Por: Josemar Lima
Série de Crônicas – ano III/nº 25/2016
Pois é! O Rei de
Portugal, Dom João IV, em 1648, chegou a analisar uma proposição feita pelo
então governador do Maranhão, Francisco Coelho de Carvalho, referente a mudança
da sede do Governo do então estado do Maranhão e Grão Pará, para a povoação de
Itapecuru Mirim.
Você, caro leitor, sabia
desse fato histórico? Eu também não! Vi uma informação no livro do confrade
Benedito Bogea Buzar, “O Dia a Dia da História do Itapecuru-Mirim”, e sair a
pesquisar inclusive junto aos arquivos do Conselho Ultramarino. Consegui
informações relevantes, inclusive a data da Consulta formulada pelo referido
conselho ao rei de Portugal: 25 de janeiro de 1648, além de trechos do referido
documento e acesso a mapas realizados em 1632, sobre a possível localização da
nova sede do governo do Maranhão.
Francisco Coelho de
Carvalho foi o décimo segundo governador do estado do Maranhão, no período em
que São Luis era a sede de governo do estado do Maranhão e Grão Pará. Assumiu
num período em que as tensões estavam acirradas devido às pressões para uma
redefinição geográfica da região, principalmente reivindicadas por Belém que
não se conformava com a subordinação a São Luís.
Seu período de governo foi curto, iniciado em
17 de junho de 1646 e encerrado em 15 de fevereiro de 1648, menos de um mês
após a consulta formulada pelo Conselho Ultramarino ao Rei de Portugal. Havia
também nesse período um grande temor de que esta região do norte do Brasil,
diretamente vinculada à coroa portuguesa, viesse a ser tomada por potências
navais estrangeiras, situação já vivida em 1612, com os franceses, e em 1641,
com os holandeses.
A proposta, em forma de
Carta, foi endereçada ao Rei de Portugal, mas antes de chegar ao rei, teria que
passar pelo crivo do Conselho Ultramarino, vinculado à corte portuguesa.
O Conselho Ultramarino,
fundado em 1642, era uma instância com status de tribunal, destinado a
manifestar-se sobre todos os assuntos referentes ao estado da Índia e dos novos
territórios descobertos pelo Reino de Portugal.
A criação do estado do Maranhão e Grão Pará,
com a sede administrativa em São Luis, nunca obteve consenso nem por aqui e
muito menos na corte. A solicitação do Rei D.Felipe II, feita em Carta Régia de
1622, consequentemente após a instituição do estado do Maranhão e Grão Pará, em
1621, e definição da sede do governo em São Luis, para que fosse informado “em
que parte das terras das conquistas do Maranhão e Pará será conveniente se
escolher um sítio em que se possa fazer uma capitania e povoação que seja
cabeça daquele estado e que distrito deve ter” revela uma incerteza sobre a
continuidade de São Luís como sede do governo geral do estado do Maranhão e
Grão Pará.
E, apesar de São Luis
permanecer o centro político e administrativo, a dúvida entre as elites da
terra e da corte atravessou o século XVII até a segunda metade do século XVIII.
Na Consulta encaminhada ao Rei de Portugal os conselheiros afirmavam com base
nas justificativas apresentadas pelo governador do Maranhão, “que aquela ilha
em que a cidade está situada não é forte, sendo limitada e que as barras por
onde se pode entrar nela são pouco defensáveis, pois sua largueza e falta de
sítios para se fortificar”.
Contudo, mesmo com essa
insegurança, o aspecto natural de São Luís agradava aos moradores da terra.
Ainda na mesma consulta, os conselheiros ressaltavam esse caráter. A Ilha –
diziam – “tem sítio muito sadio e saudável para a vida humana e abundância de água e comodidade para ter
provimento necessário ainda que cresça muito mais em gente pela vizinhança que
tem da terra firme e por desaguarem os rios Mearim, Itapecuru e Munim”.
Todavia, o texto traz uma
ressalva que pode explicitar a motivação do governador Francisco Coelho de
Carvalho em optar pela povoação de Itapecuru Mirim para a nova sede de governo
do estado do Maranhão: “E – continuava o relato ao monarca – sendo certo que o
sítio do Itapecuru aonde o seu tio Antônio Coelho de Carvalho, no tempo em que
governava aquele Estado, mandou fazer povoação e que em razão de uma cachoeira
fica inexpugnável a quando poder havendo da nossa parte povo que mais nos
convinha”.
