segunda-feira, 5 de novembro de 2018

MARIANA LUZ, MUSA DA I FLIM



    

José Neres

            Nos últimos anos, tem sido comum o aparecimento de diversas agremiações culturais dedicadas ao cultivo das letras, da cultura e das artes em geral nos municípios de grande parte do Brasil. Há quem veja esse fenômeno com ar de desconfiança, acreditando que proliferação de academias interioranas demonstra o depauperamento da própria cultura com o constante massagear de egos de pessoas com produção intelectual praticamente desconhecida. Penso de forma diferente. 

            Acredito que o surgimento de instituições voltadas para a divulgação e conservação dos valores culturais de determinado município ou região seja algo salutar e que precisa ser estimulado, pois, quanto mais pessoas envolvidas com as artes e com as ciências em geral, melhor. Melhor para a comunidade, melhor para o presente, que passa a ser visto de modo mais crítico; melhor para o passado, que pode ser revisitado e revisto de forma mais detalhada; melhor também para as gerações futuras, que poderão conhecer e cultuar os valores de sua própria região.

            E foi uma dessas jovens academias que, na segunda metade deste décimo mês de 2018, mostrou que, com um pouco de esforço coletivo e com muita força de vontade, é possível disseminar leitura, artes e cultura para o povo em geral. Trata-se da AICLA – Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes, que realizou nos dias 19, 20 e 21 de outubro do corrente ano a I FLIM – Primeira Festa Literária de Itapecuru Mirim, tendo como tema geral o incentivo à leitura e preservação da memória.

            Durante três dias, a comunidade itapecuruense pôde aproveitar a presença de diversos nomes voltados para a cultura maranhense, dialogar com pessoas ilustres que contribuem para o desenvolvimento artístico e intelectual da região, acompanhar exposições, lançamentos de livros, assistir a palestras e discutir acerca de temas que variaram entre a poesia contemporânea e a preservação do meio ambiente. Mas no meio de toda essa movimentação cultural, um nome se destacava: Mariana Luz.

            Mariana Luz (1871-1960), filha de Itapecuru Mirim e uma das mais importantes escritoras do Maranhão, foi a homenageada principal dessa Festa Literária. Professora, poetisa, teatróloga, e fundadora da Cadeira 32, da Academia Maranhense de Letras, a escritora deixou seu nome eternizado nas letras de sua terra por causa de seu talento no trato com as palavras e pelo seu livro de poemas intitulado “Murmúrios”. Escritora talentosa que oscilava entre os temas ultrarromânticos, a forma parnasiana e as imagens simbolistas, Mariana Luz trazia em seus textos uma constante ênfase em temáticas como dor e morte, mas também escrevia sobre outros temas.

            Mesmo sem inovação na linguagem ou na técnica de escrita, os poemas de Mariana Luz encantam os leitores por sua forte carga de tensão humana entre os elementos que remetem à essência humana. O Bem e o Mal, o certo e o errado, as contradições inerentes ao Ser e as angústias que atormentam os indivíduos em todos os lugares e em todas as épocas sobrenadam nos versos da escritora itapecuruense, mas esses sentimentos e essas dúvidas não são tratados com pieguice ou com laivos de egocentrismos banal. Todos esses temas são trabalhados poeticamente com o olhar voltado para o universal, que une pessoas tão diferentes em situações aparentemente díspares, mas que são comuns a todos. Ou seja, ao ler a obra de Mariana Luz com atenção todas às pessoas tornam-se um pouco mais humanas e podem passar a compreender o Outro em uma atitude empática patrocinada por versos que mais mostram que escondem o cerne de um lado nosso que talvez seja desconhecido até para nós mesmos. Suas obras merecem ser lidas com atenção e cuidado, com cada página sendo saboreada com equilíbrio entre a emoção emanada pela beleza dos versos e atenção necessária para atingir a compreensão dos meandros de suas imagens poéticas e de suas sutis intervenções nos âmbitos das críticas sociais.

            A escolha do nome de Mariana Luz para patronear a I FLIM foi algo bastante acertado. Trata-se de um nome que merece ser divulgado e que tem muito a ensinar em suas obras, tanto em prosa quanto em verso e sobre quem ainda há pouquíssimos estudos e muito ainda a ser pesquisado. Recentemente, sua vida e sua obra têm sido revisitadas em trabalhos como os de Jucey Santana e de alguns estudantes de graduação e pós-graduação que escolheram a intelectual itapecuruense como fonte de estudo para seus trabalhos acadêmicos, o que é um bom começo e que pode render bons frutos em um futuro próximo.

            É necessário que haja um processo constante e progressivo de democratização do acesso a todas as manifestações artísticas, com a finalidade de retirar de cena a ideia de que só quem consome arte são as classes mais privilegiadas, tanto do ponto de vista econômico quanto do intelectual. De alguma forma, todos os seres humanos são capazes de apreciar obras de arte em seus diversos matizes e de sentirem prazer em conviver com as belezas produzidas por outros seres humanos. O surgimento de academias atuantes como a AICLA é muito importante para que nomes considerados locais – como o de Mariana Luz – possam ser estudados, divulgados e apresentados às novas gerações.
 







 Professor e Membro da Academia Maranhense de Letras -AML
 

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