sábado, 22 de fevereiro de 2025

HEMETÉRIO LEITÃO


                                            Um Pioneiro


Jucey Santana

                    

 Ouvi falar, pela primeira vez, do poeta Hemetério Leitão em 2013, quando coletava dados para escrever sobre Mariana Luz. Ao visitar o quase centenário Jamil Mubarack, nascido em 4 de dezembro de 1923 e dono de uma memória prodigiosa, para falar da minha biografada, a poetisa itapecuruense, o veterano comerciante, entre uma venda e outra de cigarro, fósforo, anzol... tudo “a retalho”, me mostrou um caderno com preciosas relíquias, em forma de poemas de autores entre os quais:  Mariana Luz, Nascimento Araújo, Natinho Ferraz e... Hemetério Leitão. Não dei muita importância ao último, mas ele fez questão de declamar, com os olhos marejados de emoção, alguns dos seus textos, retendo em minha memória,  “Dolor”, para homenagear o poeta caxiense Vespasiano Ramos, falecido em 1916. 

 O que me despertou a curiosidade, não por Hemetério,      que não o conhecia,  mas pelo poeta do “Cousa Alguma”, patrono da cadeira 32, da Academia Maranhense de Letras, fundada pela minha biografada,  Mariana Luz, em 1948.

                    Anos depois, em 2019, na formação da Academia de Letras da região do Iguará, quando os futuros membros fundadores escolhiam seus patronos, o Promotor Público, Benedito Coroba solicitou a cadeira número, sete, patroneada por Hemetério Leitão, porque, segundo ele, passou a admirar o poeta vargem-grandense desde 1989, quando na função de advogado foi defender uma senhora em um júri em Vargem Grande. Ao se preparar para o julgamento, em conversa com o professor itapecuruense João Silveira, este  lhe apresentou um poema de Hemetério Leitão ao tempo que falou maravilhas do jovem poeta. O texto foi declamado na abertura do júri e sua defesa oral foi baseada no poema, o que deixou os jurados emocionados. Anos depois, em 2004, ao ser designado Promotor Público da comarca de Vargem Grande,  em seu  discurso, relembrou aquele poema que muito o tinha impressionado e a partir de então, durante os 14 anos que serviu a comarca, sempre honrou o nome de Hemetério Leitão, enaltecendo-o em suas falas, por sua  inteligência ímpar, orgulho para os iguaraenses.

                    Resolvemos então, eu e Benedito Coroba, buscar os dados do renomado poeta iguaraense, do início do século XX, que estava completamente apagados, nos meios literários e dos seus conterrâneos, como forma de reconhecimento do seu mérito.

O estudante Hemetério Leitão

              Hemetério de Araújo Leitão, o inditoso poeta, jornalista e professor, nasceu em 1895, em Vargem Grande do Iguará, Estado do Maranhão. Era filho do militar, fazendeiro e político o tenente-coronel Pedro Paulo Leitão e da professora, Emidia de Araújo Leitão.

             Como político, Pedro Paulo Leitão, elegeu-se vereador em dois mandatos, foi eleito Intendente Municipal para o período de 1918 a 1922, e novamente eleito a presidente da Câmara Municipal de Vargem Grande, em 1925. Em 1934, fundou o diretório do partido PSD em Vargem Grande e foi seu presidente. Foi um político atuante na região.

                 Era um militar rígido que chegando a ser nomeado promotor público de Vargem Grande. Teve dois filhos, o primeiro, Raimundo de Araújo Leitão, seguiu os passos do pai, ingressando na vida militar, tendo recebido todas as patentes da caserna; já o segundo, Hemetério, o pai queria fazê-lo bacharel em direito, por ser muito estudioso porém o jovem era mais inclinado a poetar, nas escolas  e pelas ruas de sua cidade.

                    Foi curta, mas, brilhante a existência de Hemetério. De compleição franzina e aspecto doentio, em novembro de 1909 o pai o encaminhou aos exames do Liceu Maranhense, na capital, para cursar Humanidades, tendo sido aprovado com distinção.

                    Ao chegar em São Luís, inesperadamente, se integrou ao meio litero-cultural, mostrando inteligência no trato com as letras e sutilezas da arte e da beleza, passando a se atrelar aos grupos dos jovens poetas da época, a declamar suas criações em praças públicas e saraus, se desiludindo da carreira de advogado, para o desgosto do pai.

             O jovem liceista resolveu migrar para o curso Normal em 1911, tendo recebido o diploma de professor normalista em 4 de dezembro de 1914, cheio de ideais para cultivar inteligências e formar jovens para servir e engrandecer a pátria. Antes mesmo de formar-se já praticava o ensino na capital em escolas particulares por indicação de seus mestres e inúmeros amigos.

                    Durante toda a sua vida escolar, frequentemente se deslocava para Vargem Grande, em tratamento de saúde para recobrar as forças de uma enfermidade que o acompanhava desde a infância.

