MARIANA
LUZ’S POETICS
Gabriela de Santana Oliveira – Graduanda em Letras
UFMA
Rafael Campos Quevedo – Prof. Dr. Letras UFMA
Resumo:
O presente estudo faz uma análise crítica da criação poética da autora
maranhense Mariana Luz. A poetisa e professora de Itapecuru Mirim tornou-se em
1948 a segunda mulher e primeira negra a ocupar um lugar na Academia Maranhense
de Letras. O objetivo deste trabalho é, através de uma análise criteriosa da poesia
de Mariana Luz, tendo como base autores consagrados da Teoria Literária como
Segismundo Spina, Ernest Curtius, Alfredo Bosi, Afrânio Coutinho, Massaud
Moisés e outros, apontar o estilo literário da poetisa maranhense, demonstrando
sua estética, sua subjetividade, as temáticas mais visitadas, e destacar, desta
maneira, uma obra que merece ser conhecida e valorizada tanto por seu teor
estético quanto por seu valor de resgate da história e da memória social. O
presente trabalho não abordará questões bibliográficas sobre a autora, tampouco
pretende estudar toda sua obra que inclui poesia, dramaturgia, crônicas,
orações, cantos litúrgicos. Tendo como corpus
de estudo somente a poesia de Mariana Luz, encontrada no livro de Jucey Santana
(2014), Mariana Luz vida e obra, e em
jornais e revistas da época e nos manuscritos da autora, este trabalho
certamente contribuirá para a cultura, a literatura e a memória maranhenses.
Palavras-Chave:
Mariana Luz. Poesia. Crítica.
Estética. Literatura Maranhense.
Abstract:
This study
presents a critical analysis of the poetic work of the Maranhão-based poet
Mariana Luz. The poet and teacher from Itapecuru Mirim became, in 1948, the
second woman and the first black woman to have a position on Maranhão’s Literature
Academy. The aim of this work is, through a precise analysis of Mariana Luz’s
poetry, based on acknowledged Literary Theory authors, such as Segismundo
Spina, Ernst Curtius, Alfredo Bosi, Afrânio Coutinho, Massaud Moisés and
others, to point out the poet’s literary
style, demonstrating her aesthetics, subjectivity, and recurrent topics, and,
lastly, to highlight a piece of work which deserves to be known and valued not
only for its aesthetic content, but for its history and social memory
retrieval. This study will not approach bibliographical features or cover the
entire work of the author, which includes poetry, drama, chronicles, prayers,
and liturgical chants. Having as the study corpus only Mariana Luz’s poetry, on
Jucey Santana’s book, Mariana Luz vida e
obra (2014), on newspapers and
magazines from that period, and on the author’s handwritten texts, this work
will certainly contribute to Maranhão’s culture, literature and memory.
Keywords: Mariana Luz. Poetry. Critic. Aesthetics. Maranhão’s
Literature.
INTRODUÇÃO
“Quando eu morrer quero ficar”
Mário de Andrade
“Uma
obra de arte é boa quando surge de uma necessidade”, assim afirma Rainer Maria
Rilke ao escrever a um jovem aspirante a poeta, na obra Cartas a um jovem poeta. Para Rilke, aquele que deseja torna-se um
escritor deve perguntar-se: preciso escrever? Em caso afirmativo, deve buscar
em seu próprio cotidiano, pensamentos e lembranças, no ambiente que o cerca a
inspiração e assim “dizer o que vê e vivencia e ama e perde. ” (Rilke, 2007, p.25-26).
Mariana Luz certamente foi uma dessas pessoas dotadas de grande sensibilidade
que o poeta alemão descreve, uma pessoa capaz de voltar-se para dentro de si e
desse mergulho extrair bons versos.
Em
um dos momentos mais marcantes da trajetória da poetisa, sua posse na Academia
Maranhense de Letras, ela declara;
A
doce convivência que tenho tido com as musas, só vem mais do meu espírito
contemplativo, da necessidade de verter
em rimas (por ser a modalidade que mais me convém ao temperamento) os
anseios, os pensamentos, as reações que me vem do coração, originadas, talvez
pelo ambiente calmo e nostálgico do meu torrão natal, da sua vida para mim tão
bela, na sua encantadora simplicidade, tão propícia, assim, aos devaneios
espirituais e a meditação, do que propriamente ao cultivo das letras. (Luz,
1949 apud Santana, 2014, p.112, grifo nosso)
Em
entrevista concedida, na ocasião da sua posse, ao Jornal O Imparcial, publicada
em 10/05/1949, a poetisa revelou que escreveu seus primeiros versos (perdidos)
aos 11 anos quando na falta de uma flor para presentear a mãe, escreveu-lhe
duas quadrinhas. Tendo sido repreendida pelo pai, jurou nunca mais fazer
versos, mas logo quebrou a promessa e aos 15 anos voltou a escrevê-los. Ela
ainda externou suas preferências literárias, seu grande apreço por Castro
Alves, por Cruz e Souza e pelo Simbolismo e disse: “quanto aos poetas
estrangeiros, eu prefiro...os poetas brasileiros”;
Em
seu discurso Mariana afirma acreditar que a poesia é um sentimento que habita
em todos, mais profundamente em alguns que em outros e por isso, todos, são
poetas em potencial. Ela revela o modelo de sua arte, fruto da combinação da
inspiração com a diligência acurada, presente nos versos do poema “A um poeta” de
Olavo Bilac, publicado em 1919;
Mas
que na forma se disfarce o emprego
Do
esforço; e a trama viva se construa
De
tal modo, que a imagem fique nua,
Rica
mas sóbria, como um templo grego.
Não
se mostre na fábrica o suplício
Do
mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem
lembrar os andaimes do edifício:
Na
segunda edição do único livro publicado de Mariana Luz, Murmúrios, José de Jesus Moraes Rêgo, tecendo uma dura crítica à
crítica literária maranhense, apresenta suas impressões sobre a poesia de
Mariana e destaca que não tece conclusões, mas procura abrir veredas.
Reconhecendo e lamentado não conhecer toda a criação da poetisa, por isso mesmo
admite que seus comentários não constituem um estudo meticuloso, Moraes Rêgo
afirma;
Acreditamos,
com CROCE, que a arte nasce da plenitude do espírito e a poetisa referida
ilustra tal conceito, apesar do íntimo, do eu voltado para si própria, que seus
angustiosos sonetos exprimem, e não do “eu social”. Deles sobressaem um
sofrimento simbolista, destacado por palavras conceituais demasiadamente
repetidas. O que dificulta uma rígida especulação da forma.
