Por: Jucey Santana
Há uns
quatro anos, folheando antigos jornais de Itapecuru, encontrei um texto que me chamou a atenção, sobre da visita da
embaixatriz Beatriz de Moura à Itapecuru Mirim, em 1996, visita esta agendada
pela Embaixada Francesa.
O texto
me informava que a embaixatriz vinha em busca de informações dos seus
antepassados intapecuruenses, notadamente do seu bisavô o General Hastimphilo
de Moura. Recebida no Plenário da Câmara Municipal, em sessão especial, com todo aparato, ela finalizou seu discurso com as seguintes palavras: “Vocês devem estar se questionando
o que vim fazer aqui do outro lado do mundo, em Itapecuru-Mirim do Maranhão?
Acho que ninguém pode dizer para onde vai se não sabe dizer de onde vem” Apesar
de bem recepcionada pela Câmara Municipal a ilustre visitante voltou como veio:
de mão vazias.
Depois
pesquisando os livros da Paróquia lá me defronto pela segunda vez, com
aquele nome esquisito. Passei a tomar informações sobre ele. Pouca coisa consegui... Depois entendi que nas
minhas buscas não colocava o nome de maneira correta (a pronúncia é
Rastínfilo).
O amigo
Josemar de Sousa Lima, sabedor das minhas pesquisas me enviou um interessante achado. Tratava-se
de farto material sobre a Missão Cruls do final do século XIX. Todo esse material chegou em boa hora, para o
complemento da pesquisa.
A ORIGEM
DA FAMÍLIA
Hastímphilo
Frazão de Moura nasceu em
Itapecuru-Mirim no lugar denominado Guanaré
em 22 de dezembro de 1865. Era filho do comendador português João Ribeiro de Moura e de Leonília Maria
Frazão de Moura. João Moura residiu em Itapecuru durante 33 anos, chegando
ainda na primeira infância de Portugal.
Em Itapecuru Mirim se estabeleceu com um empório de
importação e exportação, na Rua do Egito em sociedade com outro português, Leocádio
Alexandrino Gonçalves. Em sua residência, funcionava uma escola de primeiras
letras, subsidiada pelo próprio, fazendo
jus a distinção honorífica de Comendador
da “Ordem das Rosas”, outorgada pela Coroa Imperial por relevantes serviços prestados a instrução
pública da província. Ele era
proprietário de uma próspera fazenda nos arredores da Vila, na localidade
Guanaré, com produção de cana de açúcar, algodão e outros cereais. Possuía
outra grande fazenda no povoado Taba-Mirim na região do Mearim.
O Comendador mudou-se com a família para São Luis
em quatro de junho de 1874, a bordo do vapor Pindaré, para encaminhar os filhos
aos estudos e assumir a diretoria do Banco Commercial do Maranhão (descontos e
depósitos). Segundo o Publicador Maranhense de 10 de junho de 1874, “A banda de
música da cidade tocava saudosas peças, até a partida do vapor”. Em São Luís,
instalou-se com a família em amplo sobrado no Largo do Quartel.
Em 1883 ele assumiu a direção da Caixa Econômica. Faleceu
em 1919. Vale registrar, que o Comendador foi padrinho de batismo da poetisa
Marianna Luz.
HASTIMPHILO
O ITAPECURUENSE ILUSTRE
Fez seus
primeiros estudos em Itapecuru Mirim, na escola doméstica. Com nove anos
foi para São Luis com a família concluindo o curso secundário no Liceu
Maranhense em 1879. Em 1880 seguiu para
o Rio de Janeiro rumo à Escola Militar do Exército e o seu irmão
Silvinato de Moura ingressou na Escola
Naval onde fez carreira até o posto de Almirante (Armada Imperial).
Sempre foi um aluno de destaque, como prova os
informes estudantis da época. Em 1885 já fazia parte da diretoria do Club
Bibliotecário Acadêmico da Escola Militar.
Em 1888 presta exame vestibular para a faculdade de
Engenharia na Escola Superior de Guerra sendo imediatamente promovido a Alferes Aluno.
Em 1891 recebeu a patente de Capitão Interino de
Artilharia no 1º Batalhão da Fortaleza
do Porto de Santa Cruz no Rio de Janeiro. Ainda no ano de 1891
contrai núpcias com a jovem Clarinda de 18 anos oriunda da alta
fidalguia carioca.
Colou grau em Engenharia Militar em 16 de janeiro
de 1892. Pelo seu desempenho e caráter profissional como aluno, foi escolhido
por seu professor, o astrônomo belga Luiz Ferdinand Cruls, para integrar a comissão demarcadora do
Planalto Central, para instalar a futura capital do Brasil. Partiu em junho de
1892 retornando ao Rio de Janeiro somente no inicio do ano de 1896.