                    Em 28 de abril de 1915, quatro meses depois de formado professor, foi nomeado pelo governo do Estado para ser diretor do Instituto Benedito Leite, Externato Estadual do município de Caxias (MA).

                    Segundo o jornalista e discípulo de Leitão, José Neves de Jesus, Hemetério era: “raquítico, franzino, baixo, moreno, amigo sincero e grande incentivador do cérebro dos que lhe rodeavam. Era um homem bom!”

Talento Literário e profissional

                    Juntou-se a um grupo de rapazes que cultivava boas letras, seguindo os passos de Antônio Lobo, Antonio Lopes, Nascimento de Morais, Ulpiano Brandão, Leslie Tavares e tantos outros gigantes da intelectualidade que fervilhavam na capital, com o estímulo da recente fundação da Academia Maranhense de Letras (1908) e a instalação de muitas corporações literárias ainda no bojo do fenômeno maranhense que ganhou o honroso título de “Atenas Brasileira” no cenário brasileiro, Hemetério Leitão,  se sentia feliz.

                    Apesar da boemia que envolvia os jovens poetas, Hemetério era sempre considerado líder nos seus meios. Esses rapazes mantinham grêmios literários onde se reuniam e discutiam assuntos que até ultrapassavam as suas possibilidades intelectuais, por serem curiosos.

                    Segundo o escritor e amigo, Crizóstomo de Souza, fundador da corporação literária de jovens ludovicenses “Távola do Bom Humor”, no livro inédito Páginas da Saudade confirmava: Talvez por isso os clubes literários, que fundávamos, tornavam-se centros divertidos de parolagem dessa galunchada compenetrada e inteligente que, hoje, está triunfante uma geração brilhantíssima que tinha a representá-las, em todos os setores de atividade, homens cultos e ilustres pela glória dos seus feitos, como Hemetério Leitão. Quem desejasse castigá-lo, era só dar-lhe cinco minutos de silêncio. Mas se o deixasse  falar uns três minutos,  pelo menos, a sua verborragia sacudiria montanhas!...

                    Hemetério Leitão pertencia a essa geração luminosa e, embora tendo falecido tão cedo, deixou o exemplo de uma inteligência pertinaz e rebrilhante e de um caráter íntegro.

                 O seu aspecto era de um boêmio elegante, tanto no trajar, como nas atitudes: baixo, atarracado, a cabeleira encaracolada e lustrosa, bem penteada, olhos vivos, de uns claros tons azuis. Hemetério irradiava simpatia pela sua afabilidade, sorriso cativante e ruidoso.

                    Tinha a preocupação constante da forma. Compunha um soneto, lia-o em voz alta, a passos largos, num vai-e-vem,  no seu quarto de pensão. Muitas vezes saía com a produção no bolso, ia ao Largo do Carmo, reunia-se aos rapazes à sombra de uma árvore e lia em voz alta para todos. Era um apaixonado pela poética!

 Hemetério era um espírito vibrante, de sensibilidade artística, pelo seu temperamento ardente de sertanejo. Todas as paisagens de sua terra viviam nos seus versos cristalinos com esse suave encanto e o sabor dos frutos sazonados. Jamais foi um melancólico de amores platônicos ou discussões líricas, mas um amável cantor de coisas sérias.

Em de fevereiro de 1917, foi promovido, pelo Governo do Estado, a Inspetor Escolar, com abrangência a Chapadinha, Vargem Grande, Brejo, Itapecuru Mirim, Caxias, Codó e Coroatá.

                 Pelo seu talento dinâmico e sua cultura enciclopédica, naquela época, por volta de 1910 a 1918, quando morreu, era um chefe incontestável dos movimentos literários maranhenses.

Hemetério, o Jornalísta

                    Quando entrou no Liceu Maranhense, em 1909, aos 14 anos, ingressou na União Estudantil Literária Silvio Romero, que reunia a elite dos poetas maranhenses, entre estudantes e professores. Depois de migrar para a Escola Normal, continuou na União, chegando à diretoria.

Em 6 de março de 1910, aos 15 anos, foi eleito para o quadro efetivo do Congresso Literário Maranhense, passando imediatamente a colaborar com a Revista Anais, do Congresso. A revista era literária e bimestral. Em 14 de maio de 1911, foi eleito para a diretoria do renomado Congresso, pela assiduidade e produção literária. Também fez parte da Renascença Literária e foi colaborador da revista, A Renascença, desde o primeiro número, em 1º de janeiro de 1910.

                      A partir de 1910, foi colaborador contumaz de importantes jornais como, A Pacotilha e o Jornal da Tarde, este último, chegou a fazer parte do seu expediente. Foi também colaborador do Jornal do Comercio de Caxias, de 1915 a 1918. Em 1917, convocado foi  para fazer parte da segunda fase da Oficina dos Novos, com colaboração no jornal da instituição literária, Os Novos.