Diverge,
em demasia, a poesia da sra. Mariana da Luz – referimo-nos a este livro –
daquela de alguns poetas mais preocupados com ideologias do que consigo e sua
mensagem. Acreditamos ser um dado positivo para a poetisa. Existe um quê, em
busca da arte pura, nos seus poemas – aquela poética alicerçada num individualismo.
É o bom individualismo responsável pelos valores eternos da literatura. (Luz,
1990, p. 8-9)
A
produção de Mariana é variada, inclui poesia, crônicas, hinos e cantos
litúrgicos, uma grande produção de orações a santos de sua devoção e dramaturgia,
oito comédias segundo a própria autora cita em uma entrevista (jornal O
Imparcial, 1949), embora, infelizmente, só se tenha o registro de uma peça
teatral no livro de Santana (2014) que fez um importante resgate da obra de
Mariana. Sua obra passeia sobre diversos temas, desde religiosidade, natureza,
peças de caráter moralizante, sentimentos melancólicos, amor e dor.
Sendo
a poesia a arte que busca sempre a aliança perfeita entre o como e o que é dito,
em contato com os versos de Mariana, o leitor experimenta a subjetividade da
artista. Segundo Crysósthomo de Souza “Mariana Luz é uma poetisa de apreciável
estro. Suas produções revestem-se de encantador lirismo, de uma suave
musicalidade, em movimentos de cores e de luz. Tem a forma escorreita em altas
vibrações cromáticas. ” (Santana, 2014, p. 128)
O
presente trabalho ocupar-se-á da poesia de Mariana Luz, ficando os demais
trabalhos da poetisa, como crônicas e peças teatrais, para futuros estudos.
Serão analisados tanto os poemas contidos no livro Murmúrios (1990) quanto os demais, publicados em diversos jornais e
revistas da época e reunidos posteriormente pela escritora Jucey Santana em seu
livro Marianna Luz – vida e obra e coisas
de Itapecuru-Mirim (2014), além de outros inéditos encontrados após a
publicação do referido livro.
2
- MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Segundo
Crysósthomo de Souza, a produção literária de Mariana Luz pode ser dividida em
dois períodos, o primeiro de 1890 a 1910, fase mais produtiva e o segundo,
depois da morte do pai, quando a poetisa se dedicou mais ao magistério na busca
de seu próprio sustento.
A
segunda metade do século XIX e o início do século XX representam uma época de
profundas mudanças no cenário nacional e de produção cultural da maior
relevância para as artes no Brasil.
O
século XIX é uma grande encruzilhada de correntes literárias. O Romantismo não
terminou e já se fazem notar os traços do Realismo. Por outro lado, o
Simbolismo, filho do Romantismo, surge em um processo de evolução literária.
Mais do que nunca, nesse período, se dá o embate entre o Classicismo e o
Romantismo, entre a objetividade e a subjetividade. (Coutinho, 1986, p.5)
A
oscilação dessas correntes literárias pode ser percebida na obra de muitos
escritores brasileiros, que iniciaram sua formação no Romantismo e migraram
posteriormente para o Realismo ou Naturalismo. Essa mistura também está
presente na poesia, muitos parnasianos mostram-se fiéis a formas românticas ou
avançam pelo Simbolismo. Essa ebulição pela qual passa a literatura nacional nesse
período é o que forma a poetisa Mariana Luz, que tanto em forma quanto em
temas, mescla em sua obra influências do Romantismo, Parnasianismo e Simbolismo.
2.1
- PARNASIANISMO
No
culto à forma, no ideal de impessoalidade e na objetividade no trato dos temas
surge a poesia parnasiana, caraterizada pelo gosto da descrição, pela exatidão
e economia de imagens e metáforas e pelo tradicionalismo sobre metro, ritmo e
rima. É o período da arte pela arte. O Parnasianismo no Brasil penetrou muito
além dos seus limites cronológicos, caminhou lado a lado com o Simbolismo e até
mesmo com o Modernismo, sobre isso diz Otto Maria Carpeaux: “O Neoparnasianismo
é fenômeno particular da literatura brasileira. Aqui e só aqui fracassou o
Simbolismo; e por isso, o movimento poético precedente sobreviveu, quando já
estava extinto em toda parte do mundo”. (Carpeaux apud Bosi, 2006, p.234)
Deste
período podem-se observar pontos convergentes na produção de diversos poetas
que configuram as características principais do Parnasianismo, algumas
destacadas abaixo:
-
Poemas parnasianos podem falar de sentimentos e estados de espírito, mas sem o
sentimentalismo romântico.
-
Uso do verso alexandrino de tipo francês, junção de dois hexassílabos, dos
quais o primeiro agudo, ou, no caso de ser grave, com sinalefa obrigatória na
7ª sílaba.
-
Uso do verso decassílabo.
-
Uso da sinérese e da sinalefa e aversão ao hiato.
-
Preocupação com a rima rica ou rara, combinando categorias gramaticais
diferentes.
-
Preferência por sonetos.
A
grande maioria dos poemas de Mariana Luz é apresentada na forma de sonetos. O
poema “Morta” é um bom exemplar das influências parnasianas da obra da poetisa.
Pode-se fazer um paralelo deste poema com “Cadáver de virgem”, poema parnasiano
de Luís Delfino dos Santos (1834–1910).
Morta
Ei-la
sem vida, imóvel sobre o leito
Rosa
murchada ao despontar do dia
Entre
flores, a rir, ela vivia
Essa
que é hoje um sonho, em pó desfeito.
Seu
coração, outrora satisfeito,
As
delícias do amor louco fruia.
Ontem,
inda a existência lhe sorria
Hoje,
sem vida imóvel sobre o leito.
E
pálida, ali dorme essa criança
Na
boca o riso da última esperança
Nas
meigas faces descoradas rosas...
Flor
entreabrindo-se ao romper da aurora
Que
ao ardente tufão treme, descora
E
murcha, enfim, as pétalas mimosas.
Cadáver
de virgem
Estava
no caixão como num leito,
Palidamente
fria e adormecida;
As
mãos cruzadas sobre o casto peito,
E
em cada olhar sem luz um sol sem vida.
Pés
atados com fita em nó perfeito,
De
roupas alvas de cetim vestida,
O
torso duro, rígido, direito,
A
face calma, lânguida, abatida...
O
diadema das virgens sobre a testa,
Níveo
lírio entre as mãos, toda enfeitada,
Mas
como noiva que cansou da festa...
