal, série 26, Caixa n. 114 -Documento-autos nº 4.171, ano 1847 (12 fls. Frente e Verso), assim se inicia:
Diz Maria Firmina dos Reis, filha natural de Leonor Filippa dos Reis, que ela quer justificar por este Juiso que nasceo no dia 11 de Março do anno de 1822, e que só teve lugar o seu baptismo no dia 21 de Desembro de 1825 (grifo meu).
O processo inclui vários documentos. A petição de Justificação do dia de nascimento foi deferida no dia 14 de julho de 1847, sendo aceita então a data de nascimento requerida, a de 11 de março de 1822 (grifo meu).
Assim, neste ano de 2017, a Academia Ludovicense de Letras comemorou pela última vez o aniversário de Maria Firmina no dia 11 de outubro e foi anunciado nos jornais de São Luís, em anexo, e na própria comemoração, a mudança, tanto do dia do aniversário de Maria Firmina dos Reis, como do Dia da Mulher Maranhense, para 11 de março, a partir de 2018.
Para tal, a Presidente da ALL entrou em contato com a Assembleia Legislativa, por intermédio da advogada e escritora Fernanda Melo Matos Martins, Assessora do Deputado Eduardo Braide, para iniciar os procedimentos legais necessários à atualização da data. A solicitação da mudança, pela Presidente da ALL, foi iniciada por meio do OFÍCIO ALL Nº 021, datado de 16 de outubro de 2017, cujo teor diz respeito à fundamentação do pleito, com documentos comprobatórios anexados. Como não foi encontrado de imediato nos arquivos da Assembleia o Projeto de Lei e a própria Lei, foi necessária a colaboração de outras pessoas e setores para essa empreitada, como a do Diretor Geral da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, Bráulio Nunes Martins e da Coordenadora da Documentação e Registro - Diretora do Núcleo de Arquivo da Assembleia, Maria da Luz Ribeiro.
Por fim, foi localizado no Diário Oficial do dia 14 de junho de 1976, com a publicação da Lei Nº 3.754, de 27 de maio de 1976. Esse Ato do Poder Executivo assim determina:
ANO LXIX NUM. 112
Lei Nº 3754 de 27 de maio de 1976
Institui o Dia da Mulher Maranhense e dá outras providências.
O Governados do Estado do Maranhão. Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - Fica instituído o dia 11 (onze) de outubro como o dia da Mulher Maranhense.
Art. 2º - Esta Lei entrará em vigor, na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e a execução da presente Lei pertencerem que a cumpram e a façam cumprir tão inteiramente como nela se contém. O Exmo. Senhor Chefe do Gabinete Civil do Governador,a faça publicar, imprimir e correr.
Palácio do Governo do Estado do Maranhão, em São Luís, 27 de maio de 1976, 154º da Independência e 37ºda República.
OSVALDO DA COSTA NUNES FREIRE
AURÍLIO Vieira de Andrade
José Pires de Sabóia Filho
Prot. 3009 (grifo meu).
Dando continuidade ao processo de mudança da data de aniversário de Maria Firmina e, por extensão, do dia da Mulher Maranhense, novas etapas deveriam ser cumpridas, a saber: no dia 23 de outubro do ano em curso, foi enviada eletronicamente, por meio do Sistema de Apoio ao Processo Legislativo-SAPL, a proposição de alteração do art. 1º da Lei nº 3.754/1976, que institui o Dia da Mulher Maranhense, assinada pelo Deputado Eduardo Bride. No dia seguinte, 24 de outubro, foi publicado no Diário da Assembleia o Projeto de Lei n. 281/2017 que reza: Altera o art. 1º Lei nº 3.754 de 27 de maio de 1976, que institui o Dia da Mulher Maranhense, e dá outras providências. A seguir o Projeto passou por quatro sessões plenárias nos dias 24, 25, 26 e 30. Depois da quarta sessão, o processo foi para a Comissão de Constituição e Justiça- CCJ, e de lá para o Plenário, com mais duas sessões, e só então encaminhado ao Governador do Estado para ser sancionado por ele. Assim, finalmente, foi sancionada, pelo Governador do Maranhão Flavio Dino, a Lei nº 10.763 de 29 de dezembro de 2017, com a alteração do art. 1º, que trata da atualização do Dia da Mulher Maranhense para o dia 11 de março.
