quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

ANA JÚLIA

 Jucey Santana

          Chamam-me imortal porque faço parte da Academia Itapecuruense de Ciências Letras e Artes, mas na realidade sou uma simples mortal e não estaria hoje contando histórias  de ilustres itapecuruenses  não fosse pela  intervenção de uma nobre filha da terra. Passo aqui a relatar o fato: Quando pequena, talvez com três ou quatro anos, isto não me lembro... Morávamos na Rua do Egito, atual Coronel Catão. Minha irmã Jacira desceu ao rio para lavar roupas e nadar e eu a acompanhei. Enquanto minha irmã nadava com as amigas eu certamente quis segui-las, caindo no rio sem que ninguém visse. As lavadeiras sentiram minha falta e uma delas perguntou: Onde está a menina de dona Margarida?

          Esta senhora que sentiu a minha falta ao lado da tábua de lavar, me localizou rio abaixo subindo e descendo ao sabor da correnteza. Então, corajosamente nadou e me resgatou no meio do rio.  Depois de muito vomitar eu fui considerada salva do afogamento, graças a ela. Houve um alvoroço em toda a beira-rio e vizinhança.  Minha mãe, em agradecimento, a partir de então, me obrigou a chamá-la de mãe. Daí para frente, já me lembro...  Tinha muita vergonha de chamar aquela lavadeira de mãe. Eu a achava  feia e pescoçuda. E ainda por cima ela vendia bolos e chocolates nos festejos da igreja. Minha mãe me obrigava a tomar a bênção na frente de todo mundo.  Depois da bênção e afagos eu ganhava invariavelmente, o seu famoso  chocolate, fumegante, que me queimava a boca. Para falar a verdade, nunca gostei de chocolates. E ela toda satisfeita com aquela filha especial, que não se cansava de contar a história do rio, para minha aflição juvenil!  Eu fazia tudo para não encontrá-la. Nunca me importei de saber seu nome.

          O tempo passou e não esqueci o episódio. Tempos atrás resolvi buscar informações sobre a minha salvadora. Então, soube tratar-se de Ana Júlia. Gostaria de tê-la conhecido para poder  abraça-la e me desculpar por ter sido uma filha  ingrata!

          Ana Júlia Silva Corrêa nasceu em Itapecuru Mirim, em 1899. Era filha de Benedito Antônio Corrêa e Cândida Flora Corrêa. O seu pai era conhecido por Benedito Laranjeira por ser oriundo da localidade Engenho das Laranjeiras ou porto das Laranjeiras propriedade da família Bandeira de Melo, atual Assentamento Conceição Rosa. Teve três filhos: Maria das Dores, e os músicos Luís Venâncio e Manoel, o Manoca.

          Ana Júlia sempre foi benquista, hospitaleira e popular em Itapecuru-Mirim. Ninguém saia de sua casa sem fazer uma refeição ou pelo menos um lanche. Muito católica, organizava dois grandes festejos por ano, em sua casa, auxiliada pelos filhos, netos e a comunidade que assumiam compromissos como “noitantes”, que eram os responsáveis pelas noites. Em janeiro era a Festa de São Sebastião e em junho  celebrava o Sagrado Coração de Jesus. Por ocasião das novenas as   ladainhas e ofício de Nossa Senhora eram cantados em latim. As festas eram bastante concorridas com farta distribuição de bolos, chocolates e variados doces.

          Ana Júlia também foi caixeira do Divino, na Festa do Divino Espírito Santo, organizada por Raimundo Veras, e nos diversos festejos  das comunidades rurais.

           Ela  foi doceira e quituteira  renomada. Nos festejos realizados pela Paróquia, como de Nossa Senhora das Dores, São Benedito, Divino Espírito Santo e Festa da Cruz, Ana Júlia era presença certa com sua banca de venda de bolos e doces. Por muitos anos foi lavadeira no rio Itapecuru, juntamente com Nhaju, Janoca, Quita, Eliosina, Mariana Serra, Maria do Cabelão e outras, para  famílias abastadas, em época que não havia água encanada.

          Como parteira, ajudou muitos conterraneozinhos a virem ao mundo. Em 1973 participou do curso de aperfeiçoamento de parteiras leigas, ministrado pelo médico José Curtius Carneiro e o auxiliava no posto médico da cidade.  Atendia a qualquer momento, quer na área urbana quer na zona rural, em locais de difíceis acessos, com atoleiros, sem estrada e sem luz elétrica para socorrer uma parturiente que  precisasse de ajuda.

          Ana Júlia aposentou-se pelo antigo Funrural no início dos anos 80 e faleceu em 8 de janeiro de 1992 aos 93 anos.  Tenho muito orgulho de ter tido aquela nobre mãe!

 

   Do livro, Itapecuruenses Notáveis (2016), de Jucey Santana

                      

 

 

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