Por
seis cavalos brancos arrancada,
Onde
vais tu dormir a longa sesta
Na
mole cama em que te vi deitada?
O poema “Morta” apresenta dois elementos
muitas vezes revisitados pela poetisa, a morte e as flores. O segundo verso da
primeira estrofe e o primeiro verso da última apresentam um paralelismo
semântico e uma metáfora delicada, o que demonstra o cuidado da artista no
trato com as palavras. Neste poema ela utiliza um vocabulário rico, porém
sóbrio, sem o excesso de adjetivos presentes em outros poemas seus, os versos são
decassílabos, a poetisa também utiliza o recurso da crase para o encurtamento
do primeiro verso da terceira estrofe em pálida, ali. As rimas são
caprichosamente selecionadas, com a utilização de rimas ricas como em
leito/desfeito (substantivo/adjetivo), em dia/vivia (substantivo/verbo), em
satisfeito/leito (adjetivo/substantivo) e em aurora/descora
(substantivo/verbo).
Em outros poemas nota-se também a
influência parnasiana na obra da poetisa, sonetos bastante descritivos, alguns chegando
mesmo a configurar-se quase como uma pintura ou fotografia de uma cena,
principalmente da natureza que a cercava e encantava, como em; “Aquarela”, “Murmúrios”, “Cromo” e
outros.
Ao
lado de Raimundo Correa (1859–1911), poeta maranhense, reconhecidamente um dos
grandes representantes da poesia parnasiana nacional, sensível com sua poesia
de sombras, luares e traços pessimistas e também de Coelho Neto (1864-1934),
grande romancista maranhense, representante do Naturalismo e amigo sincero de
Mariana Luz, ela também deixou sua marca e sua colaboração para a Literatura
Maranhense, tendo sido bem recebida na época tanto pelo público e quanto pela
crítica e hoje injustamente esquecida.
2.2
- SIMBOLISMO
Ao
longo da década de 1890 desenvolveu-se na França um movimento estético chamado
Decadentista que cultivava uma poesia de sugestão e musicalidade, não-objetiva
e não-descritiva. Com o passar do tempo esse termo foi substituído por Simbolismo.
O Simbolismo buscava uma estética baseada no subjetivo, no pessoal, na sugestão
e no vago, no misterioso e ilógico, na expressão indireta e simbólica.
(Coutinho, 1986, p.319-320)
O
surgimento do Simbolismo não afastou a influência parnasiana, ao contrário,
estes dois movimentos poéticos caminharam paralelamente, ora misturando-se,
apesar de divergirem na atitude e no conceito. Deste modo, tanto o
Parnasianismo quanto o Simbolismo penetraram no século XX, a poesia nacional
evolui para uma fase de transição e sincretismo que preparou o terreno para o
Modernismo.
O
Parnasianismo legou aos simbolistas a paixão do efeito estético. Abaixo alguns
dos elementos que caracterizam o Simbolismo:
-
Concepção mística da vida;
-
Interesse maior pelo particular que pelo universal;
-
Tom altamente poético;
-
Fuga da realidade e da sociedade contemporânea;
-
Ênfase na imaginação e na fantasia;
-
Linguagem ornada, colorida, exótica, poética e sonora.
-
Tom sugestivo (uso de reticências), não dar nome aos objetos.
Do
ponto de vista dos temas a poesia simbolista foi bastante eclética e rica,
versando sobre o lirismo amoroso de feição espiritual e platônica, o misticismo
cristão, o ocultismo, o paganismo, o intimismo, o penumbrismo, e diversos
outros.
A
escrita de Mariana evolui e atinge uma atmosfera altamente intimista,
perpassando pelo tom melancólico e pessimista tão comum aos simbolistas. Muitos
de seus versos são elaborados em primeira pessoa denotando um eu lírico que se
refere à subjetividade, ao íntimo, à descrição dos sentimentos.
Em
“Pálido Espectro”, poema que abre o livro Murmúrios
nota-se logo um dos temas mais visitados pela poetisa, a dor, o desespero. O
poema em tom narrativo, apresenta uma ideia de movimento, passagem do tempo,
traz o eu lírico em várias colocações verbais em primeira pessoa, transbordando
sentimentos que remetem ao romantismo. A atmosfera e a temática são uma herança
romântica: a impossibilidade do viver plenamente e o sofrimento intenso que
disso decorre.
Estão
também presentes alguns elementos comuns ao simbolismo, como a utilização de
símbolos e a sinestesia dos dois primeiros versos. É quase possível ver o ser
fantasmagórico se arrastando pela laje fria, um tom bem sombrio que lembra
vagamente os versos macabros de Poe.
A
artista recorre a sons nasalados para prolongar a duração do fluxo sonoro e
reforçar a ideia da vida que se arrasta em sofrimento como em “vou seguindo”, “vou
deixando”, utiliza rimas ricas como em fria/via e em termo/enfermo. Os versos
melodicamente sinuosos, ricos em encadeamentos com a predominância da vogal o
de som fechado, especialmente na última estrofe contribuem para a cadência do
poema e o desfecho sombrio.
Pálido Espectro
Como pálido espectro, vacilando
A cada passo sobre a
laje fria,
Eu vou seguindo a
dolorosa via
Onde pedaços da alma vou deixando.
E esse viver atroz que, dia a dia,
Meu pobre coração vai torturando
Torna-me um ser tristonho e miserando
Engolfado em letal melancolia.
Exausta caminheira, chego ao termo,
Do sofrimento; o coração enfermo,
Já não sinto pulsar... pobre
esquecido...
É inútil tentar. Ao longe, esguio
Vejo um cipreste lúgubre, sombrio,
Morrer!
... E vou morrer sem ter vivido!
As
cores estão muito presentes em suas construções, preferencialmente o azul, que
também é representado pelos adjetivos anilada e azulina. O azul representa o
céu para onde o eu lírico sempre volta seu “olhar ansioso”;
Minha
alma alou-se um dia às regiões azuis,
Lá
onde o riso é eterno e onde é eterna a luz.
(Fantasia)
Quando
contemplo o azul da imensidade,
Limpo
de nuvens, todo azul somente,
Sinto
o punhal agudo da saudade
Atravessar-me
o peito cruelmente.
(A
caminho)
Ei-la!
Singrando o mar esmeraldino,
Velas
soltas ao vento da bonança,
Sigamos
pelo azul, tendo esperança,
Por
guia do batel. Nosso destino.