De volta ao Rio de Janeiro assume
várias funções militares de destaques. Foi nomeado a Major de Estado Maior do
Regimento do 3º Grupo da Artilharia. Depois Major chefe do Departamento Central
do Ministério da Guerra.
Em 1998 foi nomeado comandante da
Escola Prática do Exército, que formava os oficiais de guerra. Depois ajudante da Fábrica de Cartuchos e
Artifícios de Guerra, no bairro Realengo do Campo Grande, em seguida foi
elevado a fiscal e por fim Diretor Geral
da Fábrica de Cartuchos.
Ainda como
diretor Geral da Fábrica e Cartuchos passou a dirigir todos os fabricantes
de Arsenais de Guerra e Estabelecimentos
Militares, nomeado em 1904 e em 1906
passou a fazer parte da Comissão de compra, de armamentos e munições na Europa
até 1909.
Como General de Brigada chefiou o
Departamento de Material Bélico do Ministério da Guerra e depois o Departamento do Pessoal de Guerra.
Em 1920 o General Hastimphilo
assumiu a chefia da Casa Militar da
Presidência da República, no governo de Epitácio Pessoa, permanecendo no cargo
ainda na presidência de Artur Bernardes. Por força da função, representava o
Presidente da República nos eventos e solenidades oficiais quando do
impedimento do Chefe da Nação.
Em 21 de julho de 1927 assumiu
alta investidura de General de Divisão, Comandante Militar da 2ª Região Militar de São Paulo em grande festa.
Seu nome chegou a ser cogitado
para pleitear à presidência da República, (O Imparcial, 20.4.1929), e para o
governo do Maranhão para substituir Magalhães de Almeida, com divulgação em
toda imprensa nacional como solução para dias melhores, (O Combate, 24.6.1929).
Maranhenses e principalmente os itapecuruenses ficaram ansiosos com a
expectativa do conterrâneo no Palácio dos Leões. Porém o general apesar das indicações, não
tinha espírito político, preferia a caserna.
HASTIMPHILO E A REVOLUÇÃO DE 1930
No
dia 24 de outubro o General tomou posse.
Como governador além de toda responsabilidade
do cargo e a melindrosa situação ele estava preocupado com o amigo Júlio Prestes, principalmente no tocante a
sua integridade física. Para isso entrou em contato com o cônsul da Inglaterra
em São Paulo, Arthur Abbott que o hospedou em sua residência na condição de
asilado e providenciou a sua viagem para a Europa.
Em 29 de outubro depois de nomear um secretariado composto somente de
civis, o General entrega o governo à Junta Provisória, sendo substituído por
José Wintaker. Em três de novembro Getúlio Vargas, líder da Revolução assume o
presidência da República e pressionado pelo movimento tenentista, nomeou para São Paulo , o tenente
João Alberto Lins de Barros.
Aposentou-se aos
70 anos em 1935. Em 1936 lançou o livro
“Da Primeira e Segunda República”, com seu nome ligado fatos capitais da vida republicana, onde se
encontra minucioso estudo das causas determinantes do movimento que culminou na
Revolução de 24 de outubro de 1930.
HASTIMPHILO E A MISSÃO CRULS
O Presidente da República Marechal Floriano
Peixoto, logo que assumia a presidência, com uma visão futurista organizou uma
Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil com o objetivo de elaborar
um estudo e demarcar o quadrilátero do planalto
com vistas a mudança da capital federal. Esse documento ficou conhecido
como, “Relatório Cruls”
Foi escolhido para chefiar a comissão o engenheiro, geógrafo e astrônomo
belga e diretor o Observatório Astronômico Brasileiro, Louis Ferdinand Cruls, professor de Hastimphilo de Moura na Faculdade
de Engenharia da Escola Superior de
Guerra que o incluiu na missão. A
equipe era composta de: dois astrônomos do Observatório – Henrique Carlos
Morize e Julião de Oliveira
Lacaille, o médico-higienista Antônio
Martins de Azevedo Pimentel, o geólogo Eugênio Hussak, o botânico Ernesto Ule,
os mecânicos do Observatório, Eduardo
Chartier e Francisco Souto, os
engenheiros Augusto Tasso Fragoso, Celestino Alves Bastos, Hastímphilo de
Moura, Alípio Gama e Antônio Cavalcante
de Albuquerque, o médico Pedro Gouveia,
o farmacêutico Alfredo José Abrantes, o comandante Pedro Carolino de
Almeida, dois alferes Joaquim Siqueira e Henrique Silva além de um contingente
de 30 militares (praças) e várias
pessoas da região recrutados para os
serviços gerais e guias.