É verdade que o
governador teve um tio de nome Antônio Coelho de Carvalho, que governou o
Maranhão no período de 3 de setembro de 1626 a 15 de setembro de 1635 e que
tinha feito intervenções na região, mas o cerne da questão da transferência
estava ligado à fragilidade da ilha em relação às constantes investidas
estrangeiras contra as terras conquistadas por Portugal no norte do Brasil.
A cachoeira a
referenciada, trata-se da Cachoeira de Vera Cruz, localizada quase na foz do
Rio Itapecuru, no município de Rosário, neste estado e que já foi objeto de uma
crônica desta série. Levar a sede do governo para o continente tornava-a mais
segura e a região já tinha se mostrado estratégica para expulsão dos holandeses
que se aventuraram a adentrar o Rio Itapecuru para expropriar os engenhos de
açúcar lá localizados e se deram mal.
Há, entretanto, um estudo
mais detalhado sobre uma possível transferência da sede do governo do Maranhão
para a povoação de Itapecuru Mirim, atestando que a mudança da capital não era
meramente de ânimo familiar, pelo vínculo do governador com um seu parente que
se interessara pela região localizada nas ribeiras do Itapecuru.
No mapa atribuído a João
Teixeira Albernaz, datado de 1632, encontra-se, além de representações de
aldeias, rios e fortes existentes na região do Itapecuru, uma clara indicação
nas margens direita do referido rio que diz: “aqui há de se fazer povoação para
cabeça do Estado”. Esta localização coincide rigorosamente com a atual cidade
de Itapecuru Mirim.
Não deixa de ser
instigante o fato de que no período em que se aponta a região do Itapecuru como
possível sede do governo local coincide com a vigência do governo de Antônio
Coelho de Carvalho (1626/1635), que justamente tinha promovido a povoação da
terra naqueles lados.
Concretamente, as
tentativas de mudança da capital do Estado para a povoação de Itapecuru Mirim
não passaram do papel, mas chagaram a merecer análise do Conselho Ultramarino e
Consulta ao Rei Dom João IV de Portugal. Outra razão que deve ter contribuído
para que a proposta não prosperasse foi a saída do governador Francisco Coelho
de Carvalho de suas funções menos de um mês após a Consulta formulada.
Creio que o Rei nem teve
tempo para responder ao requerente, no caso o então governador do estado do
Maranhão e Grão Pará, Francisco Coelho de Carvalho, ou se houve pressões
contrárias à proposta que motivaram sua retirada do governo logo após a
consulta?
Fiz contato com o Arquivo
Histórico Ultramarino de Lisboa, o IICT,
buscando cópia do parecer emitido pelo referido conselho relativo à carta formulada
pelo governador do estado do Maranhão e Grão Pará ao Rei de Portugal e consegui
não só o parecer, mas também os mapas oriundos do estudo técnico realizado em
1632, com a indicação precisa da povoação de Itapecuru Mirim como possível sede
do governo do estado do Maranhão e Grão Pará.
Considerando os críticos
e crônicos problemas econômicos, sociais, ambientais, culturais e políticos
institucionais atualmente enfrentados por São Luis, capital do estado do
Maranhão, tornando-a uma cidade com alto grau de insustentabilidade, acho que
não perdemos nada com a não efetivação da mudança pretendida em 1648.
Itapecuru Mirim não virou
capital do estado do Maranhão e Grão Pará, mas tornou-se um importante polo de
desenvolvimento econômico e cultural no século IXX e início do século XX,
experimentando um acentuado declínio quando o Rio Itapecuru perdeu sua
capacidade de via de transporte e a produção de algodão em suas ribeiras também
entrou em colapso.
Atualmente, mesmo com um
potencial humano, histórico, cultural e econômico, luta para alcançar uma
melhor colocação entre os municípios mais desenvolvidos do estado do Maranhão.
É hoje o 60º no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, com um IDH de
0,599, situado na faixa de municípios com baixo desenvolvimento humano, numa
escala que vai de 0,000 a 1,000. Se fosse a capital o município teria o maior
IDH do estado, algo em torno de 0,768, como São Luís, mas isso não diz muita
coisa não, pois o IDH ainda não consegue
captar com eficiência as reais melhorias nas condições de vida da população.
Mas, como a esperança é a
primeira que vive, ainda acreditamos que quando tivermos uma gestão pública que
abra canais para que a sociedade civil defina as prioridades municipais e
governo e mercado unam forças para cumpri-las, chegaremos rapidamente a ser um
dos mais desenvolvidos do Maranhão, com sustentabilidade econômica, social,
ambiental, cultural, participativa e tecnológica.
A esperança é a última
que morre!
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