Por fim, neste ano de 2019 o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão - IHGM celebrou por meio de uma Sessão Comemorativa o Dia da Mulher Maranhense. Convidou a Biblioteca Pública Benedito Leite para prestar o apoio cultural ao evento, com base em duas motivações principais: pela importância própria da Biblioteca Pública Benedito Leite no cenário cultural brasileiro, por ser a segunda Biblioteca do Brasil, inaugurada em 3 de maio de 1831, contendo 1448 volumes, e por estar localizada no Complexo Deodoro e Pantheon Maranhense que expõe 18 bustos de intelectuais maranhenses e entre eles, o de Maria Firmina dos Reis, o único busto de mulher; e, também, porque foi nos “porões” da Biblioteca, hoje o subsolo, que Nascimento Morais Filho descobriu a rica produção de Maria Firmina dos Reis.
Diante disso, esperamos que a partir dessa iniciativa do IHGM outras comemorações a possam seguir. Que o dia da Mulher Maranhense possa ser convenientemente festejado no Estado do Maranhão, no dia 11 de março, aniversário de nascimento da Primeira Escritora Brasileira e grande Mestra Régia das Primeiras Letras da cidade de Guimarães.
Cabe ainda reafirmar que esse deve ser motivo de orgulho para todos os maranhenses e, em especial, para as mulheres e que seja do conhecimento geral que existe um Dia dedicado à Mulher Maranhense e que este foi instituído em homenagem a Maria Firmina dos Reis!
REFERÊNCIAS
ADLER, Dilercy Aragão. ELOGIO à PATRONA MARIA FIRMINA DOS REIS: ontem, uma maranhense, hoje, uma missão de amor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2014.
ADLER, Dilercy Aragão. A MULHER MARIA FIRMINA DOS REIS: uma maranhense, São Luís: Mimeo, 2017.
ADLER, Dilercy Aragão. MARIA FIRMINA DOS REIS: uma missão de amor, São Luís: ALL, 2017.
CRUZ, Arlete Nogueira da. Sal e Sol. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
GOMES, Antônio Agenor. Depoimento de Antônio Agenor Gomes para Dilercy Adler sobre o culto à memória de Maria Firmina dos Reis em Guimarães, São Luís :Mimeo, 2017.
LOBO, Luiza Leite Bruno. CRÍTICA sem JUÍZO. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
MORAIS FILHO, José Nascimento. MARIA FIRMINA FRAGMENTOS DE UMA VIDA. São Luiz: COCSN, 1975.
*Dilercy Aragão Adler. Nasceu em São Vicente Ferrer (MA). É Psicóloga, Doutora em Ciências Pedagógicas-ICCP/Cuba, Mestre em Educação. Publicou doze livros de Poesia, Três livros Acadêmicos, um Biográfico e um de História Infantil. Organizou doze Coletâneas Poéti- cas e tem participação em mais de cem antologias nacionais e interna- cionais. É Membro Fundador Academia Ludovicense de Letras- ALL. Titular da Cadeira Nº 1 do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão - IHGM. Membro fundadora da Academia Joanina de Letras e da Academia Maranhense de Trovas. Presidente Fundadora da Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão – SCLMA (1997 a 2016). Presidente da Sociedade de Cultura Latina do Brasil e Senadora da Cultura do Congresso da SCL do Brasil, Presidente do Capítulo Brasil da Academia Norteamericana de Literatura Moderna e Delegada no Maranhão do Liceo de Benidorm/Espanha entre outras.
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