sexta-feira, 17 de março de 2023

TIA GRACIETE CASSAS

      

À uma amiga especial

Graciete Cassas

 

*Luís Augusto Cassas

           Raras as flores raras. Mas não incomuns. Integram o jardim do humano. Cultivar e guardar a essência do ser. Transformam-se em cálices, oferendas ao céu e a terra. Não temem renunciar ao acessório para a vivência do essencial.

          Tia Graciete Cassas pertence a essa coleção de flores raras. Antologia, ontologia. A ternura fundamental. Coração aberto à pulsação do sentido, derramando-se ao outro, preenchendo-lhe o vazio.

        Conhecida pela comunidade itapecuruense como mãe de caridade. Que título de nobreza, poderia ser mais elevado?

         O sentido de missão pautou a aventura de sua vida. Jamais deveria ter entrado na política partidária. Era uma militante do ideal, franco-atiradora, o outro como aliado e impulsionador de sua busca sócio-espiritual. Deus não permitiu que se extraviasse, seduzida pelas tentações do poder.

      Geminiana, de 2 de junho, Itapecuru-Mirim. Uma das filhas do meu avô Felício Cassas e minha avó Lourdes, irmã da minha mãe Miriam. Uma tia e amiga querida, carinhosa, que gostava de se divertir e festas. Almoços em família. E os acepipes deliciosos de D. Tina, que tive o prazer de conhecer, em companhia de Zuzu Nahuz, em sua casa e de minha avó.

    Forte liderança feminina, temperamento jupiteriano, escudado na defesa dos assuntos dos mais humildes.

     Riso ensolarado, como a Irene, de Bandeira. Era feliz. A arte de conversar aproximou-a do mistério que lhe era inerente, a nutrição do outro. Devota de Nossa Senhora Aparecida, mãe de Márcia, Cynthia e Felicio. E de tantos filhos pelos quais desenvolveu a maternidade real e afetiva. O sofrimento do povo foi sua escola a serviço do coração.

        Que força interior processava e atualizava para combater o bom combate, contra o inimigo de todos: a fome, a pobreza, a desnutrição, a ignorância, com as armas que podia dispor? Também seu dom de partejar as mulheres que lhe necessitavam, fortaleceu-a no mistério do nascimento e renascimento. Deus era seu escudo e fortaleza. E o sentimento do mundo e a intuição prática os   instrumentadores desse ofício.

      Era uma conselheira da comunidade ouvida sobre quase todos os assuntos: de ajuda financeira a mediadora em conflitos de casais, com habilidade de encontrar desfechos felizes. Segundo sua biógrafa, a escritora Jucey Santana, “favoreceu muito a cultura local, ajudando a formação de grupos sociais, esportivos religiosos e filantrópicos. Foi uma das fundadoras com o seu esposo do Lions Club de Itapecuru Mirim, em 1981 e esteve diretamente ligada na fundação do Clube da Cidade, em 1961.”

    Sua prodigalidade, em sua meteorologia previsível, desfavoreceu-lhe os signos da materialidade, Escrivã que era do Cartório do 2º. Ofício, durante longos anos. Mas Deus encontrou a maneira de prover-lhe a segurança material de seus filhos e netos, após seu trânsito neste mundo.

     Foi uma mulher de ideais nobres que os realizou na dimensão da outridade. Obras escritas no coração. Escolhida como patrona da Cadeira 8, da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA – representada pelo poeta folclorista Moaciene Monteiro Lima.

       Que seu berço natal, Itapecuru Mirim, continue a plantar e colher as flores raras que ela, como tantos outros, com coragem e amor, fizeram florescer. Lembro de Rabindranath Tagore, indiano.  “Tu, jardineiro, tens com tua terra, teu céu.” Cultivar e guardar esse jardim imaterial é o desafio para homens e mulheres de sua cidade natal e pátria do eterno.

              Do livro, Púcaro Literário III – Protagonismo Feminino (2021), organizado por Jucey Santana e João Carlos Pimentel Cantanhede.

 

 


*Luís Augusto Cassas
(São Luís, MA, 2/3/1953). Poeta e escritor, sobrinho de Graciete, filho de Miriam e Raimundo Araújo Neto, neto de Felício e Lourdes Cassas. Obra poética: República dos Becos; A paixão segundo Alcântara e novos poemas; Rosebud; O retorno da aura; Liturgia da paixão; Ópera barroca; O shopping de Deus & a a alma do negócio; Titanic – Boulogne: a canção de Ana e Antônio; Bhagavad-Brita: a canção do beco; Deus mix: salmos energéticos de açaí com guaraná e cassis; O vampiro da Praia Grande; Em nome do Trópico de Câncer; A mulher que matou Ana Paula Usher: história de uma paixão; O filho pródigo: um poema de luz e sombra; Bacuri-sushi: a estética do calor; A ceia sagrada de Míriam; O livro – Livro I, O sentido (relatos da fumaça do incenso), Livro II, o paraíso reencontrado;   Evangelho dos Peixes para a Ceia de Aquário; e Paralelo 17.

 

 

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