(Fantasia)
A
melodia, traço característico dos simbolistas, conforme institui Verlaine “De
la musique avant toute chose”, é sempre perseguida na obra de Mariana que se
utiliza de vários recursos, como as aliterações exemplificadas nos versos
abaixo;
Sempre,
sempre a sorrir da vida na alvorada,
Plenilúnio
do amor que aos mortais inebria,
Companheira
do sol, tu transformas em dia
A
treva em que tateia a alma amargurada.
(Musa
consolatrix)
Transformadas
em tristes utopias.
(O
que me punge)
Além
de construir belas e melodiosas metáforas, como “raios da alegria” e “garras da
agonia” contribuindo para a ideia de oposição entre os dois primeiros versos e
os dois últimos no poema “Miragens”.
Quantas
vezes os raios da alegria
Banham
um rosto calmo e descuidado
Enquanto
o coração martirizado
Se
estortega nas garras da agonia!
Nesse
poema “Miragens”, o eu lírico demonstra seu desconforto, desencanto com a
sociedade que prefere ver somente as aparências, sem se importar com o
sofrimento que cada um carrega. Logo no
primeiro verso o eu lírico diz em tom ácido “Tudo na vida é falso” e mais a
frente, em um paralelismo, no primeiro verso da terceira estrofe, conclui “Forçoso,
pois, é ocultar o pranto. ” Em outros poemas, a poetisa retoma essa temática
das aparências.
Mariana
utiliza a palavra como portadora de um mal-estar profundo com a sociedade e
aproxima-se em “Morrer...Dormir...” do desalento de Eduardo Guimaraens (1892 –
1928), de sua tristeza e desesperança em “Fim de Viagem”.
Morrer...
Dormir...
Morrer... Dormir... Não mais! Termina a
vida,
E com ela termina nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida.
Sim! Minha morte não virá sentida!
Não deixo amigos, e nem tive amores!
Ou, se os tive, mostraram-se traidores.
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é podre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esboroe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!
É tempo já que meu exílio acabe...
Vem, pois, ó Morte, ao nada me
transporta!
Morrer...
Dormir... Talvez sonhar... Quem sabe?
Fim
de Viagem
Que
vos importa ouvir a voz de um peregrino?
Pouco
vale saber se cantei ou chorei;
se
fiz mal, se fiz bem; se aceitei o destino;
se
gozei ou se sofri; se amei se odiei.
Sou
uma sombra a mais no caminho divino...
E
como apareci, desaparecerei.
2.3
- SINCRETISMO E PENUMBRISMO
Fenômenos
facilmente observados na evolução da história literária são os períodos de
transição ou zonas intermediárias. O Romantismo, o Parnasianismo, o Simbolismo
e o Modernismo representam, apesar dos choques de formas e conceitos, a ânsia
de espíritos privilegiados na luta pela libertação da vida cotidiana. A zona
intermediária agora em questão, o período entre o fim do Simbolismo e os
primeiros passos do Modernismo, passou para a história com o nome um tanto
fugaz, mas significativo, de Penumbrismo, que é uma espécie de poeira do
Simbolismo. O Penumbrismo não chega a ser considerado uma escola, mas sim uma
atitude, um movimento emocional, uma coincidência temática tendendo a um
acentuado intimismo poético. (Coutinho, 1986, p.541 – 546)
Eduardo
Guimaraens citado anteriormente é considerado simbolista que aqui e ali
demonstra sentimentos penumbristas. Assim também Mariana é atingida pelas
influências e reflexos do princípio e fim das escolas que se sucedem, e isso
que poderia ser chamado de uma inconsistência literária, é na verdade um
processo natural e compreensível que em nada desmerece o valor de sua obra.
Apesar
de ter passado sua vida entre Itapecuru-Mirim e São Luís, cidades tropicais e
ensolaradas durante o ano inteiro, a preferência da poetisa foi pelo elemento
noturno, pelo crepúsculo e pelas sombras, uma das caraterísticas do
penumbrismo;
Ia
morrendo o astro rei. Um bando de alvas pombas
Ruflando
docemente as asas tão nevadas,
Descia
sobre as selvas formosas, perfumadas,
Em
procura dos ninhos ocultos pelas sombras.
(Desengano)
Divaga
pelo ar, incerto e vagamente,
Um
quê, misto de luz e treva... Morre o dia,
Os
ninhos não têm voz, letal melancolia
Penetra
os corações misteriosamente.
(Soneto)
Um
mutismo letal, triste sombrio
Derrama-se no chão
E
enquanto tudo é cálido eu sinto o frio
Gelar-me o coração.
(Contrastes)
Jamais
senti tolher-me doce encanto
Ao
desdobrar o seu argênteo manto
A rainha da noite.
(Conversão)
O
eu lírico celebra a noite em vários versos como
em “louras madrugadas”, /noite serena e perfumosa/ de uma “nudez augusta e
majestosa”, também em “a majestosa lua, soberba e argenteada”, e nos versos de
“Ao luar”;
Quanta
magia nesta noite linda
Derrama
a lua, a eterna peregrina!
Ah!
se esta hora se tornasse infinda!
Mariana
Luz pode ser considerada uma poetisa da noite, ao lado de outros grandes nomes
da literatura, como Antero de Quental que diz;
A
noite desce, desfolhando as rosas.
Cruz
e Souza;
No
sussurro monótono das águas,
Noturnamente,
entre ramagens frias.
E
Baudelaire;
Je
t’aime à l’égal de la voûte nocturne.
Sobre
o Modernismo, a poetisa manteve-se à margem, e sobre isso comenta em entrevista
ao jornal O Imparcial em 1949;
Esta
nossa literatura moderna não me agrada muito. Prefiro a escola antiga, porque
me parece agradar mais ao coração. Está mesmo mais condizente com a minha alma
sofredora. (Luz apud Santana, 2014, p. 87).
3
- PRINCIPAIS TEMAS
“Eu canto porque o instante existe
E a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta. ”
Cecília Meireles.
Na
poesia de Mariana Luz o leitor encontrará uma boa variedade de temas, ela fala
de amor, dor, morte, natureza, religiosidade, além de construir belas elegias e
homenagens. Um mesmo tema pode apresentar várias nuances o que permite um vasto
trabalho de análise de sua obra. Está aqui traçado somente um início deste
trabalho, é importante destacar que as temáticas apresentadas abaixo não
correspondem ao todo da obra, foram escolhidas pela recorrência ou por
apresentar aspectos que foram julgados necessários de serem apresentados.