Em junho de 1892, a missão partiu
do Rio de Janeiro. Durante mais três anos
os integrantes percorreram 14 mil quilômetros. A meta de Floriano Peixoto
era mudar a capital “nem que fossem para debaixo de barracas” dizia ele.
O jovem engenheiro militar foi
responsável pelo registro de um diário, que guarda a memória da expedição que traçou o quadrilátero do Planalto
Central. O registro fotográfico ficou a cargo do astrônomo Henrique Morize.
Além disso Hastimphilo de Moura foi o chefe
encarregado de duas “Turmas”, com oito profissionais e os tropeiros contratados
com cavalos e burros para o transporte. Durante
meses de viagem, Hastimphilo escreveu seis diários, com mapas
cartográficos e o relato das atividades de
todo o itinerário da missão: Demarcações, fauna, largura e profundidades de 18 rios, distancias, vegetações, relevos, latitudes e
os hábitos dos moradores do sertão brasileiro. Vencendo dificuldades, sujeitos
as “febres más”, seca e fome. “Vale citar que somente Hastímphilo e dois
oficias do grupo não contraíram as febres, que eram combatidas com o uso
‘Sulfato de Quinino”.
Apesar do sucesso da missão,
demorou décadas até que a construção de Brasília fosse concretizada. Somente no governo de Juscelino
Kubitschek, houve determinação política e vontade suficiente para que a capital
deixasse o Rio de Janeiro.
Em uma reedição do relatório da
Comissão Exploradora do Planalto Central, levada a efeito pelo escritor, Gastão Cruls em 1947, foi prefaciada por Hastimphilo
de Moura, único sobrevivente da “Missão” que dizia que a escolha de outro local para a construção
de Brasília "fora dos limites traçados pela demarcação geodésica (...) imporá ao Brasil uma capital em
inferioridade de condições".
Em 1954 o velho militar falou aos jornalistas sobre a
nova comissão designada para exploração do Planalto Central, que não deviam
ignorar o trabalho anterior porque o Planalto não tinha mudado de lugar e as
condições eram as mesmas e que o que estava havendo era uma, ”fantasia para
convencer a opinião pública de que se
vai fazer uma coisa que não se fez porque não se quis” (jornal Última
Hora, 17.7.1954. Pag.2).
O precioso material, que contém o
germe da história de Brasília, é o mais antigo documento do Arquivo Público do
Distrito Federal. O chefe do arquivo,
Luiz Fernando C. Silva, afirma: que é pouca a procura pelo material: "O
público desconhece a existência da missão". Alguns especialistas estão
refazendo a trajetória de Cruls pelo Planalto Central, com o objetivo de
divulgar esse período da história em escolas e universidades, depois de 100
anos, o resultado de uma missão da maior relevância para o Brasil: "É uma
oportunidade ímpar de conhecer melhor a história do Brasil que não está contada
nos livros", ressalta.
O Arquivo Público conta com diversos documentos sobre construção de Brasília. Especialistas
consideram o local inapropriado para guardar arquivos. Qualquer problema que
aconteça ao material representará uma perda irreparável para a história,
segundo Silva.
UM MILITAR APAIXONADO NA MISSÃO
Ao
partir em 1892 para missão o Hastimphilo estava recém-casado e a esposa gestava
o sua primeira filha. Durante a viagem ele escreveu quase 70 cartas
de amor à esposa “Lilinda”, que se encontram no Arquivo Público de
Brasília.
Sofrendo de amor ele chegou a
escrever que estava muito doente e que talvez morresse de saudade da esposa e
da filha que não chegou a conhecê-la, e cogitou
abandonar a missão, como confirma
um trecho de uma carta: “Quanto mais afasto-me da minha Lilinda mais saudoso
fico”. Fazia vários meses que o apaixonado não via a mulher de sua vida, “Ultimamente muito tenho sofrido,
porque quero ir para junto dela e não posso. É um verdadeiro desespero!” em
outra carta o engenheiro registra: “Confesso que não sei bem qual a minha
moléstia, que me conserva até hoje abatido e em uso do quinino”. Sinto-me doente e se o meu estado
agravar-se, (...) que eu venha a morrer por aqui, longe da minha Lilinda e de
todos os mais que me são caros.
O filho do casal apaixonado, em
depoimento ao Arquivo Público do Distrito Federal, em 1995, que o pai quis
abandonar a Missão Cruls e voltar ao Rio de Janeiro. “Não, eu vou pra aí”, ela
decidiu. Clarinda estava com 18 anos e era mãe de uma menina, Altair, nascida
na ausência do esposo Hastimphilo.
Clarinda viajou até a Uberaba,
Minas Gerais. Hastimphilo esperou pela mulher e filha de apenas um ano, na estação da estrada de ferro Mogiana. De
lá, os três seguiram em lombo de burro até um dos acampamentos da Missão, entre
Pirenópolis, Luziania e Formosa, cidade de Goiás. Ela acompanhou a expedição de 1893 a 1896. Em
1955 foi homenageada pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco por
ter sido a primeira mulher a pisar no solo da futura capital.