                 Foi um dos fundadores do semanário O Bloco, em 1º de novembro de 1916, em Caxias, juntamente com Cramwell de Carvalho e Hugo Bitencourt, ambos advogados e poetas.

                    O poeta era um sonhador. Sofria, sem a revolta exterior dos impulsivos, mas resignado como um mártir, sufocando a própria dor!

                 Quando estava tudo bem, o tempo a integrá-lo na sua nobre profissão de professor, piora seu estado de saúde, já fragilizada pela terrível “Peste Branca” e, abruptamente, o mal se lhe agrava e o poeta, dentro em pouco, agoniza e morre serenamente, ainda nos verdes anos. Não chegou a casar-se, apesar de ter tido muitas namoradas, mas não teve tempo para um enlace matrimonial, morreu aos 23 anos de idade, em a 29 de abril de 1918.

Hemetério Leitão é homenageado com nome de rua, no bairro de São Francisco, na capital do Estado, São Luís e em sua cidade natal, Vargem Grande (MA).

                                     O IGUARÁ

Inverno, água a cair do espaço enegrecido,

Enchendo os boqueirões,

chicoteando a floresta,

Toda em festa verde.

  (O verde difundido

Dá mais beleza à flora esplêndida e modesta).

 

O rio, que ficara há muito adormecido,

Como enorme serpente em reparável sesta,

Acordou, fez ouvir ao longe o seu bramido,

Entre o ervaçal em flor e as árvores em festa.

 

O Iguará! Quem o viu, triste, de leito enxuto,  

Ontem, agora o vê, num gigantesco assomo,

E sente que é prazer aquilo que era luto.

 

Eu também tinha em mim um coração vazio,

Que hoje pulsa de amor, convulsionado, como, 

Revolto, a água a correr no leito deste rio!

                              VAIDADE DAS VAIDADES

 

Sete palmos, à enxada abertos no chão duro...

A boca de uma cova, hedionda, escancarada...

Eis o palácio real, leito frio e escuro,

– Ponto final da vida e símbolo do Nada.

 Nesta paz tumular, o puro é igual ao impuro,

 

O mísero plebeu à testa coroada...

  A cova tanto abriga o sábio como o obscuro,

  Caídos no fragor desta eterna Cruzada.

 

Também hás de descer à paz que há sob as coisas.

Aqui, só se ouve o chiar de ave triste e agoureira 

E perpassa, sutil, a alma errante das coisas.

 

Depois... que restará das vaidades, querida? 

 Uma carcaça imunda... ossos... uma caveira, 

 Um sorriso mordaz, a escarnecer da Vida!

                                     ARREPENDIDA

 Eu te chamei num verso - Estrela da Alvorada,

Da estética na forma, artista e sonhador;

E tu balbuciaste certo mau humor:

“Não quero ser estrela, a estrela é desolada”.

 Num doce madrigal, num canto de amor,

Eu te chamei também – Camélia descorada,

 Bem juntinho de mim,

vivendo descuidada.

E achaste o verso lindo,

e foste aquela flor...

 

Havia um certo chic, um que de donairoso,

    Romântico, ideal, poético, formoso,

   Em ser aquela flor palidamente bela...

 

Mas hoje que tu vês que vou cindir os mares,

Que vais seguir-me a estrela errante pelos ares,

Tu te arrependes, flor... e queres ser estrela!

                                                     DOLOR

 Declamado na morte do caxiense Vespasiano Ramos, em 1916, patrono da cad. 32 da Academia Maranhense de Letras,

 

                   Amou..., sofreu... cantou na lira do ouro, 

                   Que o céu lhe deu, 

 

o Amor e o Sofrimento

 - Lira que era o seu fúlgido tesouro,

 - Amor que era o seu único tormento!

 

                     Morreu... mas os seus versos ficarão, 

 Cheios do mesmo grande intenso brilho,

  Princesa do Sertão, chora teu filho!

 

                                O REGRESSO

                      Ficara, a orar por mim, na minha terra

E pressuroso e sôfrego busquei-a, 

Ai coração: coitado de quem erra,

 Sem lar e sem carinho, em terra alheia!

 

                      Hoje, dela bem perto, a alma desterra,

                      As mágoas todas de que andava cheia

                      Em vez do pranto, que a tristeza encerra,

                       Santa alegria dentro de mim gorjeia.

 

                      Dá-me bênçãos, num supremo abraço, 

                      E posso, enfim, depois de tanta lida,

 Adormecer feliz no seu regaço.

                      Mãe! Abençoa as sendas em que trilho! 

  Deus te de bênçãos para toda vida, 

  Para cobrir os passos de teu filho!

                                     Do Livro o Iguaraense, ((2020), organizado por Jucey Santana

                       


 

 

 

                                             

 


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