3.1
- NATUREZA
A
natureza está sempre presente na poesia de Mariana, com delicadeza o eu lírico
exalta elementos que lhe encantam, lhe emocionam em uma eterna contemplação e
assim constrói imagens de uma natureza bucólica que em alguns momentos remete o
leitor a versos árcades. Em diversos
poemas é fácil encontrar borboletas, passarinhos, ninhos, flores, estrelas,
imagens tanto do amanhecer quanto do pôr do sol de uma natureza sempre pintada
como perfeita e pura, fruto da criação divina;
É
bom, porém, recordar
Que,
para os pesares teus,
Há
flores, há luz, há risos
Que
são carícias de Deus...
(Quadrinhas)
Ou
em “Murmúrios”;
Além, no rubro horizonte,
A lua bela, formosa
Vem surgindo majestosa
Em marmórea palidez,
E os pirilampos luzindo,
Quando o dia vai fugindo,
Assemelham flores, caindo
Das
mãos do Eterno, talvez.
Em
“Deleite”, as flores são encantos, as borboletas são gentis, as abelhinhas são
travessas, os passarinhos são mimosos, as estrelinhas são azuis, a poetisa
pinta um quadro singelo, cheio de amor, um jardim todo florido e confessa;
Me
prendem horas a fio
Essas
falenas do céu...
Esse
misto de contemplação e melancolia também pode ser percebido em Soneto;
Embebo
na amplidão do céu o olhar vago
Mas
a natureza na pena de Mariana também surge recheada de simbolismo, como representação
de uma pessoa, de um estado de espírito, de um sentimento como em “Conversão”;
Assim,
à noite que me ia n’alma,
Sucedeu-me
manhã risonha e calma
Tudo é belo para mim!
No
céu azul, no prado esmeraldino,
Da
lua ao clarão morno e divino
Vejo encantos sem fim!
Ou
em “O Sol e a Flor”;
Foste
o Sol, eu era a flor.
Mariana
conectando-se à tradição lírica consolidada em grandes nomes como Petrarca,
Camões e outros, busca no mundo natural elementos para uma concepção pictórica
da pessoa amada, e através dessa representação, constrói uma ideia do amor como
manifestação divina, amor muito mais espiritual que carnal. Um bom exemplo está
no uso da fórmula dos olhos comparados à estrela da manhã que remonta ao século
XIII e está presente em “Aquele olhar”; (Spina, 2010, p. 121-126)
Aqueles
olhos ah!... são duas estrelas
[...]
Assim,
pois, em teu seio perfumado
(Como
o sacrário santo e imaculado
Encerra
o Amor, tão puro e tão Divino)
Os
elementos da natureza são para a artista matéria prima de belas metáforas, como
no poema “Folhas Soltas”;
Ó
estrelas, ó lágrimas errantes
Que
salpicais a abóbada anilada.
Ou
ainda em “Musa Consolatrix”;
Aos
teus beijos de luz, beijos mansos suaves
Como
o aroma do lírio, ou o pipilo das aves,
E
também em “A Mendiga do Amor”;
Alma
em botão transuda-lhe no rosto
A
artista faz construções interessantes de um delicado lirismo como em “Murmúrios”;
A
lua em castos desejos,
Atira
seus doces beijos
3.2
– CREPÚSCULO
A
hora crepuscular é uma constante na poesia de Mariana Luz. A poetisa que traz
sempre a natureza em seus versos, que revela um eu lírico contemplativo, que
demonstra uma preferência pelo elemento noturno como já for citado
anteriormente, que explora muito bem contrastes e antíteses, utiliza a hora
crepuscular como metáfora da própria vida.
No
livro Literatura Europeia e Idade Média
Latina, Ernst Curtius apresenta um conceito da poesia da Natureza no qual a
própria natureza é um livro vivo, este conceito é bastante útil para que se
compreenda como Mariana Luz extrai do entardecer a substância para profundas e
talvez inquietantes reflexões sobre a vida:
A
poesia da Natureza pode ser considerada a própria vida em pura ação, um livro
vivo, cheio de histórias verdadeiras, que, embora seja possível começar a ler e
compreender cada página, jamais se acaba de ler e de compreender. A poesia
artística é um trabalho da vida, e tem já em seu germe primitivo caráter filosófico.
(Curtius, 2013, p. 402)
No
poema “Credo” o eu lírico glorificando a Deus, nas três primeiras estrofes,
exalta suas maravilhas manifestas na criação, confessando que a tudo isso muito
admira;
Na
flor a desabrochar o cálice perfumoso,
Aos
beijos do áureo sol, que em chamas vem surgindo
[...]
Em
tudo... eu vejo em tudo o Teu poder infindo!
Mas
ao fim do poema revela:
Alegria
ou pesar - tudo vem do Infinito...
E
a dor não é um mal, sim martírio bendito
Pois
que é ela o crisol que a nossa alma depura.
Não
há existência sem sofrimento, é isso que vai se delineando em seus versos,
neste e em outros poemas. Evidencia-se na criação de Mariana certo conflito, em
alguns momentos o sofrimento é bendito, devendo ser enfrentado com resignação,
pois depura, expurga as impurezas da alma. A Bíblia oferece muitos exemplos de sofrimento
seguido de recompensa, glorificação, como em Jó, Lázaro, José do Egito, Tobias
e outros. O maior de todos os sofrimentos, porém, foi a entrega de Cristo na
cruz, o cordeiro imolado pela salvação da humanidade. Mas Mariana em outros
momentos se mostra muito humana e então o sofrimento lhe causa revolta contra o
mundo e mesmo contra o Amor, como no poema “Fantasia”;
E
viu passar o Amor. Como ia radiante!
[...]
Lá
ia arremessando os perigosos dardos
Misturando,
o cruel, as rosas e os cardos!
E
ao ver passar assim das ilusões o bando
Minha
alma soluçou, sentida, murmurando
Ao
contemplar o céu, o lindo céu de anil,
Ó
mundo encantador, como és medonho e vil!
O
desejo que todo homem nutre de gozar uma vida plena de felicidades, calma,
tranquila, pacífica, livre de percalços e repleta de amores sinceros é
representado pelo elemento solar, é como uma luz que move a alma humana, que
alimenta sua esperança. E este desejo é assim retratado pela poetiza,
esperança, ilusão, louca fantasia, sonho.
E
então em diversos versos, o dia vai partindo moribundo, a tarde cai, as flores
murcham, e o sol – companheiro da Esperança – enfim morre.
Tarde
morna e serena. O sol agonizante
Se
amortalhando vai a fulva cabeleira.