O relato de seu amor e de sua
saudade é revelado em seis cadernetas que foram entregues ao Arquivo Público do
Distrito Federal pela família.
A poeta Olívia da Rocha Lobo, filha de Otílio
Segismundo Rocha, que, foi guia da
equipe de Luiz Cruls no trecho de Formosa sempre contava: Cresci ouvindo meu
pai dizer que uma mulher muito elegante e apaixonada elo cerrado, fazia parte
da Missão Cruls. Ela era encantada com a quantidade de água que brotava do
chão, adorava os pássaros, era muito educada e elegante, muito bem-vestida. E
que parava na estrada para admirar as flores.
Essa incrível história de amor
foi publicada em 2009 pela jornalista Conceição Freitas no jornal Correio
Braziliense. Dois pesquisados de Brasília estão em busca de mais informações
para transformar em livro a vida de Hastimphilo e Clarinda. Desde que folheou as cadernetas
do engenheiro militar o
arquivologista Euler Frank Barros, diretor do Arquivo Público de Brasília se interessou pelo
texto como quem lê um romance e começou
a transcrição paleográfica das seis cadernetas.
O historiador Wilson Vieira
Júnior, da Universidade de Brasília, também se encantou com a história de amor,
e o registro da presença da primeira mulher na Missão Cruls.
Na época que a construção de
Brasília estava em andamento, Clarinda recebeu os jornalistas e
narrou suas experiências e dificuldades até atingir o Planalto Central,
sem estradas, guiados exclusivamente por bússola. Parentes e amigos tentaram sem êxito
demove-la da viagem. Ela contou que passou dois anos junto à missão e confirmou
a beleza do lugar. Construíram uma avenida com casas e móveis de madeira
confeccionados no local. Segundo ela o Doutor Cruls dizia que aquela avenida
deveria chamar-se: Avenida Dona Clarinda. A sua atitude motivou outras mulheres
dos militares a seguirem para Goiás. (jornais
do Brasil e A Noite, 28.2.1957).
Segundo o jornal Diário Carioca
de 23 de agosto de 1959, em entrevista o presidente Juscelino Kubistchek,
prometeu levar Clarinda para a inauguração de Brasília, infelizmente esta
faleceu dois meses antes do evento, no
dia 11 de fevereiro de 1960. Ela esteve casada com o general quase 66 anos.
Dos sete filhos do casal, somente três sobreviveram até os anos 30 do século
XX, foram eles: Hastimphilo de Moura Filho, oficial da Marinha, Aldmir de
Moura, advogado da Prefeitura de São
Paulo e o diplomata Altamir de Moura. Ele foi ministro da Divisão das
Fronteiras do Itamaraty, foi Embaixador em vários países e Cônsul-geral em
Barcelona onde publicou dois livros: em 1960
“Saulo de Tarso” e em 1961, “Roda Solta”. Também colaborava em vários
jornais do Brasil e de Barcelona.
Em 1942 o general Hastímphilo Moura esteve em Itapecuru
Mirim, para rever parentes e conhecidos, ocasião fez doação para a paróquia
Nossa Senhora das Dores das terras que receberam como herança, na Fazenda
Guanaré ele e seu irmão Silvinato de Moura, Almirante da Marinha, ficando acertado
que o seu arrendatário Honório Pereira, continuaria
administrado as terras e repassaria para
a igreja, o que lhes coubessem de lucro. Na sua estada em Itapecuru estreitou
amizades com muitas pessoas como o pároco, Joaquim Dourado, professor Newton Neves
e gestor municipal, Bernardo Thiago de Matos.
No seu planejamento
urbanístico da cidade o prefeito homenageou o general colocando por Decreto-Lei
a praça da matriz em seu nome. Sensibilizado o velho general em dois de outubro
de 1944, escreveu uma longa carta de agradecimento, em que dizia: “Como lamento
não me ser possível aí estar em pessoa para
cerrá-lo no meu peito e a toda essa cativante gente descendente de gerações de
conterrâneos de meus ancestrais” a carta foi publicada no jornal Trabalhista em
28 de dezembro de 1946.
General
Hastimplilo, faleceu no Rio de Janeiro em 25 de 1956 aos
91, e está sepultado no jazigo da família Moura, no Cemitério de São João
Batista. O Almirante Silvinato de
Moura, faleceu em 7 de junho de 1946.
Jucey, no esplendor das tuas letras enaltecesses a história da tua terra e do teu povo. Parabéns prezada amiga, pelo belo conteúdo do teu texto. Abraços literários.
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