E
lança sobre a terra a chispa derradeira
Do
seu olhar de rei altivo e arrogante.
(Soneto)
A
tarde descaia, fresca e amena,
No
sangrento horizonte o sol tombava,
(Crepuscular)
Em
oposição à luz solar surge no sangrento horizonte a noite, é preciso perceber
que o que está em jogo é o confronto entre uma vida idealizada e a vida real.
Some-se
o sol. As franças do arvoredo
Tintas
de rubro, oscilam docemente.
Por
entre as selvas, úmida e gemente,
Murmura
a brisa um trêmulo segredo.
(A
meu querido pai)
A
autora constrói uma oposição cromática, enquanto o dia apresenta um lindo céu
anil, lembrando que o azul é comumente associado à transcendência, mas também à
ilusão e ao sonho, o crepúsculo apresenta-se rubro, sangrento, sendo o vermelho
uma cor de forte valor simbólico. Enquanto ao azul associam-se o céu e o mar, o
vermelho representa a cor da terra, perfeita alusão ao crepúsculo como representação
da vida real. O vermelho também representa a paixão, a luta, o perigo e a
morte. (Paula Júnior, p. 133-134)
Outra
imagem contrastante é apresentada na oposição tarde x crepúsculo, na qual à
tarde cabem os predicativos fresca e amena enquanto o crepúsculo caracteriza-se
por ser úmido e gemente.
3.3
- FLORES
No
discurso de posse de Felix Aires na Academia Maranhense de Letras, ao
homenagear sua antecessora Mariana Luz, ele lembrou que ela era cognominada de
a poetisa das rosas, chamando-a também carinhosamente de irmã das flores. (Santana,
2014, p.123)
A
flor está sempre ligada à beleza, alma, pureza, amor, fertilidade, natureza,
criação, infância, juventude, harmonia, perfeição espiritual e ao ciclo vital.
Por vezes, é considerada o símbolo da virgindade ou de sua perda (defloração). Antigo
símbolo feminino, na poesia trovadoresca a mulher é flor de lis. Nos versos
árcades de Gonzaga a mulher (sua musa Marília) tem na face mimosa, purpúreas
folhas de rosa. (Spina, 2010, p. 123-125)
As
flores estão muito presentes na obra de Mariana e são também para ela uma forma
de representação da mulher. Em “Súplica”, a Santa Teresinha é uma;
Mimosa
Flor das célicas alturas.
Em
outro soneto que também traz o título “Súplica”, Nossa Senhora é assim
descrita;
Ó
Virgem Maria, ó Lírio imaculado,
Mariana
dedica alguns poemas a suas amigas queridas, sempre as nomeando como flores
meigas, flores divinas, branco lírio, flores cheias de viço e de perfume.
As
flores são para a poetisa o símbolo por excelência do ideal de mulher, uma
donzela, casta, pura, inocente, temente a Deus, e há aqui uma explosão de
adjetivos; flor silvestre, viçosa, linda, casta, mimosa, indefesa, pura,
peregrina, perfumosa, modesta, formosa, meiga donzela, fresca, divina, a rainha
do vergel.
Essa
sublimação da figura feminina não tem nada de novo, desde o romantismo feudal,
sob a forte influência do cristianismo e através do culto de Maria, a imagem da
mulher foi sendo elevada a tal ponto de serem valorizados pelos poetas somente
os elementos plásticos que possuíssem implícito valor espiritual. Em Camões,
nariz, orelhas, bem como pestanas não fazem parte das composições. (Spina,
2010, p. 105-108)
O
olhar, porém, do eu lírico volta-se para a transformação dessa mulher, a perda
da inocência. Em uma sociedade patriarcal, onde a mulher não tem voz, a
infância ainda representa uma quadra feliz, quando a menina experimenta certa liberdade.
Essa visão de mundo da artista fica evidente no poema “Na Morte de Almira”,
que por morrer jovem, virgem e pura, foi elevada ao céu com fronte lirial,
coroada com níveas rosas, lembrando que nívea, neve, branco, marfim são cores e
adjetivos sempre associados à pureza.
Morreu virgem, meu Deus, quanta ventura,
Subir ao céu com a alma imaculada
Fronte serena, lirial, coroada
De lindas rosas de ideal brancura.
[...]
Se aquelas que partiram tão docemente,
Fugindo ao mundo e ao mal feroz e
inclemente
Levou
rosas na sua fronte? Níveas rosas.
Segundo
Botoso, tanto na prosa como na poesia de autoria masculina, a mulher sempre
aparece representada predominante de duas formas;
Ou
elas são símbolos do mal (sedutoras, megeras, imorais), ou uma encarnação do
bem (frágeis, indefesas, submissas) [...]. Em poemas do período romântico, as
mulheres, frequentemente, surgem como seres idealizados, fragilizados,
portadores de grande beleza e, em produções poéticas do simbolismo,
parnasianismo e modernismo, a figura feminina, muitas vezes, é descrita com
qualidades demoníacas, capazes de seduzir e destruir os homens que cruzam o seu
caminho. (Botoso, 2017, p.2)
Mariana,
invadindo um espaço dominado por vozes masculinas, espaço que tentou
silenciá-la, basta lembrar que ela, como outras autoras de sua época, precisou
se esconder atrás de pseudônimos masculinos, também explora essas
representações da mulher, não procurando subjuga-la, mas sim para, a partir de
seu olhar feminino, mostrar suas dores. Assim Mariana representa a figura de
Almira, do poema “Na morte de Almira” como um lírio, frágil, pura, imaculada, e
conclui, pessimista ou realista, que foi melhor que tenha morrido jovem pois
assim não conhecerá o mal do mundo. (Santana, 2014, p.57-58)
Mariana
ousa criticar o destino das mulheres que não têm direitos, que são obrigadas a
cumprirem seu papel na sociedade e caladas aceitarem seus destinos, maridos e
casamentos cruéis. A arte de Mariana, muito subjetiva e intimista, transborda
sofrimentos e desilusões, chegando o eu lírico a declarar “eu sou a flor”, essa
flor que tantas vezes surge em seus versos, lânguida, morrendo, murchando,
subjugada e oprimida pelos homens de seu tempo.
Para
acentuar a transformação da menina inocente para a mulher sofrida, de alma
aflita, as flores ganham outros adjetivos; flor triste, mirrada, enlanguescida,
murcha, emurchecida, perdida, descorada, desfolhada.
A
mulher de Mariana, não é aquela mulher que os poetas cantam, elevando virtudes
e traçando curvas em poemas cheios de sensualidade. A mulher de Mariana é a outra,
mais real, mais verdadeira e não aquela, idealizada. A mulher em Mariana demonstra
seus próprios sentimentos, uma alma angustiada pelas desilusões, mas ainda capaz
de ter esperanças. Falando de mulheres e de flores, ela cria sentimentais e
melancólicas poesias como “Flores Murchas”, “Flor que Morre”, “Rosa Murcha”.
A
poetisa como uma mulher de seu tempo, recebeu educação rígida dentro dos moldes
de uma sociedade machista e de rigor católico e condena em seus versos o
comportamento de algumas mulheres tidas como levianas, de gesto fementido, falsas,
que se entregam aos prazeres mundanos. São sedutoras como em “Pérfida” e
carregam a representação negativa da figura feminina. Também se percebe essa
outra faceta feminina em “Anjo Decaído”;
Ontem, inda era a virgem furibunda
Modesta e perfumosa violeta
Rainha dos vergéis.
Hoje é uma mulher falsa e perjura
A bela cortesã de olhar altivo
E sorrisos cruéis.
3.4.
DOR
Este
é o tema por excelência da poesia de Mariana Luz. Em Murmúrios há dois sonetos, “Resposta” e “Replicando”, dedicados ao poeta
Leslie Tavares que critica o sofrimento atroz de seus versos, nesses sonetos Mariana
afirma “foi engano teu”. Segundo Neres, mesmo tentando negar sua condição de
poetisa de versos tristes, o estro poético da escritora desdiz suas palavras.
(Neres, 2012)
Ao
pesquisar um pouco a vida da artista descobrem-se suas lutas e as dificuldades
financeiras que a deixaram em um estado de penúria na velhice, mas também
descortina-se a personalidade de uma mulher de fibra que não se abateu fácil,
uma mulher que lutou por aquilo que acreditou, pela educação e pela cultura, e que
teve uma atuação importante em sua comunidade, chegando mesmo a se candidatar a
vereadora, em um tempo em que à mulher cabia tão somente obedecer, primeiro ao
pai e depois ao marido. Mariana teve suas agruras sim, como ela mesma diz em
seus versos não é possível existir uma vida só de sorrisos, mas seria
precipitado e equivocado querer descrevê-la como uma figura depressiva. A
artista, em alguns momentos, descortina um lado bem-humorado e irônico, ela se
dizia uma pessoa “risonha e pura”.
Diante
deste quadro é correto afirmar que seria um erro atribuir a dor presente em
seus versos como tão somente lamentos de uma alma triste e amargurada. Seria
mais acertado compreender a dor na poesia de Mariana como fruto de sua escolha
estética, já que o simbolismo e o penumbrismo percorrem caminhos de sentimentos
obscuros, como o culto à morte, o misticismo, a tristeza e a melancolia. A
escolha de Mariana é bastante coerente com sua filiação a esta escola. A frase
de Baudelaire não deixa dúvidas;
Je
sais que la douler esta la noblesse unique.
E
assim Mariana escreve “Dor”, “Suprema Dor”, “Dor Íntima”, “Mágoas”, “Lágrima”, “Consolo
Amargo”, “Saudade”, “Desengano”, “Mas...” e vários outros poemas falando de tristezas, ilusões,
desilusões, angústias e saudades. A preferência por essa temática também fica
clara na edição do único livro publicado da autora, o pequeno volume Murmúrios,
que contém somente vinte e oito poemas, dos quais a maioria gira em torno de
temáticas como dor, sofrimento, melancolia, saudade.
A
dor nos versos de Mariana assume vários matizes, surgindo ligada a sentimentos
de melancolia e angústia, mas também é possível encontrar poemas que tratam de
superação e esperança, como em “Horto de Mágoas” e “Soneto para Eugênio
Niemand”.
Falando
sobre a dor de existir, a dor de um amor insatisfeito, a dor dos percalços da
vida, a artista constrói em sua poética uma visão de mundo, onde diante da dor,
incontornável, a melhor postura é a resignação cristã. Diante de circunstâncias
dolorosas há duas possíveis reações; desesperar-se ou aceitar que situações
adversas podem acontecer e enfrentá-las sem perder a confiança em Deus. Dessa
maneira a resignação cristã não deve ser compreendida como algo negativo,
sinônimo de submissão e sim como sinal de força.
Diferentemente
de contos de fadas com finais felizes, para Mariana é impossível uma vida
somente de amores e alegrias, é trilhando a via dolorosa que se forja um
caráter.
Mariana
no poema “Dor” exalta esse sentimento como expressão de sua religiosidade,
chegando mesmo a personificá-lo, no último verso, ao escrevê-lo em letra
maiúscula.
Dor, tu serás sempre abençoada,
Porque na consciência adormecida
Tu fazes renascer uma outra vida
Cheia
de amor e de fé. Resignada.
[...]
Outros,
enfim, são salvos pela Dor!
Nos
versos abaixo é possível observar mais do pensamento de Mariana sobre o amor, a
felicidade, a dor, e sobre a relação entre tais sentimentos;
Não
há vida feliz. A dor impera.
(Mas...)
Mas
não sabes, então, Márcia querida
Que
a dor é o apanágio desta vida,
E
que nela só temos dissabores?
(Mágoas)
Felicidade onde estás? Não és um mito?
[...]
Se
existes, porque assim és tão esquiva
E
consentes que eu só de mágoas viva?
A
sofrer, a chorar amargamente!
(Felicidade)
Feita
de prantos a felicidade,
Que
é do mesmo amargor de uma saudade,
Porque
o amor não é mais que um sofrimento!
(Sonho
de amor)
A
melancolia é um tema muito presente na obra dos grandes autores da literatura
universal e brasileira, tanto da prosa quanto da poesia. Citando somente
alguns, em Augusto dos Anjos a melancolia dialoga com a filosofia existencial, por
outro lado em Florbela Espanca a melancolia se delineia muito associada às
perdas vividas pela autora em uma poesia considera misto de arte e confissão. A
partir da linguagem poética de Mariana Luz, pode-se afirmar que no tocante à
melancolia seria mais correto aproximá-la da filosofia existencial de Augusto
dos Anjos, como é possível se verificar em “Soneto”;
Quem viveu sempre em nuvens cor de
arminho,
Tendo existência alegre e cuidadosa,
Sem pisar nunca a via dolorosa
Nem se ferir nas pedras do caminho;
Flores colheu, sem encontrar na rosa,
De perfume ideal um só espinho
Viveu entre doçuras e carinho
Sempre feliz em paz deliciosa;
Não viveu, vegetou, pois só em sonhos
É que se gozam dias tão risonhos,
Sem sentir uma dor... Um mal pungente...
Viveu e sabe dar valor à vida
Quem palmilhou a estrada dolorida...
Quem
sofreu... Quem chorou amargamente...
Apesar
de seu lirismo delicado, Mariana também é capaz de escrever de forma pungente
desnudando emoções intimas como em “Suprema Dor”. Este poema recebeu muitas
críticas elogiosas enquanto a poetisa era viva, a tal ponto de em várias
crônicas e reportagens a poetisa é nomeada como a autora de “Suprema Dor”.
(Santana, 2014, p. 83, 98, 124). Segue abaixo dos versos do referido poema;
Há
outro abutre atroz que dilacera
Que
rasga as carnes, qual terrível fera.
Nesse
mesmo poema a artista faz um jogo paradoxal “Em que se mesclam o desespero e a
crença”, o eu lírico coloca-se em uma posição distante do mundo, com
sentimentos de inconformismo em relação àqueles para quem a vida é eterno gozo enquanto
para si só existem sofrimentos fundos.
3.5.
POESIA SOCIAL
Embora
a tônica da poesia de Mariana seja intimista e individualista, ela não deixa de
se sensibilizar com os que sofrem e utiliza sua palavra para denunciar a dor
dos pequenos esquecidos da sociedade, aqueles sem voz, mendigos, órfãos e
leprosos.
Ela
levanta aos céus uma súplica pelas crianças em “Inocentes”;
Tem
piedade, ó Senhor, das pobrezinhas
Que
não têm mãe, que vivem na orfandade.
Mariana
não fecha os olhos diante das enormes desigualdades sociais e no poema
“Quadros” expõe a enorme distância entre ricos e pobres ao descrever uma cena
onde uma rica aristocracia se diverte em festas e luxos contrastando com a
triste imagem de uma mendiga à porta.
Tudo nesse salão, onde a riqueza
Reúne da elegância a fina flor,
Respira do prazer a pura essência
[...]
E entretanto à porta, macilenta,
Triste mendiga nos degraus sentada
Beija o filhinho nu adormecido
E estende a mão pedinte e descarnada.
Na
época que Mariana Luz viveu, a situação dos leprosos era um verdadeiro flagelo,
uma humilhação, viviam isolados em Leprosários e Lazaretos, afastados da
sociedade, marcados pelo estigma do preconceito. O sofrimento dessas pessoas
era atroz, eles eram abandonados em instituições para morrer. Mariana se
compadece da situação dessas pessoas e a denuncia em sua poesia com palavras
duras como, mortos em vida, míseros, carne apodrecida. Seu poema é um grito,
uma súplica, uma lembrança incômoda à sociedade que segue sua vida e vira as
costas a quem sofre, ignorando o existir dos leprosos.
Peregrinos da dor. Mortos em vida,
Deixais em cada pedra dos caminhos
Os pedaços dessa alma dolorida
Erma de afetos, órfã de carinhos!
[...]
Ides sentindo as garras dos espinhos
Rasgar-vos toda a carne apodrecida!
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Muzart (1995) em artigo sobre a questão do cânone,
afirma categoricamente que quando se fala das escritoras do século XIX,
observa-se um desconhecimento muito grande. (p. 90) E diz ainda:
Observa-se que, em
geral, são excluídos dos cânones: o popular, o humor, o satírico e o erótico. O
baixo é excluído. Permanece o alto. No entanto, há um estilo alto, romântico,
beletrista e que deixou produção abundante também excluída do cânone: é o texto
das mulheres no século XIX, texto sempre destacado nas críticas de jornais, em
sua época. (Muzart, 1995, p. 86-87)
Este é o caso da poetisa maranhense Mariana Luz,
cuja obra merece ser buscada, pesquisada, estudada e valorizada. O livro de
Santana (2014) foi um importante trabalho de resgate da autora e de sua obra,
mas ainda há muito a ser feito. Existem textos a serem descobertos, como as
comédias citadas anteriormente e aspectos da sua escrita que precisam ser
destacados.
O presente trabalho consiste em um recorte de um
estudo maior e ainda em construção. Uma continuação desse estudo já está em
andamento, nele serão abordados outros temas importantes na poesia de Mariana
como a morte e a temática amorosa, constará uma seção que apontará algumas
relações intertextuais e além de uma edição crítica dos poemas, com a inserção
de poemas ainda inéditos.
Por hora este trabalho espera contribuir e estimular
futuros estudos sobre a autora e sua obra, e somando esforços no resgate das
esquecidas, superar atitudes como a de perguntar-se das razões do resgate de
certos textos tão fraquinhos que
configuram uma atitude preconceituosa, pois, é preciso primeiro lê-los e
analisá-los levando em conta todas essas razões segregacionistas de isolamento
e silêncio (Muzart, 1995, p.89, grifo nosso).
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Brasileira. 43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
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Clarice Zamonaro; RODRIGUES, Milton Hermes. Operadores
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tendências contemporâneas. 3 ed. Maringá: EDUEM, 2009.
COUTINHO,
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CURTIUS, Ernst Robert. Literatura Europeia e Idade Média Latina.
Tradução: Teodoro Cabral (com colaboração de Paulo Rónai). São Paulo: Editora
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Massaud. A Literatura Brasileira – Volume
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RILKE,
Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta.
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DA SILVA, Cypriano Marques et al. Sonetos
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NERES, José. Os
murmúrios de Mariana. São Luís, 2012. Disponível em http://joseneres.blogspot.com.br/2012/12/a-poesia-de-mariana-luz.html.
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BOTOSO, Altamir.
RODRIGUES, João Ricardo. A Representação
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Acessado em 30/08/2018.
Gabriela de Santana Oliveira
Graduada
em Administração de Empresas – UNICEUMA (1995) Graduanda em Letras – UFMA.
Pesquisadora na área de Poesia Contemporânea de Língua Portuguesa.
Rafael Campos Quevedo
Doutor
em Literatura pela UnB. Mestre em Letras pela UFES. Especializado em Literatura
Brasileira (UNIVERSO). Graduado em Filosofia e Letras pela UFMA. Desenvolve
pesquisa em Poesia Contemporânea de Língua Portuguesa.
Artigo publicado na Revista Interdisciplinar em Cultura e Sociedade (RICS)
São Luís - Vol. 4 - Número Especial - Jul./Dez. 2018
São Luís - Vol. 4 - Número Especial - Jul./Dez. 2018
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